Por Josemária Patrício
Quase toda criança povoa sua cabeça com a imensa curiosidade
e vontade de conhecer terras distantes enquanto alguns adultos planejam visitar
seus colonizadores. Uns sonham com a Europa (os mais “civilizados”), outros com
as Américas menos abençoadas (os nativos) e, os mais românticos (embrionários
anarquistas), com o Oriente encantador. Foi o que comigo aconteceu. E desses
sonhos, geralmente fica um símbolo, como por exemplo, da Inglaterra, a rainha,
para citar mais corriqueiramente. Do oriente, precisamente da Índia, ficou para
mim o que a Metro Goldwim-Mayer legou, ou seja, os mercados públicos com seus
faquires e encantadores de serpentes.
Fascinação seria pouco para descrever o meu interesse a respeito. Tanto
é que, a normal repugnância que se tem por esse tipo de réptil, inexiste em
mim. Até o presente, fico fascinada pelos movimentos de uma serpente. Consigo
até (claro que é na minha imaginação e essa observação é para os céticos) lhe
entender e decifrar pelas expressões faciais, o que é gratificante por ter a
serpente mil faces, por ser roliça. E com isso cheguei à ótima e plausível
conclusão que, uma boa serpente hipnotiza seu encantador. Enquanto ele toca,
certo que a domina, é ela que conduz o espetáculo e ele não sabe. Aí é que está
o seu veneno. Ela se diverte e por isso se presta ao seu parente amo. E os
cristãos normais diriam que toda criança tem suas fantasias. Aliás, os cristãos
duvidaram até de Cristo.
Daí, comecei nos meus estudos sobre a natureza sobre-humana
das pessoas humanas: passei a contempla-las. E enquanto os cientistas discutem
sobre a hipnose ao longo desses anos, eu via, sem precisar deles, como era
fácil hipnotizar. Senão vejamos: ao ler as apreciações aqui contidas, pensarão
que eu não deveria falar tão ingenuamente sobre mim e apenas agir nas caladas
do dia, já que à noite se fala. Mas, o encanto começa justamente daí. Ninguém
em pleno gozo ou ejaculação precoce de suas faculdades mentais iria supor ou
pensar de imediato que ao falar tão simploriamente tenha capacidade de aplicar
o que é dito. Até porque existem os espertos que são ótimos pacientes. E vamos
à parte formal.
Se alguém tem uma teoria pode até transforma-la numa
expressão matemática para se fazer acreditar. Deus, por acaso não resultou numa
expressão matemática para a ciência? “Imagine” uma banal serpente. E depois, as
pessoas sempre precisam de nomes, rótulos para preencher o que não querem
omitir vazio. Se trabalham tanto, passam anos e anos se travestindo para serem
aceitas pela vontade geral que, se tornam adultos perdendo a capacidade de ver
como tudo pode ser simples.
E foi contemplando durante todo meu tempo que constatei o que como
herege falo. Não se trata de dizer verdades já que cada um tem a sua. São meras
constatações e impressões de minhas viagens ao oriente. Aliás, pela módica
quantia de quarenta centavos que pagava no Cinema São Luís, eu viajava
constantemente para os mercados indianos por hora e meia, o suficiente para me
iniciar nos estudos que até hoje me dedico.
E como todo viajante-estudioso em cada regresso escreve suas impressões,
como os cientistas escrevem suas teorias, vi por bem, de uma forma até modesta
(constitui ato admirável uma vez que nada tenho de modéstia) começar a escrever
dos mais íntimos, que de alguma forma conhecida ou desconhecida, quando eu
estava dentro do cesto ouvindo as mágicas músicas me encantaram. E mister se
faz afirmar que, essas impressões são um gesto de homenagem-carinho que dedico
aos meus amados encantadores.
(Texto publicado no Jornal alternativo Delírio
Urbano em 1986)
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