13 de dezembro de 2017

As invenções de Caicó




   
Anchieta Fernandes

       O escritor Moacy Cirne publicou, em 2004, o livro “A invenção de Caicó” (Sebo Vermelho Edições), precioso hino de amor a uma cidade que não é a do seu nascimento (nasceu em Jardim do Seridó) mas onde se criou e onde adubou os primeiros alumbramentos culturais. Mas o título do livro de Moacy é pouco, para o lugar que, antes sendo sítio Cuó, depois Povoado Seridó, adquiriu o status de município pelo Decreto de 28 de Abril de 1788, instalando-se com a denominação Vila Nova do Príncipe (homenageando-se com este nome Dom João VI) a 31 de Julho de 1788. Está comemorando, portanto, 220 anos. Aqui homenageio a terra das famosas bordadeiras com uma espécie de texto calidoscópico, e não uma máquina do tempo sequenciadamente cronológica, mostrando um pouco das muitas “invenções” caicoenses, sua história, datas importantes e coisas pioneiras ou que se marcaram apenas como curiosas.
           Caicó tem, por exemplo, um Observatório Sismológico, que em 1984 participou de um teste para detectar explosões nucleares em todo o mundo. É o único município do Rio Grande do Norte que possui uma Aldeia SOS, que faz parte de um sistema de aldeias infantis fundado em 1949, na Áustria, por Hermann Gneiner, e onde crianças órfãs são recolhidas em casas-lares, cuidadas por mães sociais, recebendo educação regular e cursos profissionalizantes, só saindo da aldeia quando atingem a maioridade. Os diversos Arcos do Triunfo que existem em outros países, lembram vitórias materiais, ações de guerra. Em Caicó, à entrada da Praça da Matriz de Santana, está um Arco do Triunfo diferente: inaugurado a 15 de Agosto de 1958, lembra a passagem da imagem de Nossa Senhora de Fátima pela cidade, a 22 de Novembro de 1953. Lembra o triunfo espiritual da fé na mãe de Jesus Cristo.
            Em Dezembro de 1980, a Sudene implantou em Caicó, na fazenda Belém, um modelo de irrigação de plantações de abacaxi denominado “Xique-Xique”, experiência pioneira no sertão, já que o abacaxi é cultura peculiar ao litoral. Visitando Caicó em 1922, o Marechal Rondom, sertanista/indianista, chegou tarde da noite, encontrando a cidade quase totalmente na escuridão. Com exceção da Biblioteca Olegário Vale (inaugurada a 14 de Setembro de 1919), na Praça da Liberdade, onde um grupo de rapazes estava estudando, à luz de lampiões de gás. O primeiro jornal seridoense, “O Povo”, circulou em Caicó desde o dia 09 de Março de 1889, sob a direção/redação de Diógenes da Nóbrega, Olegário Vale e Manoel Dantas. A impressão do jornal era na tipografia de José Renaud, à Praça do Mercado (atualmente, denominada Praça Dinarte Mariz). A tiragem era semanal.

REPUBLICANISMO, PROGRESSOS ETC.

