12 de dezembro de 2019

Quem viu Jesus Menino?





Anchieta Fernandes

            Há mais de 2000 anos um certo Galileu foi preso, torturado e executado na cruz, dando origem a uma religião que inequivocamente influenciou a cultura humana em termos de moral e fé, arte e hábitos litúrgicos e sociais. Ele foi Jesus Cristo, e a religião o Cristianismo, que embora ameaçada pela força que outras religiões vem adquirindo (islamismo, judaísmo, hinduísmo), ainda detém o maior número de seguidores, em suas diversas vertentes (católicos ocidentais ou ortodoxos, e as várias denominações nascidas com a reforma protestante empreendida por Martinho Lutero no século dezesseis – 16).
            O personagem Jesus Cristo tem fascinado milhões de pessoas. Algumas afirmam terem sido agraciadas com a visão dele (crucificado ou não), entregando-lhes uma missão de divulgação da fé e do seu mandamento maior: “amai-vos uns aos outros”. Historicamente, segundo registros desde os evangelhos, pode-se crer que, após a sua ressurreição no terceiro dia após a crucificação, ele apareceu primeiro a Maria Madalena e Maria mãe de Tiago. Depois, aos discípulos de Emaús, e por fim ao resto dos discípulos, reunidos em Jerusalém. O continuar da história do Cristianismo descreve outros aparecimentos.
            Alguns dos mais importantes foram direcionados a Santa Margarida Maria Alacoque, que numa sexta-feira de 1673 viu Jesus diante do Sacrário. Pelos dois anos a seguir, toda primeira sexta-feira do mês, ele lhe apareceu. Numa das vezes, mostrou-lhe o coração rodeado de espinhos, e uma chama sobre a ferida no peito, e disse: “Eis aqui o coração que tanto amou os homens, até se esgotar e consumir para testemunhar-lhes seu amor, e, em troca, recebe da maior parte senão ingratidões, irreverências, sacrilégios, friezas e desprezos”. Daí, ela passou a ter a iniciativa de criar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
            Não se tem certeza sobre a data de nascimento de Jesus Cristo. Mas muitos povos, em vários países, convencionaram que ele teria nascido na passagem de uma noite de 24 para o dia 25 de dezembro. E está aí, nas artes, nas comemorações folclóricas e nas celebrações litúrgicas das grandes catedrais e basílicas, ou humildes capelinhas, o nascimento desta criança, deste Menino Jesus levado a um destino ao mesmo tempo trágico e glorioso, objetivando ele ser assassinado pelos homens que ele “salvou”, segundo a religião, justamente por se submeter a esta morte violenta, quando, sendo Deus, teria capacidade de evitá-la.
            Quem foi que viu Jesus Menino, ao vivo, ou através de aparições espirituais? Quem primeiro o viu, recém-nascido, bebê, numa manjedoura, entre animais, foram seu pai adotivo José e sua mãe biológica Maria. Depois, foi a vez de uns pastores da região de Belém, que, avisados por um anjo sobre a boa notícia do nascimento do Messias prometido, foram e viram o menino, enfaixado e deitado na manjedoura. Magos do Oriente também visitaram o menino e ofereceram a ele presentes, ouro, incenso e mirra. Após oito dias do nascimento de Jesus, José e Maria o levaram ao templo, em Jerusalém, onde estava Simeão, homem justo e piedoso.
            O Espírito Santo tinha revelado a Simeão que ele não morreria sem primeiro ver o Messias prometido pelo Senhor. Simeão reconheceu no menino este Messias, tomou-o nos braços, louvou a Deus, e disse a Maria: “Eis que este menino vai ser causa de queda e elevação para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma”. Estava também no templo a velha profetisa Ana, que viu o menino, louvou a Deus e “falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”, como diz o evangelista Lucas, no capítulo 1, versículo 38 do seu texto, que é o 3º evangelho na ordem cronológica.
            Cumpridas as obrigações no templo, a Sagrada Família (José, Maria e Jesus) voltou para a sua cidade, Nazaré, na Galiléia. Ali, José voltou a exercer seu ofício de carpinteiro. E o menino Jesus talvez, ajudava o pai (e, portanto os clientes de José também viram o Menino Jesus) e, naturalmente, brincou com outros meninos, que o viram na sua etapa lúdica, infantil, pois, embora uma criança especial, deve ter brincado as brincadeiras sadias, rejeitando as que levavam para o lado malicioso do instinto humano. Talvez praticou algum milagre para os amiguinhos. Quando completou 12 anos, acompanhou pai e mãe à Festa da Páscoa, em Jerusalém.
            E ali, os Doutores da Lei viram-no e se admiraram com a inteligência e os conhecimentos dele, cujas perguntas e respostas eram precisas, incrivelmente incontestáveis. Alguns dos celebrantes e divulgadores da religião nascida a partir do nome deste menino sábio continuaram a vê-lo assim, como criança, em algumas aparições. Não se pode negar que o que ocorreu no convento das Irmãs de Caridade, em Chantillon, na França, a 18 de julho de 1830, foi uma clara presença do espírito deste Jesus Menino. A coisa ocorreu com a noviça Catarina Labouré, instrumento de uma novidade para a época. Durante a noite, ela acordou e ouviu chamarem-na.
