Anchieta Fernandes
Os cetáceos, espécies de animais em forma de peixe, não são peixes: são mamíferos, embora vivam sempre em ambientes líquidos, ou mar ou rios (no caso deste último, exemplificável com o boto, muito freqüente no rio Amazonas). Não são animais muito captados em obras cinematográficas, talvez pela dificuldade de se filmá-los, já que alguns são enormes (a baleia-azul, por exemplo, atinge 30 metros de comprimento, pesando 200 toneladas na idade adulta).
Esta enormidade de tamanho levou talvez a serem mal-vistos determinados gêneros de cetáceos, cujo comportamento não seria muito amigável. As orcas (orcinus orca, da família dos delfinídeos), inclusive são chamadas de baleias assassinas, porque são agressivas e carnívoras, atacando outros viventes dos mares, pingüins, outros tipos de baleias e peixes de grande porte. Mas somente quando estão famintas. A espécie humana elas não agridem.
Mas adotando a antipatia com que elas são vistas, o diretor norte-americano Michael Anderson realizou em 1977 o filme “Orca, a baleia assassina”, com Richard Harris, Charlotte Rampling e Bo Derek no elenco. A história conta que um capitão de barco pesca uma orca que está abortando. O feto é lançado ao mar, gesto que provoca uma tentativa de “vingança” do macho da orca. O comentarista do Guia de Vídeo da Nova Cultural relativo a 1991 classificou o filme de “desastre aquático com alguma tensão”.
Mas este tema (da inimizade entre alguns seres humanos e baleias) também pode render filmes bons sob outro ponto de vista. Foi o caso de”Moby Dick”, realizado pelo diretor John Huston em 1956, a partir do famoso romance de Herman Melville, de mesmo título, publicado pela primeira vez em 1851, pela editora Harper, de Nova Iorque. Se Samuel Thomas definiu o romance como um “oceano turbulento de idéias”, a crítica de cinema teve também várias opiniões e dissecações sobre o filme.
A história do demoníaco Capitão Ahab, que comanda um baleeiro por vários mares em busca da grande baleia branca, para a qual perdeu uma perna em confronto violento, provocou várias interpretações, inclusive uma psicanalítica: de que a narrativa descreve mais a “viagem de um homem para dentro de si mesmo, à procura de seu próprio monstro interior” – como foi dito no comentário do Guia de Vídeo da Nova Cultural de 1991. A obra de Huston também se destaca pela bela fotografia de Freddie Francis.
O tema do filme de Huston mereceu dois remakes: em 1967, uma animação, produzida pelos desenhistas dos estúdios Hanna-Barbera; e em 1998, um filme dirigido nos Estados Unidos pelo cineasta Franc Roddam, com o mesmo Gregory Peck que já atuara no papel principal na primeira adaptação em 1956. Outros tipos de cetáceos resultam (na vida real e no cinema) em cenas demonstradoras de mais amizade com a espécie humana do que as baleias de “Moby Dick” e “Orca, a baleia assassina” demonstram.
Golfinhos, por exemplo. No filme “O dia do golfinho”, realizado em 1974 por Mike Nichols, há um entrosamento admirável entre o biólogo Jake Terrell (interpretado por George C.Scott) e golfinhos que ele ensina a falar inglês. Mas, talvez contribuindo negativamente para uma espécie de auto-estima misógina, o biólogo não se interessa pela própria esposa, protagonizando a prática do erotismo em cena de balé aquático com uma golfinha. A não ser que se veja a cena como poesia da vida natural.
Mas, a amizade entre cetáceos (principalmente baleias) e seres humanos, não pode ser descartada só por o filme contar com orcas como protagonistas (principalmente quando aparecem com crianças). O espectador, por exemplo, viu nas noites de sábado e domingo de 25 e 26 de dezembro de 1993, em pleno clima do Natal, no Cine Natal 1, do Natal Shopping, o filme encantador chamado “Free Willy”, dirigido por Simon Wincer. Uma orca, batizada de Free Willy, tem num menino de 12 anos seu melhor amigo.
