Anchieta Fernandes
O ano de 1913 foi muito feliz (não deu azar a terminação em 13) para a Sétima Arte em Natal, pois foi o ano em que se inauguraram dois cinemas em nossa cidade: o Pathé Cinema, de propriedade de Antônio Serrano (o nome todo de Antônio Serrano era Antônio Serrano Filho), situado à Avenida Tavares de Lira e inaugurado numa quarta-feira, dia 19 de fevereiro de 1913; e o sempre lembrado Royal Cinema, de propriedade da firma Paiva & Irmão, situado na Cidade Alta (aliás, foi o primeiro cinema a se inaugurar no bairro) e inaugurado segunda-feira, dia 13 de outubro de 1913.
O que é que significava o nome Pathé de tão importante para denominar o novo cinema de Natal, depois do Cinema Natal e do ? Era uma homenagem a um dos pioneiros da Sétima Arte, o francês Charles Pathé. Nascido em Chevry-Cossigny, a 25 de dezembro de 1863 (há 150 anos), ele comprou um fonógrafo de Thomas Edison e o expôs em uma festa em 1894. Depois, passou a vender mais fonógrafos, e logo descobriu também outra novidade tecnológica da Belle-Époque projetores de filmes, que eram então produzidos isoladamente, e não industrialmente.
Ele pensou pioneiramente e foi a mola propulsora do início do cinema no contexto da revolução industrial comunicacional, ainda antes de Hollywood se afirmar, convocando seus irmãos Emile, Jacques e Théophile criou em Vincennes, em 1896, a empresa Pathé Frères, inicialmente apenas dedicadaa à venda de projetores de filmes. Mas Charles Pathé era um homem dinâmico não somente do ponto de vista industrial, mas também intelectual. Expressou certa vez um pensamento: “o cinema será o teatro, o jornal e a escola de amanhã”. Quem falava assim, não era apenas um comerciante.
Logo, os Pathé Freres começaram a produzir seus próprios filmes (dois dos primeiros foram “A Quadrilha” e “Moulin Rouge”,este realizado em 1897”. Foi criado o símbolo da companhia, por sinal coincidentemente tendo a ver algo com Natal, pois o símbolo era um galo que surgia na tela, batia as asas e abria o bico (como se estivesse cantando, embora não se ouvisse nada, pois ainda era a época do cinema mudo) e o galo é um dos símbolos de Natal, fixado na nossa memória pela imponência singela do galo metálico na torre da Igreja de Santo Antônio, e pelos galos de louça da artesã Loma Nenem.
Em 1901, Charles deixou sue irmão Emile como administrador de venda de projetores, e partiu para concretizar seus sonhos mais altos. Construiu seu estúdio de produção de filmes, laboratórios e contratou outro inventivo sonhador: o ator Ferdinand Zecca, vindo do chamado café-concerto parisiense. Enquanto Zecca se afirmava como autor dos argumentos, ator e diretor dos filmes produzidos pela empresa, Charles pesquisava a melhoria dos aparelhos projetores, criando o filme de 9,5 milímetros com perfurações centrais, facilitando o uso da câmera por cineastas amadores.
Zecca realizou em 1902 o filme “História de um crime” que é considerado o primeiro filme policial da história do cinema. Depois da primeira guerra mundial, os Pathé Freres criaram o Pathé Color, produzindo e distribuindo filmes para todo o mundo, e construindo e monopolizando salas exibidoras em vários países. A essas alturas, o Pathé Journal já fora lançado, iniciando a modalidade que seria normal no cinema e depois na televisão, do noticiário cinematográfico contínuo, registrando filmicamente o que se passava dia a dia nas ruas e ambientes interiores do mundo.
Numa das apresentações do Pathé Journal bastante emocional para os espectadores foi noticiada “A travessia do Canal da Mancha por Bleriot”, visto nos anúncios do Cinema Natal, em 1909, como o feito mais importante da aviação. É que o engenheiro e aviador francês Louis Bleriot batera o recorde, a 25 de jullho de 1909, sobrevoando o Canal da Mancha em trinta e dois minutos, em um aparelho de sua invenção. Pelo imediatismo do seu feito foi premiado, recebendo mil libras, oferecidas pelo jornal inglês Daily Mail, que circulava em Londres.
Em 1908, a quantidade de filmes começados com o galo batendo asas e cantando silenciosamente e vendidos nos Estados Unidos era maior que a dos filmes produzidos pela terra do òscar. Um homem de cinema alemão chegou a dizer de Charles Pathé: “ganhou no nosso país muito mais do que os cinco milhões pagos pela França após 1871” (ele estava falando de indenização paga pela França à Prússia – como se chamava a Alemanha - após perder na guerra entre ambos os países nos anos de 1870/1871; a proposta de paz da Prússia provocou a insurreição popular de sentido marxista, conhecida como Comuna de Paris).