            No quarto, ao lado dela, um menino louro, talvez de idade entre 4 ou 5 anos, disse-lhe: “Levante-se, minha irmã. Venha depressa á capela. A Virgem Santíssima a aguarda.” Temerosa, Catarina o seguiu, e à proporção que caminhavam, o menino cercado de raios de luz, as velas foram se acendendo , e a porta da capela abriu-se sozinha, e o pequeno templo estava todo iluminado, “como se para a missa da meia-noite.” E Catarina viu, sentada na cadeira do diretor, nos degraus do altar, uma bela senhora, que o menino confirmou: “Eis a Virgem Santíssima.” E a Virgem começou a falar para ela: “Minha filha, o bom Deus quer encarregá-la de uma missão.”
            Antes de dizer qual seria a tal missão, a Virgem fez algumas profecias de acontecimentos trágicos que iriam ocorrer brevemente, inclusive a queda do trono francês (o rei Carlos X foi derrubado oito dias após a profecia) e assassinatos de autoridades clericais (o Monsenhor Affre, e o Arcebispo de Paris, Darboy, vitimados pela revolução). Com lágrimas nos olhos, a mãe do menino louro exclamou: “Minha filha, a cruz será tratada com desprezo, eles a derrubarão por terra e a calcarão aos pés. O sangue correrá. As ruas ficarão cheias de sangue.” Mas a Virgem prometia: “Graças serão derramadas sobre todos, grandes ou pequenos, que as peçam com fervor.”
            Somente na segunda aparição, a 27 de novembro de 1830, é que a Virgem revelou qual seria a missão que Catarina deveria cumprir: mandar cunhar uma medalha, segundo o modelo que era encenado com a própria presença da Virgem, que disse: “Mande cunhar uma medalha com este modelo. Todos os que a usarem receberão grandes graças e devem trazê-la ao pescoço. As graças serão abundantes para os que a usarem com confiança.” Nascia ali o objeto religioso conhecido como Medalha Milagrosa, cujos primeiros dois mil exemplares foram cunhados pelo ourives Vachette, em maio de 1832, com o consentimento do padre Aladel, do convento, e que era o confessor de Catarina.
            No passado da cidadezinha de Mantara, no Líbano, tinham havido aparições de Santa Maria Madalena e da Santíssima Virgem em uma grande gruta, perto da igreja copta cristã. Santa Maria Madalena pediu na ocasião que ninguém falasse, houvesse “total silêncio”. A gruta ficou desde então conhecida como local de orações silenciosas. A 11 de junho de 1911, sete mulheres que haviam assistido a uma celebração para o vice-cônsul francês na referida igreja copta, entraram na gruta. De repente, uma grande explosão de luz ofuscou-lhes os olhos. A luz transformou-se em nuvens luminosas emitindo raios coloridos.
            Na parte central da imagem que estava sendo vista, estava a Virgem Santíssima com o Menino Jesus nos braços. Quando foi espalhada a notícia da aparição, um número grande de pessoas se dirigiu à gruta, e cerca de 60 pessoas foram privilegiadas com a visão da Virgem com o menino Jesus nos braços. Ambos silenciosos, mas estendendo as mãos e com um sorriso agradável, a “Sagrada Aparição do Silêncio Total” (como passou a ser conhecida) caracterizou então o fenômeno das aparições no século 20, como dentro da visualidade pura das comunicações do século, signo da força da imagem.
            Os mais famosos videntes da história da Igreja Católica foram os três pastorzinhos de Fátima, em Portugal, Lúcia, Francisco e Jacinta. Durante 6 meses, a partir de 13 de maio de 1917, eles tiveram por 6 vezes a visão da mãe de Jesus, sempre com o pedido que rezassem o terço todos os dias “pela paz no mundo e o fim da guerra” (estava ocorrendo desde 1914 a primeira guerra mundial, que iria acabar em 1918). Na última aparição, a 13 de outubro de 1917, se configurou ante os videntes não somente a imagem da Virgem Santíssima, mas também a de São José com o Menino Jesus, um verdadeiro quadro da Sagrada Família.
            Na hagiografia cristã, os relatos das vidas dos santos destacaram fatos reais, constatados por documentos ou testemunhos, e fatos apenas supostos, lendários, não tendo a sanção da autenticidade documental ou testemunhal. Assim é que se pode mencionar o aparecimento do Menino Jesus a pelo menos dois santos: Santo Antônio de Pádua, e São Cristóvão apenas como lendas; mas de qualquer maneira enriquecendo o imaginário literário, focado no importante encontro entre a criança que daria origem a uma religião e seres humanos que se fortaleceram no heroísmo de assumirem a difícil prática da santidade.
