4 de novembro de 2014

Financiamento de campanhas eleitorais e reforma politica

      Homero de O. Costa, prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN.


                  Entre os dias 2 a 7 de setembro foi realizada a Semana Nacional de Luta pela Reforma Política Democrática, uma iniciativa de mais de 400 entidades da sociedade civil articuladas na Plataforma Nacional dos Movimentos Populares para uma Constituinte Exclusiva para a reforma do sistema político brasileiro. O objetivo da semana foi o de consultar a população para saber se ela é ou não favorável à convocação de um plebiscito para a realização de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do sistema político e ao mesmo tempo, recolher assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para uma “reforma política democrática”.
                 A iniciativa é louvável porque se depender apenas do Congresso Nacional, não haverá nem plebiscito e muito menos uma reforma política. Por isso, a mobilização da sociedade civil organizada. A Plataforma Nacional dos Movimentos Populares elaborou um conjunto de propostas para uma reforma política e entre as mais importantes estão duas que também tem sido defendida pelas comissões especiais de reforma política do Congresso Nacional desde 1995, sem que sequer sejam votadas em plenário. Trata-se do fim das coligações em eleições proporcionais que, se aprovada significaria o fim das legendas de aluguel, que para aderir às coligações (já que sozinhas não teriam chances eleitorais) negociam, em troca de cargos e benesses, o horário eleitoral de rádio e televisão e, talvez a mais importante,  porque decisivo nas campanhas eleitorais, aprovar o financiamento público de campanhas, proibindo o financiamento privado.
            Se o Congresso Nacional não faz sua parte, a justiça eleitoral (TSE) tem feito e a cada eleição, avança no processo de moralização da eleições, com rigorosa fiscalização do processo eleitoral e através do artigo 36 da resolução 23.406/2014, contribui para a transparência desse processo,  tornando públicas as informações das prestações de contas dos partidos, candidatos e comitês financeiros, com a discriminação dos recursos arrecadados para financiamento de campanhas eleitorais. E nesse sentido, as duas parciais divulgadas a primeira em agosto e a segunda no início de setembro (dia 6) revelam as distorções e desigualdades do processo eleitoral brasileiro no qual o poder econômico, com o financiamento privado de campanhas, é cada vez mais decisivo. As eleições são cada vez mais caras. Segundo dados do TSE relativo às eleições de 2010 os gastos para campanha de um deputado federal foi, em média, R$ 1,1 milhão e para as eleições de outubro de 2014 a projeção é de que sejam em torno  R$ 3,5 milhões (e R$5,6 milhões para senador). Se são tão caras, quem as financiam? Basicamente as grandes empresas (construtoras, em particular) e os bancos. Em 2010, 91% do total arrecadados pelos partidos e candidatos foi de empresas e em 2014, a segunda parcial revela que chega a 95%, no qual apenas três empresas, sendo duas construtoras (OAS e Andrade Gutierrez) e o frigorífico JBS doaram 39% do total arrecadado.  Há, portanto, um seleto grupo de doadores. De 15.733 pessoas físicas e jurídicas que contribuíram com mais de R$ 100 reais na primeira prestação de contas feitas em agosto de 2014, apenas 32 empresas foram responsáveis por 50% do total arrecadado, tendo o frigorífico JBS se destacado como maior doador (qual será o interesse de um frigorífico em financiar campanhas eleitorais?) com R$ 59 milhões, seguida pela construtora OAS.  Na segunda parcial (divulgada no dia 6 de setembro de 2014), conforme levantamento da Transparência Brasil e Estadão Dados, a Construtora OAS, o frigorífico JBS e a Construtora Andrade Gutierrez, juntas, doaram quase R$ 64 milhões para os três principais candidatos a presidente da República. A OAS doou R$ 17 milhões, a Ambev (fabricante de bebidas) R$ 16,7 milhões e a Construtora Queiroz Galvão, R$ 11,3 milhões, além de bancos (Safra, Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco – e que doou mais dinheiro para o candidato do PSDB, Aécio Neves – R$ 2 milhões), empresas de telecomunicações como a telemont, hospitais (9 de julho, de São Paulo), planos de saúde (Amil Assistência Médica Internacional S/A que doou R$ 4 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff e Bradesco Vida e Previdência, entre outras), além de construtoras como Norberto Odebrecht, UTC Engenharia S/A (doou  R$ 5 milhões para a campanha da presidente Dilma Rousseff e R$ 1 milhão para a de Aécio Neves), MRV Engenharia e participações S/A, entre outras que doaram para candidatos e partidos distintos, que mostra o pragmatismo dos doadores. A OAS é a líder no ranking de doações, com R$ 26,1 milhões repassados nos três primeiros meses de campanha. A principal beneficiária foi a presidenta Dilma Rousseff, que recebeu 77% do total. O JBS vem logo a seguir, com R$ 26 milhões (inclui doações da empresa Flora Produtos de Higiene e Limpeza, do grupo JBS) e a Andrade Gutierrez que doou R$ 11,8 milhões. No total, a maior beneficiada foi a presidente Dilma Rousseff que até o momento (segunda parcial) já arrecadou R$ 123,6 milhões (cerca de cinco vezes o valor declarado pelas contas da campanha presidencial do PSB, partido de Marina Silva), ou seja, mais da metade dos cerca de R$ 200 milhões declarados por todos os presidenciáveis nas duas parciais entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em segundo lugar vem Aécio Neves (PSDB), com R$ 44,5 milhões, e em terceiro, Marina Silva cujo partido (PSB) declarou ter arrecadado R$ 24 milhões.
                O que vemos é poder econômico sendo cada vez mais decisivo nas campanhas eleitorais. Pelos dados da segunda parcial, são as grandes empresas e bancos que financiam as campanhas eleitorais e, assim a composição do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) a exemplo da atual legislatura, deverá ser eleita, majoritariamente, financiada por eles e através de coligações (uma minoria é eleita com votos próprios) e a possibilidade de uma reforma politica que tenha o financiamento público como um dos objetivos, certamente não será aprovada. Daí a importância de iniciativa como a da Plataforma dos Movimentos Populares pela reforma do sistema político, porque, sem pressão população, não haverá reforma política e as eleições, cada vez mais caras, dependerão de financiamento de empresas, com suas  consequências (danosas)  para a representação política e para o sistema politico brasileiro.
 


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