Anchieta Fernandes
Embora uma
santa nascida no Equador tenha Jesus no seu nome, Santa Mariana de Jesus
Paredes y Flores, no entanto a santa mais ligada simbolicamente ao Natal, é
Santa Terezinha. Que ao nascer a 02 de janeiro de 1873, em Alençon, na França,
recebeu o nome Maria Francisca Teresa Martin, mas que, ao pronunciar os Santos
Votos no Carmelo de Lisieux, a 8 de setembro de 1890, assumiu seu nome
religioso: Terezinha do Menino Jesus da Santa Face.
Voltava-se
assim, primeiro para o Jesus criança, nascido segundo a tradição em um 24 de
dezembro. Em toda a vida e obra (foi escritora abundante, escrevendo um famoso
livro auto-biográfico – “História de Uma Alma” -, além de poesias, peças
dramáticas, orações, muitas cartas; e também foi pintora)Jesus Menino é
personagem sempre presente. Aliás, ela desenvolveu uma tese que chamou
“infância espiritual”, para explicar sua tendência à ascese.
Escreveu: “Eu me havia
oferecido a Jesus Menino como um brinquedo, e lhe havia dito que não se
servisse de mim como uma coisa de luxo, que as crianças se contentam em
guardar, mas como uma pequena bola sem valor, que ele pudesse jogar na terra,
empurrar com os pés, deixar em um canto, ou também apertar contra o coração,
quando isso lhe agradasse. Numa palavra, queria divertir o Menino Jesus,
abandonar-me aos seus caprichos infantis.”
A
decisão de tomar o hábito de carmelita lhe adveio não somente de uma “santa”
inveja de algumas suas irmãs que já o haviam feito, mas também porque o que ela
chamou de “conversão” aconteceu numa missa de Natal, em 1886: “Nesta noite de
luz, começou o terceiro período de minha vida, o mais belo de todos, o mais
cheio das graças do céu. (...) senti o grande desejo de trabalhar pela
conversão dos pecadores, desejo que jamais tinha sentido tão vivamente.”
O
incrível é que este trabalho pela conversão dos pecadores acontecia no
recolhimento da cela do convento, ela orando, meditando, e não indo às práticas
sociais, de ajuda aos necessitados na rua. Mas eram orações de tal intensidade,
que, por caminhos não observados materialmente, convertiam criminosos e davam
consolo aos doentes. Em 1927, dois anos após sua canonização pelo papa Pio XI,
diante de 60 mil peregrinos, ela foi declarada padroeira principal das Missões.
A
pedido de sua irmã Paulina, que como religiosa adotou o nome Madre Inês de
Jesus, Terezinha redigiu em 1895 o Manuscrito A, primeira parte de sua
auto-biografia “História de Uma Alma” (a primeira edição desta obra sairia por
uma editora paulina, em Bar-le-duc, França, em 1898). Mas a 2 de fevereiro de
1893, já havia escrito seu primeiro poema, “O orvalho divino”, onde emprega
expressões de grande ternura sobre o Menino Jesus: “Meu doce Jesus, no regaço
de tua mãe.”
Em 2002, a
editora católica paulista Paulus publicou uma antologia com as “Obras
completas” de Santa Terezinha. Em cada uma das partes da antologia,
representando cada uma um gênero literário em que a flor do Carmelo se
exercitou, não faltam estas referências ternas ao Menino Jesus, talvez mais do
que as referências a Jesus Cristo adulto. Que, é claro, se fazem presentes
também, pois não seria o caso de a “esposa” Terezinha menosprezá-lo
preconceituosamente.
A antologia é constituída pelos manuscritos auto-biográficos, desde o
Manuscrito A (primeira parte da “História de uma Alma”), onde em dado momento
ela escreve: “Nesta noite luminosa, que iluminou as delícias da Trindade Santa,
Jesus, a doce criancinha de uma hora, mudou a noite de minha alma em torrentes
de luz.” Tem também a parte das cartas, das poesias, das Recreações Piedosas,
das orações, dos “Últimos Colóquios”, dos escritos vários, além das Notas.
As Recreações Piedosas são as
peças de teatro que Santa Terezinha escreveu, das quais 3 são com temas
natalinos: “Os Anjos no Presépio de Jesus”, “O Divino Pequeno Mendigo do Natal”
e “A Fuga para o Egito”. Santa Terezinha faleceu no Carmelo de Lisieux a 30 de
setembro de 1897, com apenas 24 anos de idade. A sua irmã, Irmã Maria do
Sagrado Coração, recolheu desde 8 de julho as palavras da santa em seu leito de
doente (acometida pela tuberculose), nas conversas com as outras freiras.
Pelas
19:20hs, ela olhou para o crucifixo, e pronunciou suas últimas palavras: “Oh!
Eu o amo...Meu Deus...Eu vos amo!” A partir da publicação da “História de Uma
Alma”, um ano após a morte da autora, começou uma inesperada popularidade da
carmelita. O livro se tornou um best-seller. Vem a necessidade de republicá-lo
logo, várias edições em diversas línguas, inclusive em japonês. Milhares de
cartas chegam a Lisieux, relatando as curas obtidas por intermédio de Terezinha.
Vem a beatificação (1923), a canonização (1925). E o culto a Santa
Terezinha se multiplica pelo mundo, construindo-se igrejas e basílicas
dedicadas a ela. Biografias dela em vários meios de comunicação e gêneros
artísticos (livros, filmes, quadrinizações). Aqui no Rio Grande do Norte ela é
homenageada de diversas maneiras. De 24 de dezembro (justamente numa Noite de
Natal) de 1930 a
1 de janeiro de 1931, ocorrem as festas de inauguração do seu templo, no Tirol.
