Bené
Chaves
Meu pai nasceu no alto sertão, em um lugarejo
chamado Ferrões. Desde cedo começou a trabalhar no cabo da enxada, como se
dizia. Criou calo nas mãos. E andava não sei quantos quilômetros a pé para
alcançar o grupo escolar do município próximo. Porém, foi praticamente um
autodidata.
Andou depois por esse mundo afora, desambientado e
desprovido. De aldeolas e cidades... E de tudo sentiu e viu, desde terrenos
incultos onde medram plantas agrestes, como o mandacaru, a oiticica, o
cajueiro-bravo, o xiquexique. Lá nos cafundós-do-judas!
Portanto, passado esse período de indecisões e
privações, conheceria minha mãe em Gupiara. Atrelou-se ali talvez pelas
coincidências e circunstâncias da vida. Ou atraído pela lenda dos diamantes que
inventariavam no lugarejo.
E depois de alguns meses de ter arrumado os trapos
com sua mulher, decidiu contratar uma boa cozinheira para a culinária. O estado
de minha mãe, lógico, facilitou, pois aquela barriga não parava de encher.
Evidente que sim...
Chegou, então, Tia Chica, uma velha gordona,
retinta. Diziam que suas mãos eram de ouro. Perto do fogão, a preta era o cão.
No bom sentido, óbvio. E o cheiro de sua comida atraía e embriagava o
quarteirão inteiro.
Acho até que meu pai deve ter se
arrependido, pois seria quase certo que ele iria engordar quilos e mais quilos.
E sua mulher, ah!, nem se fala, aí sim, deveria ficar igual a um balão. Aquele
aroma enfeitiçava qualquer um. Parecia magia.
Tia Chica jurou pra meu pai que conheceu a pessoa
que explorou aqueles diamantes. Pela alma de minha mãe, dizia ela, cobrindo os
cabelos esvoaçados e com aquele enorme cachimbo no canto da boca. Caíram-lhe
pedras do bolso, pode acreditar. Inclusive cheguei a juntar algumas, porém o
cretino foi rápido e sumiu, arrebentando-as de minhas mãos, completou um pouco
furiosa.
(Ah, quantas saudades daquelas iguarias! Agora
mesmo, enquanto escrevinho aqui, ‘sinto’ o cheiro da comida esmerada
pelas mãos de fada da preta velha).
Assim era a verdade de Tia
Chica. Assim falava e jurava. Mas, podia ser também apenas a lenda e o
anedotário de Gupiara.
Era. Não era. Parecia ser.
Não ser. Era não. Parecia não ser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário