Paulo
Jorge Dumaresq
Difícil é não acompanhar com atenção
seu raciocínio rápido que esparge orações como se fossem poemas. Não é à toa
que difunde o canto livre e alegre do Ceará-Mirim, sua cidade berço, sua Ítaca
prometida, sua mágica Macondo. Inquieto e preocupado com as injustiças sociais
e o crescimento do seu semelhante, ele logo cedo descobriu na arte um instrumento
capaz de humanizar o homem e tornar o mundo mais aprazível para si e para o
próximo. O ator, compositor e poeta Crésio Tôrres foi buscar também no
cristianismo os valores para uma vida mais tranquila e equilibrada no perdão e
na caridade. Com tudo isso ao mesmo tempo agora, acredita-se marxista cristão. “Não
creio num artista que não seja generoso”, afirma.
Nascido a 9 de abril no emblemático 1968,
Crésio declara ao “Nós, do RN...” que ainda vivenciou um Ceará-Mirim rico culturalmente,
com um folclore ativo e pujante. Cresceu assistindo aos caboclinhos, congos de
guerra, bambelôs e tribos de índios. Seu olhar aguçado e perscrutador presenciou as atividades teatrais da Juventude
Franciscana (Jufra) na Igreja Matriz, após a missa dominical vespertina. Por
meio da Jufra, encantou-se com o teatro infantil e chorou lágrimas cristãs ao
testemunhar A Paixão de Cristo e pequenos Autos de Natal dramatizados pela agremiação
vinculada à igreja católica. Aliás, já possuído pela Arte Maior, no limiar da
carreira o aspirante a ator participou de autos religiosos e de esquetes
teatrais pela Fundação SESP.
O artista, que se emociona ao falar do
passado, lamenta a ausência nos dias de hoje dos cinemas Paroquial e Jerusalém,
que tanto abrandaram sua alma inquieta e o influenciaram na arte da
representação. Ao assistir fitas de Bruce Lee, Shaolin, Buffalo Bill, Django e
Sartana, a criança Crésio Tôrres tentava imitar seus heróis em casa. O circo
também fez parte da sua infância, época em que não perdia os dramas, shows
musicais e números de palhaços. “Também brincávamos de circo na rua. Eu tinha
uma fé cênica que os outros meninos não tinham”, ressalta o ator.
Ainda na puerícia, deu os primeiros
passos na arte dramática, participando de jograis e esquetes na escola. A sorte
de ter nascido numa família intelectualizada, e num rico berço cultural, fez
toda a diferença na sua educação artística. Por causa disso, o acesso ao bom entretenimento,
como cinema, circo, gincanas culturais, desfiles cívicos e carnavalescos, alimentou a alma da criança. “A minha
infância na rua Rodolfo Garcia (rua Nova) foi muito criativa. Inventávamos os
próprios brinquedos e as brincadeiras. Íamos muito para granjas onde tomávamos
banho de rio e ouvíamos muitas histórias dos mais velhos. Papai era um brincante. Ele contava historinhas
e causos. Talvez isso tenha contribuído para o meu despertar para o teatro. Só
hoje eu me dou conta de como foi enriquecedor para mim”, lembra, com uma ponta
de saudosismo.
Na escola, o primeiro contato com o
universo da literatura infantil foi na quinta série ao ler “Memórias de um cabo
de vassoura”, obra de Orígenes Lessa. A família Moreira,
por parte de mãe, conforme Crésio Tôrres, tinha intimidade com o mundo das
letras. A criança também não dispensava a leitura de gibis, hóspedes na sua
ilha da fantasia.
Projeto
A
descoberta do Crésio Tôrres ator foi na escola, já cursando o ginasial, no
início da década de 1980, por intermédio do projeto “Vamos fazer teatro nas
escolas”, da Subcoordenadoria de Atividades Culturais da Secretária de Estado
da Educação e da Cultura (SEEC), que implantou oficinas em Ceará-Mirim e municípios
outros do RN. Entre os oficineiros, destaca Carlos Nereu (sonoplastia), Cláudio
Cavalcante (interpretação), João Marcelino (maquiagem) e Joiran Medeiros, além
de Ivonete Albano (interpretação). A ingratidão - esta pantera - não conseguiu
colocar suas garras no artista. Do alto dos seus 44 anos rasga elogios ao plantel
de oficineiros que fomentaram sua aspiração de ser ator.
O
projeto visava à formação de atores, diretores e a consequente criação de
grupos de teatro no interior. E cumpriu bem seu papel. A semente plantada fez
brotar o grupo Inovart, onde Crésio atuou durante 10 anos em vários espetáculos
dirigidos pelo encenador Washington Pereira Santos. No Inovart, o ator sobressaiu-se
nos espetáculos Quem Casa Quer Casa (Martins Pena), Negrinha (Monteiro Lobato),
A Eleição (Lourdes Ramalho) e A Árvore dos Mamulengos (Vital Santos), entre
outros. “Quem me despertou intelectualmente foi a dramaturgia. Por intermédio
dos oficineiros do projeto adquiri a trilogia de Constantin Stanislavski”,
revela.
Crésio
enaltece o movimento teatral natalense na década de 1980. Afirma que assistiu a
grandes espetáculos dos grupos Alegria, Alegria e Estandarte, mesmo com toda a
precariedade da época, sem leis de incentivo e editais públicos: “Na época eu
via muita coragem nos artistas e uma consciência política incrível. Era o
orgulho de ser ético. Existia um ativismo cultural e político”. Sem citar um
número preciso, acredita que representou até o momento em mais de 30
espetáculos. Pelo Circo da Luz, projeto patrocinado pela Cosern, viajou quase
todo o estado na condição de apresentador e de ator no espetáculo As Aventuras
de Pedro Malazarte, de Racine Santos.
Profissões
O
primeiro emprego do ariano Crésio Tôrres foi como monitor de recreação infantil
no Centro Social Urbano de Ceará-Mirim, em 1986. Na sequência, aventurou-se
como vendedor de eletrodomésticos, desenvolvendo a atividade por seis meses. Em
seguida, pediu a um amigo emprego na Secretaria Municipal de Educação para ser
recreador infantil e trabalhar com cultura, esporte e lazer nas escolas
municipais. “Eu era o cara mais feliz do mundo. Paralelamente, eu atuava no
Inovart. Hoje eu sinto uma saudade gosto...”, interrompe o depoimento,
emocionado.
Em
1990, Tôrres trocou os figurinos do teatro pela farda verde-oliva do Exército
Brasileiro, onde chegou ao posto de Sargento. Conta que viveu grandes
experiências de teatro no Exército, a ponto de comprometer a instrução conhecida
como Pista de Progressão Noturna por causa do realismo que imprimiu à cena. Pela
fé cênica inabalável, recebeu o diploma de Praça Mais Distinta, depois Ordenança
do Comandante e no início de 1991foi indicado para o curso de Sargento. No
Exército Brasileiro, permaneceu até 1994. A próxima empreitada foi o HiperBompreço,
onde exerceu a função de fiscal da segurança por seis meses.
Com
mulher e dois filhos para criar, o artista cedeu às pressões familiares e meteu a cara nos livros para
tentar concursos públicos. Passou em todos e optou pela Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (ECT). Ingressou nos Correios em 1996
na qualidade de carteiro. Na empresa, conseguiu trabalhar com teatro institucional
no interior. Por outro lado, a dureza do ofício de carteiro fragilizou o
artista ao longo dos anos. Resumo da récita: licenças médicas e reabilitação
para atendente comercial.
No
ano do seu ingresso nos Correios, Crésio Tôrres tomou parte nas filmagens de
For All (1997), rodado em Natal, Parnamirim e Rio de Janeiro. Aprovado no teste
pelos diretores Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda, voltou chorando para o Ceará-Mirim.
