Paulo
Jorge Dumaresq
Por
trás do acentuado sotaque papa-jerimum esconde-se uma cantora de voz universal.
Da menina mulher abrolha a artista determinada a fazer do canto o seu destino.
A cantora natalense Clara Menezes é movida a sonhos e grávida de pluralidade.
Dizendo-se tímida fora do palco – no tablado se transforma -, buscou forças
para gestar o CD “Voa leve”, gravado em 2011.
Dos
ensaios e jam sessions que varavam a madrugada, Clara cresceu ouvindo o pai
Ricardo Menezes e amigos tocarem e cantarem o fino da MPB. Melhor escola não
podia haver. Daí começou a cantar nas reuniões sambas e choros, principalmente
“Doce de coco”, de Jacob do Bandolim. Ela conta que o cantor e compositor
Renato Braz foi sua primeira referência musical. Lembra que pegava os CDs do
pai para ouvir e, depois, cantarolar as músicas do artista paulistano. A
devoção era tanta que incluiu no repertório do disco a canção “Luz do cais”, de
Mario Gil, que Renato gravou no CD “História antiga”.
Aos
14 anos, sua porção compositora começou a desabrochar. Insegura no início, só se
permitia mostrar as composições aos pais. O click mágico que a fez optar pela
carreira de cantora surgiu aos 16 anos – Clara tem 20 –, após aceitar convite
do poeta e compositor Antônio Ronaldo para gravar uma faixa no CD em homenagem
à poetisa Zila Mamede, projeto da Fundação José Augusto. Clara participou,
ainda, de shows da cantora e compositora Silvia Sol e do cantor Didi Avelino.
Em 2009, gravou a música “Três lições”, no CD “Novos caetés”, de Antônio
Ronaldo. No ano seguinte, fez backing vocal no disco do cantor paraibano
Luizinho Dantas.
Com
pai músico, o apoio veio desde sempre. Orientação não faltou para a filha deslanchar
na profissão. “Ele me deixou à vontade, livre para decidir o que eu quisesse. É
tanto que além da música escolhi um curso superior. Estou no último período de
Design Gráfico. Então, tudo na minha vida está ligado à arte: no desenho, no
teatro e na música”, sublinha.
Pergunta
crucial: “Vai optar por qual ofício?” Clara responde que vai seguir carreira de
“cantriz”. Por outro lado, ressalva que o curso de Design Gráfico a auxilia
bastante no desenvolvimento de layout para cartazes, folders e flyers, meios
importantes para divulgação de seus shows. A propósito, o primeiro show de
Clara foi na comemoração dos 10 anos do antigo Veleiros Restaurante, de
propriedade de seu pai. Antes de chamar a apresentação de sua, dava canjas sob
a suspeita de favorecimento por ser a filha do proprietário. A cantora foi
criando coragem, pegando cancha e a sua noite de glória finalmente chegou. A
estreia oficial no palco do Veleiros contou com Ricardo Menezes no violão,
Wallyson Santos na guitarra, Dudu Campos na percussão e Ítalo Natan no sax.
Voo leve
Com
bagagem suficiente para viajar pelo universo fonográfico, Clara Menezes gravou
em 2011 o CD “Voa leve” (ver crítica no final da matéria). Conta que acompanhou
todo o processo de gravação, mixagem e remasterização do disco, além do
processo gráfico. “Eu podia ter feito a arte gráfica, mas não me atrevi. Deixei
nas mãos de Rafael Campos, meu amigo de faculdade”, compartilha.
O
seleto grupo de músicos foi uma escolha conjunta entre Clara, Ricardo Menezes e
o diretor musical Eduardo Taufic. Composto por 11 canções, o CD recebeu
críticas “positivas e construtivas”. Arranjos, melodias e letras não passaram
despercebidos pelos profissionais da área. A cantora confessa que ouviu cada
comentário com atenção e depois passou no seu filtro crítico.
Amor,
infância, natureza, poesia e lições de vida são temas recorrentes em “Voa
leve”. Aí entra em cena a Clara Menezes compositora que se permite apreciar o
lado positivo da vida: “Eu sou muito calma e isso transparece nas minhas
canções”.