            Santo Antônio de Lisboa (porque nasceu na capital portuguesa a 15 de agosto de 1195) foi talvez mais conhecido como Santo Antônio de Pádua, porque passou a maior parte de sua vida religiosa na região italiana da cidade de Pádua, onde faleceu de hidropisia a 12 de junho de 1231. Conta-se muitos fatos extraordinários, verdadeiros milagres que se concretizaram por intervenção dele. E há os registros do seu encontro com o Menino Jesus, acontecimento tão importante que a sua imagem nos altares mostram-no como um frade com um menino nos braços. A aparição se deu na casa do Conde Tiso, um amigo de Frei Antônio em Pádua. O conde reservara na casa um aposento para o religioso.
            Naquele aposento, muitas vezes Frei Antônio passava horas em oração. Certo dia, o conde queria falar com o frade, mas, não querendo perturbá-lo repentinamente, olhou pelo orifício da fechadura para verificar se ele estava desocupado. Foi então que flagrou a belíssima cena: Frei Antônio estava conversando alegremente com o Menino Jesus. Os dois viram então o espírito da divina criança: o santo e o nobre bondoso. Um dos colaboradores do calendário anual conhecido como Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, o Frei Almir Ribeiro Guimarães, escreveu uma “Cantiga Para Santo Antônio”, que começa dizendo que “admiro tua ternura tão franciscana para com o Menino das Palhas.”
            Não se tem muita certeza sobre os fatos que se conta a respeito da vida de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas. A tradição os foi acrescentando, e assim fazendo crescer o seu culto desde tempos remotos. A sua popularidade se traduziu em muitas igrejas construídas e irmandades fundadas com o seu nome. Na Ásia, na Europa, no Brasil. No livro “O Santo do Dia”, de Dom Servílio Conti, há o registro de que ele “deve ter sido um homem de estatura extraordinariamente alta, de força hercúlea e, uma vez convertido a Cristo se fez apóstolo desta religião na Lícia, onde sofreu o martírio sob o imperador Décio, por volta do ano 250.”
            O biógrafo diz mais que antes ele “ambicionava colocar sua habilidade militar e sua força a serviço do Senhor mais potente: foi assim que mudou várias vezes de dono. Diz-se que até se colocou a serviço do demônio, quando notou que o seu general tinha um medo supersticioso do espírito das trevas. Percebendo, porém, que o próprio diabo tinha medo da cruz, indagou o porquê, foi então que ficou sabendo que Cristo, Filho de Deus, era o mais poderoso dos soberanos.” Procurou então a melhor maneira de servir a Cristo. Um eremita aconselhou-o a fazer jejuns, orar e meditar sobre a palavra de Deus. Ele retrucou que não agüentava jejuar e não tinha jeito para orar e meditar.
            O eremita então disse: “Vê, tu és robusto, alto e forte: aí perto há um rio sem ponte, que é perigo de morte para muita gente que o deseja atravessar. Oferece teus serviços àquela pobre gente: leva as pessoas, transportando-as de um lado para o outro. Terás a gratidão e as orações dos beneficiados e Deus te recompensará de tua caridade.” O quase gigante físico iniciou então os passos da caminhada em direção a se tornar também um gigante espiritual. Construiu uma cabana à beira do rio, onde passou a morar, se oferecendo a transportar gratuitamente todos que quisessem atravessar de um lado para o outro o rio perigoso, e não tinham capacidade física de o fazer.
            Certo dia chegou também, um menino, e pediu para transportá-lo a outra margem. O gigante botou o menino nos ombros, pensando que não ia pesar quase nada. Mas à proporção que atravessava, o menino começou a ser cada vez mais pesado, sentindo o gigante suas pernas tremerem. Depositando-o na outra margem, o gigante exclamou: “Parecia-me estar carregando o peso do mundo inteiro!” O menino sorriu e disse: “Muito mais do que o mundo inteiro, tu carregaste o Senhor do Mundo.” Assim, o gigante entendeu que carregara em seus ombros o próprio Menino Jesus. Desde então, o gigante adotou o nome Cristóvão, que conforme sua etimologia latina significa “o que leva Cristo”.
Referências bibliográficas:
CARDOSO, Maurício. Jesus 2000 Os desafios do cristianismo às portas do novo milênio. São Paulo, Veja, ano 32, nº 50, 15 de dezembro de 1999.
LUCAS, São. Bíblia Sagrada. Tradução, introdução e notas por Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancim. Edição Pastoral. São Paulo, Paulus, 1990.
CONTI, Dom Servílio. O Santo do Dia. 2ª edição, revista e melhorada. Petrópolis, Vozes, 1984.
SWANN, Ingo. As Grandes Aparições de Maria: relatos de vinte e duas aparições. Tradução: Bárbara Theoto Lambert. São Paulo, Paulinas, 2001.
História de Santo Antônio. Em quadrinhos. Coleção Série Sagrada. Sem indicação de autor. Rio de Janeiro, Editora Brasil-América. Sem indicação de data.
GUIMARÃES, Frei Almir Ribeiro. Cantiga Para Santo Antônio. Petrópolis, Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, 12 de junho de 1986, quinta-feira.
PAIVA, Con. Jorge O`Grady de. Dicionário de Nomes Próprios Pessoais. Natal, Departamento Estadual de Imprensa – DEI (impressão), 2006.

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