Naquela oportunidade retomava sua carreira de ator. “O cinema me devolveu ao
teatro. Quando terminou o filme não parei mais de atuar”, comenta.
Inoculado
pelo vírus do teatro, o ator representou em Natal nos espetáculos A Festa do
Rei, de Racine Santos, com direção de Hilton Lopo; A Ópera do Malazarte, A
Farsa do Poder e Auto do Menino Deus, texto e direção de Racine Santos, afora
Elvira do Ypiranga, com direção de Marcio Otavio. Interpretou papel, ainda, em
Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de Wilson Palá;
Dom Casmurro, de Machado de Assis e direção de Clenor Junior, e na leitura
dramática Os Patrões, de Paulo Jorge Dumaresq e direção de Marcio Otavio. No
momento, Crésio está ensaiando A Festa do Rei (Grupo Teart), dirigido por
Abraão Lincoln, com estreia prevista para o mês de novembro. “Em qualquer
circunstância da vida eu vou fazer teatro. Porque se eu parar de representar
paro de respirar. Se soubesse que fosse morrer hoje diria que tentei ser um
vaga-lume na obscuridade cultural do planeta”, filosofa.
Fazendo
um contraponto entre os anos 1980 e a década atual, Crésio enfatiza hoje as
leis de incentivo, os editais públicos e os pontos de cultura como avanços. De
retrocessos, cita a falta de mostras, de festivais e de projetos como o
necessário “Vamos fazer teatro nas escolas”. As brilhantes participações no
Auto Jesus de Natal (2005) e no Auto de Natal (2009), não o deixaram
deslumbrado. Tôrres considera que o investimento nos megaespetáculos a céu
aberto podia ser revisto pelos gestores públicos, a fim de distribuir mais e
melhor os recursos tendo em vista montagens de espetáculos de teatro de grupo e
de dança, gravação de CDs, realização de curtas-metragens e publicação de
livros.
Na
condição de nordestino e de cabra marcado para viver no tablado, o pai de
Mariana, 18; Pedro, 16; e Letícia, 10, não foge a perguntas embaraçosas.
Inquirido sobre os melhores do teatro potiguar nas suas categorias, declara sua
admiração pelo trabalho de Racine Santos e Paulo Dumaresq na dramaturgia. No
tablado, bate palmas para Pedro Queiroga, sua grande referência como ator, e
para João Antonio Vale. Em relação às damas, derrete-se ao citar Ana Francisca,
Bárbara Cristina, Fátima Fialho e Titina Medeiros. Aplaude, ainda, a atriz
paraibana Madalena Aciolly.
Voltando
à Sétima Arte, Crésio conta que fez figuração no cabaré de Dona Belinha –
porque perdeu o workshop para seleção de atores – no filme O Homem Que Desafiou
o Diabo (2007), dirigido por Moacyr de Góes. Outras facetas do artista são a de
cantor, compositor e poeta. Ele tem pronto O Canto da Boca da Mata, musical que
apresenta parcialmente, visto que não conseguiu viabilizá-lo por falta de
recursos. O menestrel dos verdes campos do Vale do Ceará-Mirim computa 50
canções de sua lavra “prontas e acabadas”. Defendeu canções em cinco edições do
Festival de Música dos Correios, conquistando em duas oportunidades o primeiro
lugar. Os feitos proporcionaram viagens a São Luiz e Aracaju.
Em
2005, o samba Ceará-Mirim – Seara Nobre do Folclore (Samba do Boi) recebeu nota
10 no desfile da GRES Império do Vale (Grupo A) no carnaval natalense. As
composições de Crésio encontraram eco no CD do parceiro Iran Barreto que está
gravando um disco com cinco canções do menestrel. “Uso a poesia como
instrumento político e social”, pontifica.
Texto publicado no
Suplemento Cultural “Nós do RN” novembro de 2012
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