Vista da Igreja Santo Antonio (foto Bruno Bougard)
Luciano
Capistrano
Professor:
Escola Estadual Myriam Coeli
Historiador:
Parque da Cidade
Em
um dia desses de sol, acho que era um sábado, caminhava
com meu pai, Benjamin Capistrano, pela rua João Pessoa, nas proximidades da
Praça Padre João Maria, quando nos vimos defronte ao antigo cinema Nordeste.
Naquele instante, os olhos de papai brilharam, adolescente na Natal dos anos
1950, ele, vivenciou cada pedaço daquele lugar, testemunhou a constituição
destes espaços, “as cocadas”, o “café São Luiz”, o “Sebo de Cazuza”, o antigo
“Mercado da Cidade Alta”, ... enfim, as reminiscências marejaram os olhos do
meu “velho”.
Ao
fazer essas revelações, dos diálogos pai e filho, já delimito as fronteiras deste
“curto” artigo, a memória urbana. Este é o objetivo, trazer à baila, para
reflexão, da importância, a princípio afetiva, pessoal, de se preservar alguns
lugares que compõem a paisagem da cidade ao longo de sua história. Essas
relações de afetividade que sentimos quando visitamos ou falamos sobre algum
lugar, diz de uma história individual mas diz também da cidade, do coletivo, é
neste sentido que procuro pensar a memória urbana e a escrita que fazemos da
urbe.
Domingo
O coreto
No meio da praça
Banda marcial
Música
Tarde de domingo
Paz
Província em festa
Cortejo da alegria
Toca o sino da matriz
Na hora do anjo
Dorme a cidade
Das dunas
Do mar
Do rio Potengi
E a cada pôr-do-sol
Um novo amanhecer
Avizinha-se.
(Luciano Capistrano)
Existe
uma relação das experiências individuais com a construção social do espaço
urbano, eu diria que há um diálogo, mesmo inconsciente, entre as lembranças
intimas e o construir, uso o termo “construir”, por não achar outro melhor no
momento, da urbe. O coreto da praça não existe, mas, as camadas “imaginárias”
sobrepostas ao longo dos anos, faz em nós, transeuntes da cidade, a princípio,
se não vivemos a época do coreto, ou, desconhecemos a história, incrédulos
deste equipamento urbano compondo a paisagem da praça.
O
historiador José D’Assunção Barros, nos indica os aspectos urbanos da “cidade
como texto”, para tanto cita Roland Barthes:
A
cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma linguagem: a cidade
fala a seus habitantes, falamos nossa cidade, a cidade em que nos encontramos,
habitando-a simplesmente, percorrendo-a, olhando-a. (BARTHES apud BARROS, José
D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes, p.40, 2012)
Olhar
a cidade é, então, uma experiência repleta de interfaces, pois, não se basta
num olhar, os elementos constitutivos do espaço urbano têm muito a ver com seus
significados em determinadas épocas, nada é estável, eterno, quando pensamos
nas paisagens da urbe, a dinâmica urbana modifica constantemente, claro como
resultado da intervenção humana. Bairros antes valorizados do ponto de vista
imobiliário, em uma determinada época, em outra, transforma-se em uma área
marginalizada. Assim, diz Barros:
[...]
Por vezes imperceptível na paisagem de um dia a outro, este deslocamento da
escrita urbana deixa-se registrar e entrever na longa duração. [...] Este
“deslocamento social do espaço” também acaba por se constituir em uma forma de
escrita que pode ser decifrada. As motivações para este deslocamento podem ser
lidas pelo historiador: a história da deterioração de um bairro pode revelar a
mudança de um eixo econômico ou cultural, uma reorientação no tecido urbano que
tornou periférico o que foi um dia central ou ponto de passagem importante.
(BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Editora Vozes, p.41-42,
2012)
A
caminho do fim, mas não conclusivo deste artigo, como disse “curto”,
compreendamos, então, as transformações, as modificações das finalidades de
uso, para qual originalmente determinado equipamento urbano foi criado. A ressignificação
dos espaços e a consequente mudança de hábitos dos moradores ou frequentadores
de um determinado lugar da urbe, fica bem claro, quando lemos por exemplo os
livros de “memórias:
Vizinho
a casa de Iaiá, ficava a alfaiataria do Sr. Joca Lira. [...] Na calçada da
nossa casa meu avô Cerqueira sentado numa cadeira fazendo hora para ir ao café
“Cova da Onça”, conversar com os amigos e decidir no bozó a rodada do cafezinho
[...] Bem próximo a nossa casa, alguém toca piano, transmitindo à musica todo o
sentimentalismo da sua alma, Pedrinho Duarte, muitos poucos tocavam como você
naquele tempo [...] A Ribeira foi o bairro onde nasci [...] A Ribeira reunia
quase o maior comércio de Natal, e por esta razão era o bairro mais
movimentado. Nos dias que chegavam navios o movimento redobrava; não havia cais
onde os navios atracassem e, assim, os mesmos ficavam ancorados ao largo, no
Rio Potengi, bem em frente a um pequeno cais que servia para o embarque dos
passageiros e também de barcos a velas e lanchas. (TINÔCO, Lair. Tempo de
saudade. Natal: Fundação José Augusto, 42-47, 2992)
Neste
relato da Senhora Lair Tinôco, percebe-se as transformações ocorridas no bairro
da Ribeira e nos costumes citados em suas memórias, como uma leitura da cidade
do seu tempo, nós, constatamos a partir do seu olhar os “deslocamentos” ou as
“ressignificações” dos espaços urbanos ao longo do tempo. Pensemos a cidade,
então, como o lugar de memórias!
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