Gumercindo SARAIVA
Para divulgarmos a história da
Modinha, seus verdadeiros e autênticos seresteiros em nosso Estado, temos que
nos transportar, ao ano de 1973, no Rio de Janeiro, que se fixou como capital
do Brasil e as artes tomaram impulso, com a influência da casa de Bragança.
Na metrópole do país, os pioneiros da Modinha
foram: Inácio José de Alvarenga Peixoto (Alceu) — Domingos Galdas Barbosa
(Lorena) — Tomás António Gonzaga (Dirceu) — Cláudio Manoel da Costa (Clauceste)
— além de outros continuadores que se multiplicaram, passando de Estado para
Estado, até chegarem ao Rio Grande do Norte, já em épocas distantes, mas o
resultado positivo aí está registrado na literatura da terra de Alberto Maranhão
e tantos outros vultos que engrandeceram sobremodo.
A Modinha, ao contrário do que muita gente pensa, é uma
forma verdadeiramente artística, podendo assemelhar-se ao ROMAN francês, LIED
alemão, FADO português, (de origem brasileiro) e à própria canção italiana,
que foram interpretadas pelos maiores cantores como Caruso, Schipa, Ramirez,
Kiepúra, etc, etc.
Aparecendo
primeiramente nos salões imperiais, essa canção foi cultivada
pelos vultos mais proeminentes de seu tempo, como Padre José Maurício,
Bonifácio de Abreu, Cónego Januário. Cunha Barbosa, Saldanha Marinho, Marcos
Portugal, este último, grande compositor europeu que, chegando ao Brasil encontrou
um clima altamente artístico que o deixou entusiasmado.
ventário, lides possessórias e livros de registros, a genealogia
e as datas ignoradas dos que fizeram nossa História; que busca, nos arquivos
de Lisboa e nos sebos do Rio de Janeiro, o material necessário para contar o
dia a dia do Rio Grande do Norte colónia e província.
Não me cabe louvar, neste momento, a homenagem prestada à
memória do meu pai, nem enaltecer a figura do magistrado e homem de
letras, hoje centenário. Mas, permitam-me um instante de saudade, para recordar
o pai amantíssimo e virtuoso, homem humilde que nunca se envaideceu das glórias
terrenas e cuja santidade senti de perto, poucos meses antes do falecimento,
quando conversávamos sobre deveres conjugais e dizia-me que nunca precisara
ajoelhar-se aos pés de um padre para confessar pecado contra a castidade. "Era
uma expressão autêntica do homem de Deus", disse Nilo Pereira.
Minha missão, porém, é outra. Sou intérprete do
profundo agradecimento da família à Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, da
qual meu pai foi Presidente e um dos fundadores, e do Instituto Histórico e
Geográfico, onde serviu durante mais de cinquenta anos, honrado no cargo de 1.°
Vice-Presidente até a morte.
Agradecer também ao Acadêmico Hélio Galvão, advogado
de renome, sociólogo do mutirão, etnólogo das cartas da praia, Comendador da Santa
Sé pela divu!gação de seus largos conhecimentos da filosofia e da doutrina
social da Igreja, sempre equidistante do conservadorismo que retarda e do modernismo
que deforma, e, sobretudo, para mim, o amigo fraternal há 46 anos, que me
concedeu o privilégio de abençoar amiúde o primeiro e um dos últimos dos seus
rebentos.
Finalmente,
a família agradece a todos que prestigiaram esta noite de
homenagem. Confortada pela religião que o chefe e santo ensinou, sente sua
presença constante e recorda a conduta que Nilo Pereira tão bem definiu ao
dizer: "O Juiz era nele a encarnação mesma da verdade e da retidão. E ao
lado disso a simplicidade que ele irradiava, o gesto sempre acolhedor e aberto,
o sorriso benevolente, a cordialidade da palavra — tudo refletia nele uma
grande alma que Deus chamou para ouvir do próprio poeta a "Lira de
Poti", acompanhada pelo coro dos anjos".
D. Pedro I compôs Modinhas e participou de serenatas à porta das moças bonitas e de suas
namoradas. . . Também o afamado desembargador, Luis Fortunato de Brito, foi um
expoente máximo da Modinha e cantou bastante nos salões aristocráticos da
cidade e saudou aos luares nos bairros mais distantes de sua terra. D. Pedro II, muito ligado a música erudita, dando geralmente
preferência aos compositores alemães ouvia religiosamente os seres-teiros como
se estivesse escutando as obras de Bach ou Handel.Contam, que, na passagem do século (1899-1900), o natalense comemorou esse
acontecimento com serenatas e foram nessa ocasião cantadas Modinhas de toda a
espécie. As vozes seresteiras, acompanhadas por violões, saudaram com seus
timbres diversos, a entrada do novo século.. E o novo ano também! Fato idêntico
se repetia nesta capital no dia 31 de dezembro de cada ano, quando era prefeito
da capital o jornalista Djalma Maranhão, convidando Santos Lima, Evaristo de
Souza, António Lucas, o autor deste reencontro, clari-netistas, bandolinistas
da radiofonia potiguar tendo a frente o "caudilho" com sua voz
desafinada mas de timbre abaritonado iniciando a Serenata com a "Canção do
Pescador", seguindo-se, as Modinhas de Ivo Filho, Auta de Souza, Segundo
Wanderley, Olímpio Batista Filho, Carolina Wanderley, Ferreira Itajubá, Gotardo
Neto, Lourival Açucena e outros autores do passado.
