24 de junho de 2022

O nordeste dos violeiros e repentistas

 

Talvez a figura mais popular do Nordeste brasileiro seja o cantador, o violeiro. Por muitos anos, o repente serviu como o único meio de comunicação em terras áridas e inóspitas. Fazia as vezes de rádio, de tevê, de revistas. E não era só isso: as notícias vinham em forma de versos, rimados, ritmados, poéticos. Ivanildo Vilanova é hoje, reconhecidamente, o maior repentista brasileiro. O mais respeitado de todos. Mora em Campina Grande, Paraíba, capital dos repentistas, dos cantadores, a três horas de João Pessoa. Lá reúnem alguns dos maiores violeiros do Brasil.
            Eles se espalham por todo o Nordeste, de ônibus, de carro, a cavalo - sempre para uma cantoria num centro comercial ou numa distante fazenda. Ivanildo, e todos os outros violeiros, recebem cartas-convites, telefones, telegramas, todos convocando, ou propondo, alguma noitada de cantoria. Quem envia são os chamados "apologistas", espécie de animadores e entusiastas da poesia popular. O trabalho de Ivanildo Vilanova se destaca entre as centenas de violeiros pela sutileza de seus versos, pela síntese de seus improvisos e pela variedade temática. Pertence ao grupo de cantadores que são capazes de improvisar, com conhecimento de causa, sobre qualquer tema, da História Universal à Química, da política as artes plásticas – uma raridade, de fato.
            Todas as tardes, os violeiros se reúnem no Drink's Bar, boteco localizado em frente à Rádio Borborema, em Campina Grande. No bar, recebem telefonemas, recados, são convidados para cantorias, trocam impressões sobre os melhores pontos, formam duplas para uma viagem repentina, e no final da tarde participam do programa diário na Rádio Borborema. É um quadro ouvido em toda a região: comunica as cantorias do dia, os locais, as duplas, informa os violeiros que estão com a agenda livre e, de quebra, coloca ao vivo alguns repentes. O repentista Ivanildo Vila Nova diz que  em 1974 ele e outros amigos  fizeram um congresso de violeiros, reunindo os melhores repentistas do Nordeste.
            Até então, os congressos que aconteciam não chegavam a chamar a atenção. “Conseguimos então mostrar ao público inclusive cantadores ótimos, e totalmente desconhecidos. Nos anos seguintes, o congresso passou não só a revelar novos talentos, como a mostrar a criação de novos gêneros: como o Brasil Caboclo, por exemplo. O O violeiro é de suma importância para o Nordeste. Ele é o principal veículo, a principal manifestação de folclore, como querem dizer. O repente tem tudo: boa poesia, ritmo, rima, bom humor, romantismo, tudo.  Desafio é logo o primeiro verso dum violeiro para o outro, quando o convoca para a cantoria. O desafio é somente um dos muitos gêneros do repente. Repentista é coisa herdada. Não se aprende, é coisa de hereditariedade, herança.
            As apropriações indébitas, das canções de violeiros,  Ivanildo Vila Nova explica este fato .  Ele diz que  não é só pessoal da MPB de elite, mas todos, até do bolerão que plageia  as musicas dos repentistas, como por exemplo  o Reginaldo Rossi, que copiou um mourão todinho e não deu crédito. O Fagner pegou a letra duma canção de fogo e nada disse. Os versos: "Eu sou igual ao deserto/aonde ninguém quer viver/mais triste do que eu/ninguém quer ser." Estes versos estão na página 33 duma canção de fogo. Ele, o Fagner, roubou tanto o Patativa do Assaré, que teve de aproveitar o homem.Pegou aqueles versos - "eu venho desde menino/desde muito pequenininho/cumprindo belo destino/eu nasci pra ser vaqueiro - que são do Patativa.
            Gilberto Gil, idem. Pegou os versos de Domingos da Fonseca - "Falar de nobreza e cor/é um grande orgulho seu/morra eu e morra o pobre/se enterra o rico e eu/que depois ninguém descobre/o pó do rico do meu." Isso é de Domingos da Fonseca. E aconteceu agora com Zé Ramalho. Essa música que a Amelinha canta - "Mulher nova e carinhosa..." - é de Otacílio Batista. Não, de Otacílio e Zé Ramalho. Zé fez apenas o arranjo, não a melodia. A música já existia - eu mesmo já a gravei duas vezes. Não acho que Otacílio devesse dar a parceria. Ora, quer gravar, grave. Isso me deixa revoltado. E muito.


(Fonte. Miguel de Almeida - Banco de Dados da Folha de São Paulo).


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