Aliás, existe até uma coincidência entre a biografia da baleia e a do menino. A orca tem também 12 anos, e foi separada de outros companheiros e companheiras de sua espécie para viver num parque aquático, obrigada a fazer shows acrobáticos. O menino foi abandonado pelos pais e obrigado a viver num abrigo do juizado de menores. De onde foge, encontrando em Free Willy uma amizade que não recebeu de humanos. Baleia e criança, até dialogam por gestos.
O filme é agradável. Tem a denúncia de maltrato aos animais, acompanhada dos acordes bem comunicativos com crianças, da música de Michael Jackson, e inicia com imagens muito bonitas, mostrando as brincadeiras de um cardume de orcas no oceano, que resulta paea a nossa sensabilidade visual em um verdadeiro balé sincronizado, pontuado pelo brilho preto e branco do dorso dos animais. O filme foi realizado na última década do século passado (no ano de 1993).
E foi tão bem sacado o achado ecológico do roteiro, que já neste século 21, em 2009, foi realizado um remake pelo diretor Will Geiger. Só que desta vez a amizade não ocorre mais entre um menino e a baleia. O protagonismo humano fica a cargo de uma linda adolescente, interpretada pela lourinha Bindi Irwin, Kina na história, que luta contra a ambição de um proprietário de parque aquático, que quer aprisionar uma outra orca chamada também Free Willy, para transformá-la em atração.
Aliás, parece que dá certo criar histórias cinematográficas onde o relacionamento entre adolescentes e baleias tenha um significado a mais, que o simples afeto por animais de estimação. No filme “Encantadora de baleias”, realizado em 2003 pelo neo-zelandês Niki Caro, o significado atinge um nível antropológico. A história do filme remete às tradições culturais do povo Maori, da Nova Zelândia, sua identidade cultural restaurada por uma corajosa adolescente.
O povoado está sem chefe e não há quem o substitua. Ao completar 12 anos, a menina Paikea resolve ser a chefe. Obedece ao ritual da tradição. Se o antepassado chefe cavalgara uma baleia para levar seu povo à terra do seu destino, Paikea também monta uma baleia, corajosamente, dando um sentido ao seu povo e à sua terra. “Não bastou afirmar sua genealogia: ela teve que provar publicamente sua habilidade” – como é dito na crítica sobre o filme, no livro “A infância vai ao cinema” (Autêntica, 2006).
Ao contrário deste e de outros filmes em que cetáceos de verdade são protagonistas, mas dentro de um roteiro ficcional, existem os filmes puramente documentários, onde se aprende melhor como é a vida delas em seu habitat natural. Em 1982, no contexto serial da “Odisséia de Cousteau”, filmes que o naturalista francês Jacques Cousteau realizou em suas viagens pelo mundo, foi lançado o que recebeu o título “Mamíferos das profundezas do mar”, em produção conjunta França, Estados Unidos e Alemanha.
Reportando-se ao comportamento de mamíferos marinhos, principalmente baleias e golfinhos, Cousteau não deixa de trabalhar as possibilidades estéticas do assunto. Informa sobre a evolução das baleias, mas acompanhadas todas as informações de belas imagens e citações literárias (como a do poeta e dramaturgo francês Jean Baptiste Racine, que com Molière e Corneille escreveu o melhor do teatro francês, além de ter sido também historiador, da época do rei Luis XIV).
Outro bom documentário, agora especificamente sobre baleias, foi “As Grandes Baleias”, realizado em 2000 pela National Geographic Society, sob a direção de Nicolas Naxon, na duração do média metragem. Como é dito no Guia de Vídeo da Nova Cultural, de 1991, é apresentada no documentário a vida de diferentes espécies de baleias, mostrando didaticamente o seu comportamento em diversas situações. As filmagens submarinas são de grande beleza. Mostra inclusive o nascimento de um bebê-baleia.
O filme contém uma intenção ecológica, defendendo inclusive o trabalho do Green Pace, grupo europeu de defesa dos animais e do meio ambiente, praticando verdadeiros atos de heroísmo no enfrentamento aos pesqueiros caçadores de baleias. Essa intenção ecológica é sempre elogiável na produção cinematográfica, seja nos bem elaborados documentários da National Geographic Society, seja nos protestos ao jeito brasileiro, envolvidos com o humor brega de Renato Aragão em “O Trapalhão na Arca de Noé”
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