          O primeiro núcleo de propaganda republicana no Rio Grande do Norte foi, segundo o historiador Muirakytan Kennedy de Macedo (v. seu livro “A Penúltima Versão do Seridó – Uma História do Regionalismo Seridoense”, Edição Sebo Vermelho, Natal, 2005), em Caicó, fundado a 25 de Julho de 1886, sob a presidência do octogenário Manoel Sabino da Costa. Quando foi criado em 1788, o município de Caicó (ou, então, Vila Nova do Príncipe) abrangia quase todo o Seridó no Estado, pertencendo-lhe então os futuros municípios Acari (desmembrado em 1833), Jardim do Seridó (desmembrado em 1858), Serra Negra do Norte (desmembrado em 1874), Jucurutu (desmembrado em 1948), Jardim do Piranhas (desmembrado em 1948), São Fernando (desmembrado em 1958) e Timbaúba dos Batistas (desmembrado em 1962). Mas um grande e importante município seridoense, Currais Novos, não lhe pertenceu.
        A 19 de Janeiro de 1955, foi instalado em Caicó o Primeiro Batalhão de Engenharia e Construção. A 1º de Maio de 1963, foi inaugurada em Caicó a Emissora de Educação Rural, a primeira no Seridó com o objetivo de transmitir aulas à distância. O primeiro automóvel que chegou a Caicó foi a 27 de Março de 1919, e pertencia a Manoel Coriolano de Medeiros. Segundo o livro “Sertões do Seridó”, de Oswaldo Lamartine (1980, Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília, DF), quem primeiro requereu terras no Rio Grande do Norte para construção de açudes foi o padre Manoel de Jesus Borges. Isso foi no ano de 1706. Não se tem certeza se os açudes do padre Borges se concretizaram. O que se pode afirmar com certeza é que o açude Mabanga, construído no ano 1842 nas terras que seriam depois o município Caicó, foi um dos primeiros no Estado.
          A luz elétrica de Caicó foi inaugurada a 21 de Abril de 1925, superando definitivamente a fase dos lampiões a querosene e a gás. A 01 de Agosto de 1928, o primeiro avião sobrevoou e pousou em Caicó, pilotado por Depecker, trazendo como passageiros o governador do Estado, Juvenal Lamartine, e George Piron. A finalidade era inaugurar o primeiro campo de aviação da cidade, o que foi concretizado na então chamada “Baixa do Arroz”. Em Setembro de 1963, começou a funcionar em Caicó a Usina de Beneficiamento do Algodão da Firma Algodoeira Seridó Comércio e Indústria S.A. A 05 de Maio de 1929, foi fundado e instalado o Banco Rural de Caicó, tendo Eduardo Gurgel de Araújo como seu primeiro Diretor-Presidente. Em Maio de 1968, foi criado em Caicó o Museu do Seridó.
              Além dos grandes nomes da política (José Augusto Bezerra de Medeiros), do jornalismo (Manoel Gomes de Medeiros Dantas), do judiciário (Amaro Cavalcanti), das artes (o pintor Eladio L’eraistre Monteiro, o cineasta Augusto Ribeiro Júnior) – nasceu também em Caicó um estranho poeta; batizado Francisco, teve como sobrenome Manoel de Souza, ao que teria acrescentado Forte, homenageando um dos fundadores de Caicó, Manoel de Souza Forte. Tendo sido descoberto por Nei Leandro de Castro, em um bar da Cinelândia, no Rio de Janeiro, em 1990, sua poesia erótica e debochada foi divulgada depois por Nei e Moacy Cirne com a assinatura que o poeta assumia, Chico Doido de Caicó. Alunos da Universidade Federal Fluminense, de Petrópolis, escolheram-no como patrono (póstumo) na formatura da turma de 1993. Foi feita uma adaptação teatral de sua poesia.
            Importância de Caicó para a música e o cinema brasileiro: o coco paraibano “Oh, mana, deixa eu ir” (folclore), que já fora recolhido por Villa-Lobos, e depois cantado por Milton Nascimento, foi incluído no filme “Aruanda” (1960, dirigido por Linduarte Noronha), cantado por Othamar Ribeiro, neste que é um dos mais importantes documentários brasileiros, iniciador da linguagem do Cinema Novo. Pois bem: a quadrinha, na letra termina homenageando a terra do poeta, romancista e ensaísta Nei Leandro de Castro (cujo romance “As Pelejas de Ojuara” foi recentemente adaptado para cinema por Moaci Góes, alcançando bom público em nível nacional), dizendo: “Oh, mana, deixa eu ir/ Oh, mana, eu vou só/Oh, mana, deixa eu ir/Para o sertão de Caicó”.
             Em 1910, durante a Festa de Sant’Ana, foram exibidos os primeiros filmes em Caicó. Em 1926, Caicó recebia o presidente Washington Luiz, o primeiro presidente a visitar a cidade. Em Janeiro de 1929, o poeta, contista, romancista e ensaísta brasileiro Mário de Andrade, um dos organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, visitou Caicó. Em 09 de Março de 1974, foi inaugurado o 1°  Núcleo Avançado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para a população seridoense. As atividades culturais caicoenses se espalham sempre para outras regiões, outros municípios. A 03 de Julho de 1973, o Diário Oficial do Estado publicou o Estatuto do Grêmio Cultural Caicoense, funcionando em Natal.
Texto publicado no Suplemento Cultural "Nós, do RN" agosto de 2008 


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