18 de fevereiro de 2021

GUPIARA DE MEUS AMORES

  Bené Chaves

        Acostumando-me com o que de belo e humilde a vida apresentou passei minha fase de menino, um período infantil em que desprezei também e tentei obscurecer os fatos inúteis e atos que viessem embaraçar minhas opiniões.
                Cresci, obviamente, com obstinado interesse e uma razão maior para o lado bom e inteligente da vida, odiando, desde cedo, portanto, a hipocrisia e aparência enganosas, isto é, aquelas pessoas que na presença do interlocutor agiam de um jeito e na sua ausência comportavam-se de feitio inverso.
                Inclusive detestando o pior de tudo, a convivência, sob um manto falso, de uma existência de exterioridade. E fiquei sabendo que os seres humanos valiam em excesso pelo que tinham dentro de si e não pelo invólucro exibido.
               Portanto, aprendi que uma mente razoável seria o ponto fundamental para uma familiaridade sadia. O cerne não se limitando àquela fachada, porque ela serviria apenas para encobrir algo de muito feio, que seria o natural esqueleto.
              Talvez as questiúnculas mencionadas aqui se devessem ao fato de eu ter nascido e advindo, modéstia à parte, de caracteres hereditários saudáveis, daquela junção de corpos dos ascendentes e que predominou, sobreveio e sobreviveu uma célula móvel de sinal peculiar incomum.
             Ou, então, adquirido através de uma sensibilidade enquanto jovem (ou criança) a perceber a imprudência de outrem. Era minha vida, foi minha vida, é ainda minha maneira de viver. Suponho que assim será até a derradeira fase, o semblante de um encantamento escuro e definitivo.
             Lembrei-me de tudo isso com lágrimas nos olhos, sabendo que nada me faria voltar àqueles tempos da infância ou mesmo adolescência. Das minhas brincadeiras e dos meus afetos, das meninas-moças que davam um sentido maior ao relacionamento natural entre um homem e uma mulher.
            Lembrei-me da ida de Painhô para a eternidade, de como se deu aquele sofrido desenlace para minha mãe e todos nós. E mais recentemente da ida também de Mainhô, deixando particularmente em mim uma medonha e inesquecível saudade.
           Trouxe à memória, lá no começo, da Tia Chica, a preta velha que cozinhava com mãos de ouro. Tudo repassou como um relâmpago, uma faísca de destino ignorado. O rumo em direção ao misterioso e insondável era irreversível. Era brutal, é brutal.
            A não clareza imposta pelo cíclico ciclo da vida me fez entristecer. Dali iria restar apenas as ilusões que tive do existir, de um exacerbado desejo de querer que o tempo parasse e eu pudesse ajeitar melhor sua continuidade.
           Mas estava pensando na minha cidade antes querida, antes de um progresso perverso que só a fez insensível. Antes de governantes corruptos, demagogos, antes de um povo cada dia mais carente. E não sabendo até quando encharcar as inquietudes ao longo da mesma. Ao longo de uma Gupiara que me fez viver um período de suposta felicidade, a época da nossa inocência.
           Desperto e estimulado pelo que fiz desde meus primeiros passos, desde que Painhô conheceu minha mãe e juntos me colocaram no mundo, pude avaliar os sabores e dissabores de uma pacata ou atormentada existência. A vida de todos nós. A vida em uma cidade que me viu crescer.
           E que me fez pressentir também o desejo de não sair do ventre de Mainhô, de ficar lá para sempre. E, claro, não ter visto uma Gupiara em constante metamorfose, em evidentes desacordos para um simples e belo existir. Acordo para uma inteligência maior, um não poder de persuasão em fazê-la apática e medíocre. Para não vê-la desencantasse ao nosso prazer no olhar.
         Porém, se não consegui a cobiça almejada, lutei contra a intolerância de um tempo ingrato, mesclando-se também com a insensatez de alguns seres (ditos) humanos. E me senti um pouco feliz em fazer aflorar um sentimento passado e acolhido. Um sentimento que me dera o maior prazer em compartilhar peça a peça com os meus interlocutores.

 

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