O
CD teve lançamento na Casa da Ribeira nos dias 6 e 7 de julho do ano passado.
Apoiada por uma banda de músicos experientes – a maioria tocou no CD -, Clara soltou
a voz para uma plateia seleta e ávida por boa música. Em janeiro deste ano,
encerrou temporada no Jobim Gastronomia e Música, acompanhada ao violão por
Éverson Ferreira e na percussão por Dudu Campos e Mateus Jardim. Neste primeiro
semestre está se apresentando no Páprika Restaurante e Pizzaria.
Os
ídolos da cantora na MPB são inúmeros. Das divindades Vinícius de Morais, Tom
Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Elis Regina, Maria
Bethânia, Gal Costa aos aspirantes Renato Braz, Lenine, Roberta Sá, Céu,
Mariana Aydar e a infanta Malu Magalhães, todos irradiam luz musical para
compor o vagalume que se instalou na cervical da artista. A retroiluminação é
constante.
Semelhança
musical com Clara Nunes não acredita, pois a guerreira é “única”. De todo modo,
admira o canto da xará voltado para os elementos naturais. Elegeu a cantora
Silvia Sol como a mais completa tradução de Clara Nunes no RN. Outras vozes
locais também merecem o seu elogio, casos de Krystal, Lene Macedo, Tânia Soares
e Pedrinho Mendes.
Projeto
de gravar um novo CD tem sim senhor. Para isso, está compondo novas canções:
“Eu noto uma grande diferença das primeiras composições para as atuais. Os
temas estão mais maduros. Mas quero continuar a trilhar o caminho da MPB
contemporânea”. Disto não abre mão.
Outra arte
Desde
cedo, Clara Menezes mostrou também inclinação para representar. Ensaiava peças
com os colegas de condomínio, mas o grupo nunca teve a coragem de apresentar o
“teatrinho”. Só no Centro de Educação Integrada (CEI) é que teve a oportunidade
de revelar seu talento de atriz para o público.
Com
a parceira de composições e também atriz Laís Luz apresentou em 2006 as peças
“O segredo das tábuas” e “Onde estão os deuses”, de Ruth Freire, e um recital
sobre a poesia de João Cabral de Melo Neto. Com a chegada do segundo grau, o
tempo ficou escasso e Clara teve que parar com o teatro. Retornou aos palcos em
2010, no espetáculo infanto-juvenil “No fantástico reino de Felizconto”, em
dueto com o ator e dramaturgo Victor Ferreira. Para não perder a prática, assinou
a direção musical do espetáculo.
Participou da leitura dramática do
texto “Os Patrões”, de Paulo Jorge Dumaresq, dentro do projeto “Leituras
dramáticas – O exercício da palavra”, realização do Teatro de Cultura Popular
(TCP) e da Secretaria Extraordinária de Cultura do RN. Com sua aptidão para
interpretar, a atriz roubou a cena na pele da empregada doméstica Cacilda. “No
início foi difícil, fiquei tímida, porque o elenco era muito experiente. E eu
nunca tinha trabalhado com um texto adulto. Foi um desafio e eu adorei fazer
parte”, afirma. Se depender da vontade de Clara, não vai demorar muito para a
Companhia Teatral Dueto voltar à cena com novo espetáculo.
Pessoais
Mesmo
tendo nascido numa família de orientação católica, Clara Menezes não se deu por
satisfeita. Foi buscar respostas para suas dúvidas na doutrina espírita. “Eu
sinto um lado muito forte do espiritismo em mim, com relação a sensações”,
declara. A doutrina espírita só veio reforçar a fé da cantora em Deus.
Da grana precisa para investir em maquiagem e
figurinos para os shows. A tal imagem do artista. Em que pese isso, não se
considera vaidosa. Afirma que é controlada nos gastos, compra só o necessário,
mas não resiste quando o assunto é comida. Adora doces e chocolate. Na paleta
de cores da natureza, aponta o verde, o azul, o branco e o lilás. São as cores
da sua música.
