--- Walter Medeiros* – waltermedeiros@supercabo.com.br
As gavetas da minha lembrança ficam meio emperradas em
certas circunstâncias, como a que vivencio neste momento. Quero lembrar o
instante em que conheci um amigo de longas datas. Mas sinto que é mesmo
impossível. O que resta é saber que o conheci em uma noite triste, mesmo que o
tenha conhecido de dia.
Era o tempo em que o simples fato de conversar com alguém
podia gerar sérios problemas. Para trocar ideias e tratar das lutas pela
liberdade no Brasil, frequentemente era necessário marcar encontros, conversas
e reuniões em bares. Assim ocorria nos anos setenta do século passado. Havia
quem dissesse que quando escrevessem a história da revolução brasileira os
bares teriam um capítulo especial.
Conheci, então, o amigo nesse ambiente. Nos bares da época:
Pitombeira, Postinho, Asfarn, Castanhola, Jangadeiro. Além dos bares, sempre
nos encontrávamos no Cine Clube Tirol, no Cinema de Arte do Rio Grande – manhãs
de domingo, nas casas de amigos. Também nos ambientes legislativos, comícios,
feiras, debates.
Posso definir esse amigo como um revolucionário, poeta,
boêmio, notívago, intelectual, operário do dia a dia. Uma pessoa de bom gosto.
Daquelas gavetas sem datas precisas surgem as lembranças de
sua habilidade com o violão, cantando músicas de Geraldo Vandré e falando sobre
seu prazer de ouvir Capinam. Tudo junto com os amigos que corajosamente faziam
tudo que podiam para mudar o mundo. Era tudo difícil, indefinido, duvidoso,
aflitivo, mas era viver ou viver aquele momento, assim definido por outro
amigo, filho de um homem da Escola Superior de Guerra – ESG: “Se peguei o bonde
errado, agora vou até o fim da linha.”
Nos passos desse amigo vi seus versos delirantes e
fascinantes, que expôs para o mundo em seus livros e recitais informais. Vejo
sua mansidão e humanismo sem igual. Sua presença já é suficiente para completar
a nossa vida, a nossa cidade, o nosso mundo.
No dia de hoje vi certas alusões ao dia do amigo. Sendo ou
não – não conferi – aqui presto uma homenagem a esta figura que consegue até
desfazer uma máxima segundo a qual “toda unanimidade é burra”. Ele é uma
unanimidade e não torna burrice assim defini-lo.
A significância desse nosso amigo é tanta que o que sei,
vi, vivi e compartilho com ele é uma palhinha diante do que certamente têm dele
a dizer os outros. Os inúmeros amigos de Manoel Fernandes, Volonté.
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