As
Serenatas coordenadas por nós, a pedido de
Djalma Maranhão, começavam na residência do sr. José Maux Júnior, situada à
Praça André de Albuquerque n.° 22 e, da mesma partíamos em grupo até aos
primeiros raios do sol do dia primeiro de janeiro. Mas, vieram outros prefeitos
e essas serestas oficializadas pela edilidade natalense desapareceram. Djalma
Maranhão com sua sensibilidade artística preservando os costumes e tradições de
nossa gente visitava as residências amigas com uma popularidade jamais
alcançada pelos seus seguidores. E o ciclo natalino se completava com
Fandangos, Lapinhas, Bumba-Meu-Boi.. . e Serenatas, advindas de tempo remoto,
em que surgiam poetas e músicos compondo canções destinadas as tertúlias,
desaparecendo como era natural do nosso convívio.Acreditamos, que, em Natal, muito
antes da passagem do ano de 1800, (ainda Vila) já se cantavam Lundum, Chiba e outro tipo de música, mesmo porque, a
Modinha, desde fins do século XVI, era conhecida
no Rio de Janeiro e Bahia. Desligando-se da SERRANILHA portuguesa, romance melodioso
de caráter triste, mavioso, originária das camponesas de
"Tras-os-Montes", ela, seintegrou em forma erudita, por
isso, homens cultos tanto em Portugal como no Brasil, fizeram versos musicados,
cujas estrofes são encontradas como jóias na literatura
dos dois países, marcando uma época que nos separa com verdadeira recordação
do passado.
Daí, ter o escritor, Mário de Andrade,
afirmado que "a proveniência erudita europeia das Modinhas, é
incontestável. Por outro lado os escribas antigos, se referindo às formas
populares, citam o Lundum, o Samba, o Cateretê, a Chiba, etc, etc, por Brasil e
Portugal, mas a Modinha de que falam é sempre a de salão, de forma e fundo eruditos, vivendo
na Corte e na Burguesia. . ."
Inicialmente acompanhada ao piano, a Modinha se estendeu grandemente nas
salas de música, onde suas estrofes possuíam o
mesmo prestígio dos Quartetos de Câmera. Os cantores eram pessoas da alta
sociedade, que não obstante interpretar as canções de autores anónimos, sentiam
sempre o encanto de suas estrofes apaixonadas, aliadas a uma bonita melodia,
produto de inspiração de músicos de real envergadura de seu tempo. Dos salões,
a Modinha passou a ser o encanto das serenatas, onde os luares eram saudados
pelos acordes de violões plangentes que completariam noitadas alegres e
festivas nas portas das moças onde os namorados enviavam uma mensagem de amor
através das cmções especializadas.
Câmara Cascudo, estudando a Modinha norte-rio-grandense,
num artigo em SOM, (Revista dirigida por C. Cascudo-Waldemar de
Almeida-Gumercindo Saraiva) disse: "Não há um só poeta norte-rio-grandense
que não haja dado ao violão algumas quadras. Muitos escreveram quase totalmente
para ele, como I.ourival Açucena, Areias Bajão e Francisco Otílio. Outros só
pelas Modinhas poderá ser conhecido. É o caso de Celestino Wanderley cujo
livrinho AURORA (Natal 1890) é inadiável. A memória modinheira recordará sempre
sua produção "Hontem, hoje, amanhã" e o "Aí não queiras saber
formosa Diva".
OS COMPOSITORES DESTE SÉCULO
A Modinha em nossa terra tem sido pouco divulgada e por isso em 1960 lançamos TROVADORES POTIGUARES, numa edição de Saraiva S. A.
de São Paulo que também editou ANTOLOGIA DA CANÇÃO BRASILEIRA. Esses livros
estão bem longe de se constituírem um relato completo, pois nossa pretensão,
apenas, serviu para auxiliar em parte a história da canção mais popularizada em
nosso Estado. Demos, é certo, um passo alongado, pesquisando Modinhas já no
esquecimento do povo.
Nossa coleção, contendo mais de três mil poemas
de autores norte-rio--grandenses, selecionadas e identificadas em sua primazia,
será entregue na primeira oportunidade a uma instituição especializada, logo o
nosso Estado possua uma, para que seja salvo um património, antes vivendo ao
relento e que julgamos valiosa para a nossa formação artístico-cultural. A
própria vida de uma nação está muitas vezes cantada em versos.