Afinal, não se deve esquecer que os Pathé Freres produziram desde que Ferdinand Zecca entrou para a equipe, uma série de filmes que fizeram sucesso, como as comédias “A Sopeira”, “A Megera Recalcitrante”, “As Lentes da Vovó”, “Como Fabiano vem a ser Arquiteto”, “A Batalha dos Travesseiros”, ou, no outro lado do interesse da emoção humana, os dramas sociais, como “Um Drama na Mina”, “A Vida Perigosa”, “A Honra de um Pai”, “A Escola da Infelicidade”, “Vítima do Alcoolismo”; Zecca também realizou um filme endereçado as pessoas de fé cristã, uma “Vida de Jesus”, e alguns filmes infantis.
Além dos seus filmes vistos na América do Sul, e dos vários cinemas com o nome Pathé em cidades de vários países da América do Sul, este nome, Pathé, influenciou, parece, um fato cinematográfico pioneiro aqui no Rio Grande do Norte; foi a primeira filmagem de terras norte-rio-grandenses. A 21 de dezembro de 1922, uma quarta-feira, descendo do hidroavião Sampaio Correia II (primeiro avião a cruzar os céus do Brasil vindo dos Estados Unidos, e também o primeiro a sobrevoar e pousar no Rio Potengi), o cinegrafista John Thomas Baltzel, da Companhia Pathé News, fez estas filmagens.
A diferença entre os irmãos Pathé e antecessores como Lumiére e Meliès e’que, enquanto estes últimos mandavam seus câmeras-mens irem filmar pelo mundo, para voltarem a Paris e apresentarem na capital francesa o material filmado, os Pathé começaram a instalar sucursais próprias nos diversos países, tanto da Europa (Bélgica, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Rússia), como da América (Estados Unidos) e, inclusive, da Ásia (Índia e Singapura). Assim, filmes feitos nestes países eram primeiro vistos localmente, e depois mostrados aos parisienses. Com isso, se criavam novos tipos de espectadores.
E se enriqueceram as situações temáticas, já que países diferentes tem costumes e tradições diferentes, e os cinegrafistas procuravam focalizar as peculiaridades antropológicas testemunhadas. Foram se definindo o filme histórico, o filme de mágicas e circenses, filmes políticos, filmes esportivos, filmes religiosos. Além das variações dos dramas cotidianos (às vezes mesclados de humor). Como pioneiros, os estúdios Pathé criaram até histórias que depois cineastas famosos reutilizaram. Como o filme “Le Voleurs de Bicyclette”, de 1905, e que Vitorio De Sica refilmaria em 1948, apenas pluralizando o título.
Mas nas décadas vinte e trinta, o sonhador e inventor começou a ser cercado pelas empresas endinheiradas, cujos diretores já haviam notado o quanto o cinema e outras invenções vindas do século dezenove seriam fonte de lucro. Em 1928, os Pathé Freres, que haviam feito aperfeiçoamentos revolucionários na tecnologia de gravação do som, substituindo o cilindro de gravação pelo disco de gravação vertical e depois lateral, não resistiram à oferta e venderam sua indústria de fonógrafosà English Columbia Company. Enquanto isso, a poderosa RKO Radio Pictures Filme começou a voltar as vistas para a empresa Pathé Freres.
Não deu outra: em 1931, a RKO comprou o que restava dos setores de produção e distribuição de filmes do império dos Pathé Freres, que já se estendia até a Austrália e Japão.... e Brasil, é claro. Charles recolheu-se à Mônaco, vindo a falecer em Monte Carlo a 26 de dezembro de 1957. Pelo que fez pela arte cinematográfica, tanto em termos de invenções para melhorias técnicas, quanto em termos de criação de um mercado consumidor para os filmes produzidos merece ser sempre homenageado ainda hoje; donos de cinema em todo o mundo não fazem mais do que justiça pondo o nomePathé nas fachadas dos prédios.
Bibliografia:
“DBU – Dicionário Biográfico Universal Três” – Tonso, Lívia De Caroli e Minillo, Marcia Maria, 2ª edição, Três Livros e Fascículos Ltda., 1984.
“Dicionário dos Cineastas”; Sadoul, Georges, Livros Horizonte, 1979.
“Le Cinéma”; Charensol, Georges, Libraírie Larousse, 1966.
“1000 Que Fizeram 100 Anos de cinema”; Pereira, Arley e Castellon, Lena, ISTO É, The Times, Editora Três Ltda., sem data.
“Romance do Gato Preto”; Ortiz, Carlos, Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, sem data
Nenhum comentário:
Postar um comentário