Bené Chaves
Quando meu pai
chegou a Gupiara já era quase época de carnaval. Então ele fez logo amizade nos
seus arredores e junto com pessoas de sua idade organizaram um bloco para a
festa que se aproximava. E fundaram um de nome esquisito: O Inferno das Cuias. Apesar do nome
feio e estrambótico, o pequeno grupo queria se divertir pra valer. E realmente
aproveitaram aqueles dias de uma festa profana no dizer de velhas carolas que
viviam cuidando mais de assuntos não pertinentes às mesmas.
Acho que Painhô não
tinha ainda conhecido minha mãe, porque depois me disse que se enrabichou por
uma suposta donzela que era um verdadeiro antro do prazer. Dessas de você ficar
babando e depois comer (a baba, claro) com os próprios lábios.
Época difícil aquela, a idade era um martírio,
meu pai ainda na agitação do espírito e querendo aproveitar o restinho de uma
pós-adolescência. E a juventude, mesmo que um pouco tardia, seria adequada para
a dita ocasião.
No lugar onde Painhô nasceu ele nunca brincara
o carnaval, não existiam condições para isso. Ali, só havia uma seca brava, a
enxada e a terra falavam melhor. E sua mãe, minha avó, portanto, exagerava nos
cuidados de seus filhos. Sabia ela que eles eram jovens e queriam aproveitar a
idade, principalmente Painhô, o mais velho de todos.
E meu pai vivia dizendo
que o tempo não espera por ninguém, é efêmero e tem lá as suas encrencas. Mas,
o melhor era não decifrá-lo por enquanto. Quando chegasse na hora ele teria um
compromisso com a verdade. Nua e crua.
A vivência faz o homem,
a consciência depende do lado humano, sua criação, o modo de olhar o mundo e
julgá-lo. A festa do começo do ano era a alegria do povo, porém, era, também,
paradoxalmente, a sua tristeza. Um desalento endógeno.
Seriam
três ou quatro dias para desabafar incertezas, enganar-se nas desilusões. E
depois viriam os resquícios das cinzas, apenas a desesperança que ficara para
trás. Aquele mesmo borralho espalhado e absorvido pelo ser humano na
continuidade de uma vida de valores inexistentes.
Mas, diante de si,
Painhô olhou o entusiasmo na rua e não fez por menos, caiu no chafurdo com o
bloco carnavalesco. Os outros na ilusão de noventa e seis horas, perdidos no
meio da vida. Sumidos numa pseudo-alegria.
O carnaval fora embora. Nada mais de confetes,
serpentinas ou pierrôs. Ou mesmo o palhaço fazendo muganga. As máscaras caíram
nos esgotos de uma existência não atingível.
Sumiram arrastadas pela correnteza e desapareceram no meio de cinzas que
circundavam nos ares desalinhados e presos de melancolia.
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