É notório o número de pessoas que
puseram música em versos anónimos e de poetas potiguares e a riqueza de
melodia se perde porque o seres-teiro somente canta aquilo que gosta e no
poema, encontre amores frustrados, romances entre dois jovens, lendas, paixão
com afeto violento, afeição, grande mágoa e outros sentimentos excessivos.
Outro estilo vivido na Modinha é o misticismo na crença religiosa, como
aconteceu na obra de Auta de Souza — uma das poetisas mais musicadas — em nosso
Estado. Também, os poetas influenciados pela poesia condoreira, a exemplo de
Segundo Wan-derley e outros vates completando admiravelmente o estilo da última
fase romântica que tiveram Castro Alves, Tobias Barreto e Pedro Luís como
mestres.
Por isso Abdon Trigueiro. Joaquim Galhardo, Cirilo Lopes, Cirineu de
Vasconcelos, Israel, Chico, Jayme, João e
Abelardo Botelho, Gabriel e João Saraiva, Temistocles Costa, Olímpio Batista
Filho, Uriel e Junquilho Lourival, Eduardo Medeiros e Heronides França, este
último, o que mais musicou os versos de Auta de Souza, com melodias repletas de
ternura, onde os tons menores indicam mágoas e tristezas, envolvidas em grande
parte na vivência de alguns sereneiros do passado, deixaram uma obra valiosa na
história da Modinha potiguar.
OS TEXTOS MUSICAIS ESTÃO SE PERDENDO
É lamentável que os textos musicais de
nossas Modinhas não estejam no pentagrama, pois conseguimos, apenas, escrever e
gravar umas duzentas composições, dando uma contribuição muito importante para
que no futuro tenhamos, pelo menos as mais popularizadas. E a outra parte, com
o decorrer do tempo há de sumir-se uma vez que autênticos conhecedores das
melodias estão desaparecendo e alguns, não mais lembrando-se do verdadeiro
texto musical.
A
Universidade Federal do Rio Grande do Norte ou a Fundação José Augusto bem poderiam organizar em "cassete", ou em outra
forma de gravação. Modinhas potiguares, preservando desta maneira uma preciosidade
ligada à musicalidade de nossa terra.
CANÇÃO DO PESCADOR
Constituindo
a Modinha mais cantada do cancioneiro potiguar, publicaremos essa jóia de canção, composta em 1922, versos do poeta Othoniel
Meneses (1895-1969) membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, eleito
para ocupar a Cadeira n.° 23 substituindo Bezerra Júnior, deixando de assumir
o honroso encargo imposto por um grupo de amigos e admiradores logo após a vaga
deixada pelo seu antecessor.
A "Canção do Pescado;", no decorrer do tempo, tornou-se
merecidamente uma música do povo que deu-lhe o nome de PRAIEIRA, não podendo
se distinguir qual mais primorosa — a melodia do clarinetista Eduardo Medeiros
ou o poema de Othoniel Meneses, considerado o príncipe dos poetas noi
te-rio-grandense.
Eis as estrofes da CANÇÃO DO PESCADOR
Versos de Othoniel Meneses Música de
Eduardo Medeiros
I
Praieira dos meus amores
encanto do meu olhar !
quero contar-te os rigores
sofridos a pensar
em ti, sobre o alto mar !
Ai 1 não sabes que saudade
padece o nauta, ao partir,
sentindo, na imensidade,
o seu batel fugir
— incerto do porvir !
II
Os perigos da tormenta não se comparam,
querida, as dores que experimenta a alma, na dor perdida, nas ânsias da
partida! Adeus a luz, que desmaia nos coqueirais, ao sol pôr e, bem pertinho da
praia, o albergue, o ninho, o amor do humilde pescador 1
Ill
Quem vê, ao longe, passando uma vela, panda,
ao vento, não sabe quanto lamento vai nela soluçando
— a Pátria procurando !
Praieira, meu pensamento,
linda flor, vem me escutar
a história do sofrimento
Praieira, meu pensamento,
linda flor, vem me escutar
a história do sofrimento
de um nauta a recordar amores sobre o mar !
IV
Praieira, linda entre as flores
deste jardim potiguar !
não há mais fundos horrores,
iguais a esses do mar
— passados a lembrar !
A mais cruel noite escura,
nortadas e cerração,
não trazem tanta amargura
como a recordação
que aperta o coração !
V
Se às vezes, seguindo a frota
pairava uma gaivota,
logo eu pensava, bem triste:
— "o amor que lá deixei, quem sabe se ainda
existe?" — Ela, então, gritava triste:
— "não chores! não sei" ! —
E eu sempre e sempre mais triste,
rezava a murmurar:
'— "Meu Deus ! quero voltar" !
Praieira do meu pecado,
morena flor, não te escondas!
quero, ao sussurro das ondas
do
Potengi amado
— dormir sempre a teu lado. ..
Depois de haver dominado
o mar profundo e bravio,
à margem verde do rio
serei teu pescador,
oh ! pérola do amor !
Nenhum comentário:
Postar um comentário