A Jairo Torres
Uma lâmpada acesa ao fundo
iluminava um jardim, um banco e um estreito caminho transpondo a praça até o
espaço de brinquedo das crianças. Tudo fazia parte do cenário de uma foto que
agora está sumindo aos poucos como névoa de uma lembrança esquecida.
Trouxe para mais perto dos
meus olhos aquela foto. Era uma manhã de sábado e ele estava tirando fotos da
cidade, disse-me, mostrando diversas fotografias. Havia uma foto de um por do
sol suave, pássaros planando sobre o azul do mar, os coqueiros esguios com as
suas palhas ondulantes abertas pela brisa. Eram fotos feitas por alguém de
muita sensibilidade. Fotos de um artista. Entre as que ele me mostrara, não sei
por qual razão escolhi uma que ele fizera de uma jovem lendo um livro no banco
de uma praça num final de tarde.
− “Vou ficar com esta”, eu
disse. Ele perguntou-me o motivo. Eu disse que além de achar a jovem leitora
muito bonita, seu ar absorto na leitura parecia concentrar em si a serenidade e
a placidez que compunham o cenário. Ele concordou comigo.
Deixou-me comovido ele ter
dito que não resistiu em saber que livro a leitora estava lendo. Disse-me que
pôs a máquina na mochila e aproximando-se dela perguntou sobre o titulo e o
autor do livro. Ela respondeu que estava lendo “Os Cães Famintos”, do escritor
peruano Ciro Alegria − “Incrível, eu também estou lendo este livro”, pensou
consigo mesmo.
Buquinando entre as estantes
dos livros, pois encontrávamos em um sebo, encontrei o mesmo livro que a jovem
da foto estava lendo. − “Segundo Borges, as coincidências são luzes”, ele
disse-me. Comprei o livro e guardei a
foto dentro de suas paginas.
Admirando-lhe sua
inteligência, seus conhecimentos de sabor eclético, perguntei-lhe se era professor
de alguma universidade. Respondeu: − “Sou professor da FAPONE”. Pensei ser
alguma nova faculdade da cidade e perguntei o que significava a sigla FAPONE.
Seriamente respondeu-me: − “Faculdade de
Porra Nenhuma”.
Falamos sobre a morte, um
tema que todos têm algo a dizer, mesmo desconhecendo-a totalmente. A morte,
esta ilha invisível cuja descoberta é guardada em segredo para sempre por quem
a descobriu.
Chamava-me a atenção o seu
jeito concentrado pensativo. Confidenciou-me que não estava bem de saúde. Despedimos-nos.
Passado alguns dias, soube de sua morte.
Hoje, ao voltar para casa,
senti vontade de rever a foto que ele me dera. Demorei um pouco a encontrar o
livro nas estantes. Ao abrir o livro fiquei sem saber onde botar os meus pés
nos chão. A foto continuava a mesma. Apenas um simples detalhe alterava toda e
qualquer idéia do que podemos chamar de realidade. A jovem leitora continuava
lendo, mas o livro tinha desaparecido da foto. Ela olhava para as suas mãos
vazias.
Estas coisas de mistério, nem sempre devemos
revelá-las. Às vezes torna-se algo que toma um caráter artificial. Algo de quem
busca suscitar uma impressão de suspense ou causar uma emoção, um efeito que
reforce a crença no sobrenatural.
Somente Jairo – este era o
seu nome − poderia dizer que não estou mentindo, pois foi quem tirou a foto e
leu o mesmo livro.
Infelizmente, ele se
ausentou para sempre. Foi tirar fotos noutras paragens. Mas continuo a procurar
pela jovem leitora.
Hudson Paulo Costa
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