Clara Menezes confessa, ainda, que
de perto não é “muito” normal. A fama de “avoada” ganhou das amigas. Mas não
tem pretensão de viver no mundo da lua: “Sou uma pessoa fácil de conviver.
Adapto-me rapidamente às pessoas. Gosto de conversar e de trocar experiências.
A moral da minha história é ser feliz, rir bastante e curtir a vida”.
CRÍTICA
CD “Voa leve” – Clara Menezes
Há
quem assevere que a Música Popular Brasileira está em declínio. A julgar pelo
frescor do CD “Voa leve”, lançado em 2012 pela cantora e compositora natalense,
Clara Menezes, a afirmação acima é uma meia verdade. O disco em questão
apresenta 11 faixas pejadas de viço, incluindo a bônus “Ao seu lado”.
A
homogeneidade do registro fonográfico de Clara Menezes se deve, em grande
parte, à competência do arranjador e diretor musical Eduardo Taufic (teclados e
programações), e do pai da cantora, o violonista Ricardo Menezes, que participa
do CD tocando violão de nylon e sete cordas. Completam a banda os músicos
Wallyson Santos (violão de nylon, cavaquinho e guitarras), Darlan Marley
(bateria), Sami Tarik (percussão), Eric Firmino (baixo), Yuri Dantas (sax
soprano), Airton Guimarães (baixo acústico em “Ao seu lado”) e Carlos Zens
(flauta em “Ao seu lado”).
Ao
soar dos acordes, sentimos em “Voa leve” a suavidade dos arranjos e a harmonização
completa das melodias. Na abertura, somos envolvidos pela voz angelical da
cantora na terna “Jardim”. O trabalho de cordas de aço e de teclados nos leva a
outra dimensão. Esta atmosfera envolvente se mantém na faixa-título “Voa leve”,
parceria de Clara Menezes com Laís Luz: “Eu sei tudo passa/ Voa leve/
Ultrapassa/ Ultraleve”. Destaque para a guitarra insinuante de Wallyson Santos.
A
suingada “A cena” revela parceria entre filha e pai, com ótimo solo do
“padrinho” Taufic. Na levíssima “Luz do cais”, ouvimos claramente a poesia do
mineiro Mario Gil: “Quem deseja ser do céu/ Não vacila frente ao mar/ Pula a
cerca visa ao cais/ Corre em busca do mais/ Não se cansa não retrai/ Não no
instante em que cai”.
Outro
bom trabalho de guitarra pode ser conferido em “Quem”. Nesta, salta a veia
compositora de Clara. “Escrevo versos para lembrar/ Daquele tempo que não volta
mais/ Eu vejo imagens recortadas em vão/ Sinto saudades daquela canção”,
registra a cantora. No poema musicado “Vagas definições”, repete-se a parceria
com Laís Luz: “Mundo devasso/ Sonho delével/ Amor retraído/ Refúgios concretos/
Vagas definições/ Poesia.../ Lua.../ E canções”.
Na
sequência, o ritmo nordestino embala “O novo dia”. O poeta e compositor Antônio
Ronaldo assina a superiormente interessante “Choro paradoxal”, paradoxal na
música, com guitarra pesada, e na letra: “É um chorinho risonho/ Vejam só/ É
triste e alegre a um tempo só/ É meu desejo cantar eternamente/ E pra lembrar o
que eu já tive de melhor”. Do chorinho pula para o reggae “Lá vem coração”,
mais uma colaboração entre Clara e Ricardo Menezes.
A
pluralidade do álbum fica ainda mais evidente na grooveada “Você não passa”.
Fechando o CD, Clara Menezes homenageia a mãe Adenilza na acústica “Ao seu
lado”: “Dentro do seu olhar/ A paz sei que posso encontrar/ Ao seu lado eu não
tenho medo/ De me ouvir cantar”. Após a audição de “Voa leve”, fica a sensação
de que nada está perdido na MPB. A renovação chegou e trouxe uma cantora pronta
para brilhar nos discos e nos palcos. Que venham outros voos maiores. Evoé!
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