Bené
Chaves
Direcionando e lembrando-me
de algo leve e fantasioso, pude imaginar-me com Painhô me levando a passear nas
cercanias de uma Gupiara ainda com sabor e odor de inocência. E vez por outra
me levando a entrar em uma sala de cinema. Ali ele subia comigo e conseguia
mostrar, através de um cidadão atarracado e careca, uma enorme máquina de rolos
gigantescos a girar ininterrupta.
Então conversava com o humilde homenzinho
sobre assuntos alheios à minha compreensão e depois metia o olho direito em um
dos buracos do instrumento, gesticulando e pedindo que eu observasse uma
luminosidade retangular à minha frente.
Pareceu-me que exibiam um
seriado desses que a gente tem de acompanhar toda semana. (Observei trechos de
um faroeste ou algo semelhante, não sei bem. Algum pequeno clarão de índios
mortos por homens brancos). Pensei que seria uma nítida abordagem de faturar na
continuação da série, embora soubesse também que era gostoso o suspense do
intervalo.
Um suspense que anos após iria me encantar ao
assistir os filmes de um velho gorducho chamado Alfred Hitchcock, autor de
relíquias (vide, entre outras, ‘Um corpo que cai’/Vertigo) sobre como deixá-lo
preso aos seus dramas e também suas tramas. E, então, permitia-me ir àquele
prédio atrás dos seriados que me iniciaram nas telas imensas de antigamente, em
uma cidade a tentar crescer com a cinematografia aos nossos olhos.
Soube que minha mãe discordava
e dizia detestar (ou ignorar) o mundo da sétima-arte. Tinha de mentir ou fugir
quando a mesma desconfiasse de algo incomum, pois era evidente que não teria
grana para ver as fitas em série que acostumei a apreciar. Se acontecesse algum imprevisto,
lógico, iria apelar para meu pai, que daria o dinheiro para a tal sessão.
Antes jurava não me embaraçar nos estudos. De
maneira alguma, dizia eu, não vou me prejudicar, pode confiar. E saía apressado
e medroso ante uma possível presença de Mainhô tentando, talvez, me impedir do
lazer semanal. Eles lá que depois discutissem o assunto.
Esperava, apenas, que Painhô
interferisse a meu favor e mudasse a opinião de sua mulher, acho que com algum
esclarecimento em nome da cultura e arte cinematográficas. Era só o que
faltava!, exclamava. Tenho certeza que minha mãe não sabia o que estava
perdendo.
Corria, portanto, e ia parar na
calçada do velho edifício que ficava no ainda e tranqüilo bairro do Alecrim de
minha outrora e pacata Gupiara. Depois de comprar meu ingresso entrava e me
sentava em uma cadeira nada confortável. Mas, nem ligava naquela condição de
menino besta. Queria somente admirar, com vivo interesse, o que se projetava na
telona.
Antes, porém, me juntava aos
amigos e ia trocar figurinhas que colecionava em um bonito álbum. E, horas
depois, lá voltava eu contente a mostrar as ilustrações já quase preenchidas.
Trancava-me no quarto a colar com entusiasmo a posse das fotografias.
Se minha mãe não fosse chamar, ah!, esquecia
até de comer, passando o resto do dia sentado no chão a selecionar o objeto da
conquista. Em seguida surgia na sala com o livro de cartolina faltando apenas
quatro ou cinco fotos para completá-lo. E mostrava aos meus pais a feitura
realizada, ficando na intenção de concluir o trabalho meio artesanal com a
ajuda dos mesmos.
Se as figuras não saíssem
repetitivas, o que era comum, logo estaria com o álbum completo. Sei que aí já
existia astúcia e ambição na demanda, mas não iria amolecer, queria arranjar
uma grana para terminar meu intento. E, em um curto espaço de tempo, sair feliz
a contar vantagem para os amigos da época.
Minha infância querida, sua
infância idolatrada, nossas infâncias em uma Gupiara inocente e que muito amor
dera para que vivêssemos a saudável inquietude de uma vida ainda de prazer e
esperança. Paixões que se diluíram e desapareceram entre as feias mudanças em
nome de um abjeto porvir.
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