Em 1937, é fundado em Mossoró o Seminário Santa Terezinha, onde os
futuros sacerdotes obtém a primeira etapa de sua formação. As associações religiosas
organizadas sob o patrocínio do seu nome existem em várias paróquias do Estado.
Aliás, além da paróquia de Santa Terezinha e Nossa Senhora das Graças, criada
na capital, por Dom Marcolino Dantas, pelo Decreto nº 25, de 01 de agosto de
1950, ela é também padroeira das paróquias de Janduis e Tangará, no interior.
Um indicativo do seu prestígio no contexto da cultura popular, é que o
poeta e professor natalense Thomas Heidegger Saldanha escreveu um folheto de
cordel com o título “A Vida de Santa Terezinha”, em 12 páginas, apresentado
pelo Cônego José Mário de Medeiros. Na capa, foi reproduzido o retrato em um
quadro, pintado em 1925 pela irmã dela Celina, que foi também carmelita em
Lisieux desde 14 de setembro de 1894, com o nome Irmã Genoveva da Santa Face.
Os recursos de criatividade nordestina voltaram-se também para a
captação da vida da santa através da câmera cinematográfica.. Em 1925, a Companhia Vera Cruz
realizou a adaptação fílmica do livro “História de uma Alma”, com direção,
adaptação e roteiro por Eustórgio Wanderley. A atriz pernambucana Noemi Gomes
de Matos interpretou Terezinha. O filme foi mais um a ser incluído no acervo do
chamado Ciclo do Recife.
Em termos nacionais, mencionável foi a quadrinização da vida da
florzinha de Lisieux, publicada nos anos 60 pela editora carioca Editora
Brasil-América, como volume 14 da coleção Série Sagrada. Os belos desenhos de
Mário José de Lima estiveram à altura do inteligente texto de Augusto de
Andrade. Foram 34 páginas de uma agradável leitura visual da vida de uma pessoa
que esteve sempre no centro das tecnologias visuais, pois foi bastante
fotografada.
Quanto à fertilidade imaginativa (que se concretizou, por exemplo, nas
peças de teatro que ela escreveu a partir dos 20 anos de idade, começando com
“A Missão de Joana D’Arc”), Terezinha demonstrou desde a infância, quando no
colégio do Carmelo inventou uma nova brincadeira: “Gostava, também, de contar
histórias que inventava à medida que me vinham ao espírito.” Terezinha era uma
menina especial,uma leitora que gostava de ler, e não de ler por obrigação
escolar.
Como quase todas as crianças, teve um animalzinho de estimação, o
cachorro Tom.Também gostava de dar presentes de animaizinhos, principalmente
pássaros. Era alegre, inteligente, vivaz; brincava de pular de corda. Mas
também de fazer orações, de beijar o crucifixo, e sempre, desde pequena tendo a
vontade de ser carmelita. Gostava dos campos, das flores (*), e de olhar as
estampas piedosas que suas irmãs lhe mostravam. Seu pai, o relojoeiro Luis
Martin a chamava de “rainhazinha” e ela o chamava de rei.
No
Natal, o rei é um menino nascido em uma manjedoura, e a rainha é a mãe desse
menino. Por sua nobreza a partir da pobreza. Em sua homenagem, é errado levar
crianças à escolha de presentes caros nas lojas, tirar fotos de privilégio nos
colos dos papais noéis. Toda menina deveria, na Noite de Natal, rezar a oração
composta por Terezinha em 1896, endereçada ao Menino Jesus, após ter também
composta uma outra oração, dedicada ao “Pai Eterno”:
“Eu
sou o Jesus de Teresa. Oh, pequeno menino, meu único Tesouro! Abandono-me aos
teus divinos caprichos. Não quero outra alegria, senão a de te fazer sorrir.
Imprime em mim tuas graças e virtudes infantis, a fim de que, no dia de meu
nascimento para o Céu, os Anjos e os Santos reconheçam em tua pequena esposa
Teresa do Menino Jesus.” A menina que rezar poderá substituir o nome Teresa do
Menino Jesus pelo próprio, acrescentando o “de Jesus”.
*A 09 de junho
de 1897, já bem doente Terezinha, uma de suas irmãs, a chamada religiosamente
Irmã Maria do Sagrado Coração, disse-lhe o quanto iriam ficar tristes se ela,
Terezinha, morresse. A futura santa replicou: “Oh, não! Vereis: será como uma
chuva de rosas”.
Trecho da peça “Os Anjos no Presépio de
Jesus”, escrita por Santa Terezinha na primeira quinzena de
outubro de 1894, e representada no Carmelo de Lisieux a 25 de dezembro:
“O Anjo do Menino Jesus
Divino Jesus,
como é doce e encantador o som de tua voz infantil. Toda melodia dos céus não
pode ser comparada a uma só de tuas palavras! Oh, formoso menino! Escuta minha
oração! Tira da terra de exílio um grande número de almas inocentes que se
assemelham a ti. Digna-te colher, antes que desabrochem, as flores que
murchariam se permanecessem aqui na terra. Assim que o orvalho do Batismo tiver
depositado em seus corações um germe de imortalidade, Jesus, que tua mãozinha
se apresse a transplantá-las para os jardins dos Céus.”
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