Moura
Neto
As
dunas das praias de Santa Rita e Genipabu, em Extremoz, a 20 quilômetros do
centro de Natal, não revelam apenas uma vasta beleza natural do litoral Norte
do Rio Grande do Norte, visitadas por turistas de todas as partes do Brasil e
do mundo. Lá de cima é possível descortinar um verdadeiro oásis: lagoa e mar
que se confundem com o céu azul, entrecortados de coqueiros que se alvoroçam ao
sabor da brisa, compondo um cenário que se insurge como um dos mais belos
cartões-postais das terras de Poti. É lá que reside e trabalha um artista
talentoso, que deixou o alvoroço da cidade grande para viver no anonimato.
Percival
Rorato, paulista, 60 anos, tapeceiro, artista plástico, diretor de arte e
cenógrafo, trocou São Paulo por Natal depois que a mãe morreu. Queria fugir das
turbulências da metrópole e seguiu os passos de uma de suas irmãs, que aqui
chegou. Escolheu Santa Rita como refúgio, construindo sua casa nas dunas, em
1998, onde também instalou ateliê e bar. Em volta de muitas pinturas e
gravuras, num ambiente mobiliado com peças antigas e rústicas, verdadeiras
obras de arte, ele fala sem saudades, mas com certo entusiasmo, de uma fase da
vida em que esteve no palco de alguns dos principais eventos culturais do país.
Perci, como é mais conhecido em
Santa Rita , trabalhou nos primórdios da televisão, no teatro
e no cinema, onde atuou, em 1977, como cenógrafo, figurinista e maquiador no
premiado filme Sargento Getúlio, de Hermano Penna, baseado na obra de João
Ubaldo Ribeiro.
Arredio
e tímido, nunca procurou expor seus trabalhos em Natal. Descoberto
pelo escultor Guaraci Gabriel, no entanto, acabou participando em 1999 de uma
mostra coletiva organizada pelo amigo, na praia onde mora, intitulada Portas para o céu. “Me despojei e me
desfiz de um passado quando vim para estas dunas”, diz o artista, que, apesar
da reclusão voluntária, ainda recebe encomendas pelas referências que deixou em São Paulo - suas
tapeçarias e pinturas também já foram expostas na Itália e Alemanha. Fez
incursões por várias escolas, como o cubismo e impressionismo, tendo recebido
influências de Picasso e Van Gogh, mas seu espírito rebelde, inquieto e
contestador o leva a experimentar e inovar sempre. “Sou plenamente identificado
com o momento, por isso classifico minha arte como onírica”, avalia.
O
artista que chocou o público numa exposição coletiva realizada em 1973 num
estacionamento da Alameda Santos, nas proximidades da Avenida Paulista, em São Paulo , quando tocou
fogo em várias peças suas por duvidar da qualidade, numa época em que as
performances no meio artístico ainda eram incipientes e geralmente mal
compreendidas, afirma que continua usando a arte para “combater os preconceitos
e quebrar tabus”. Suas armas, nesta guerra, são agora telas nas quais dispara
rajadas de óleo, cera, aguarela, lápis de cor e, sobretudo, acrílico. “Pinto
como se estivesse construindo um cenário; o quadro precisa ter alegria,
expressão e ser musical”, revela.
Perci
saiu de São Paulo por se achar incapaz de participar das grandes transformações
que a cidade experimentava, como a exacerbação da violência e da poluição, e
pela dificuldade de conviver com a estrutura radical do capitalismo, apesar de
ter família influente. Ele é irmão da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda
Crusius, ex-ministra do Planejamento do governo Itamar Franco, e concunhado de
Boni, o José Bonifácio Sobrinho, ex-todo-poderoso diretor da Rede Globo, com
quem já trabalhou mas garante nunca ter tirado vantagens. “Sempre vivi da arte,
fui muito considerado pelo que fiz mas nunca compactuei com o sistema”, frisa.
Exilado
no oásis que edificou no deserto de Santa Rita, recebe com freqüência os
artistas da redondeza e da cidade, com quem compartilha uma visão privilegiada
da Natal dos Reis Magos. “A beleza das dunas é a amplidão que ela reflete”,
filosofa, retirando deste cenário os elementos oníricos que retrata em suas
telas.
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