19 de setembro de 2019

CRÉSIO TÔRRES “Em qualquer circunstância da vida eu vou fazer teatro”



Paulo Jorge Dumaresq
            
             Difícil é não acompanhar com atenção seu raciocínio rápido que esparge orações como se fossem poemas. Não é à toa que difunde o canto livre e alegre do Ceará-Mirim, sua cidade berço, sua Ítaca prometida, sua mágica Macondo. Inquieto e preocupado com as injustiças sociais e o crescimento do seu semelhante, ele logo cedo descobriu na arte um instrumento capaz de humanizar o homem e tornar o mundo mais aprazível para si e para o próximo. O ator, compositor e poeta Crésio Tôrres foi buscar também no cristianismo os valores para uma vida mais tranquila e equilibrada no perdão e na caridade. Com tudo isso ao mesmo tempo agora, acredita-se marxista cristão. “Não creio num artista que não seja generoso”, afirma.
            Nascido a 9 de abril no emblemático 1968, Crésio declara ao “Nós, do RN...” que ainda vivenciou um Ceará-Mirim rico culturalmente, com um folclore ativo e pujante. Cresceu assistindo aos caboclinhos, congos de guerra, bambelôs e tribos de índios. Seu olhar aguçado e perscrutador  presenciou as atividades teatrais da Juventude Franciscana (Jufra) na Igreja Matriz, após a missa dominical vespertina. Por meio da Jufra, encantou-se com o teatro infantil e chorou lágrimas cristãs ao testemunhar A Paixão de Cristo e pequenos Autos de Natal dramatizados pela agremiação vinculada à igreja católica. Aliás, já possuído pela Arte Maior, no limiar da carreira o aspirante a ator participou de autos religiosos e de esquetes teatrais pela Fundação SESP.
             O artista, que se emociona ao falar do passado, lamenta a ausência nos dias de hoje dos cinemas Paroquial e Jerusalém, que tanto abrandaram sua alma inquieta e o influenciaram na arte da representação. Ao assistir fitas de Bruce Lee, Shaolin, Buffalo Bill, Django e Sartana, a criança Crésio Tôrres tentava imitar seus heróis em casa. O circo também fez parte da sua infância, época em que não perdia os dramas, shows musicais e números de palhaços. “Também brincávamos de circo na rua. Eu tinha uma fé cênica que os outros meninos não tinham”, ressalta o ator.
            Ainda na puerícia, deu os primeiros passos na arte dramática, participando de jograis e esquetes na escola. A sorte de ter nascido numa família intelectualizada, e num rico berço cultural, fez toda a diferença na sua educação artística. Por causa disso, o acesso ao bom entretenimento, como cinema, circo, gincanas culturais, desfiles cívicos e carnavalescos,  alimentou a alma da criança. “A minha infância na rua Rodolfo Garcia (rua Nova) foi muito criativa. Inventávamos os próprios brinquedos e as brincadeiras. Íamos muito para granjas onde tomávamos banho de rio e ouvíamos muitas histórias dos mais velhos.  Papai era um brincante. Ele contava historinhas e causos. Talvez isso tenha contribuído para o meu despertar para o teatro. Só hoje eu me dou conta de como foi enriquecedor para mim”, lembra, com uma ponta de saudosismo.
            Na escola, o primeiro contato com o universo da literatura infantil foi na quinta série ao ler “Memórias de um cabo de vassoura”, obra de Orígenes Lessa. A família Moreira, por parte de mãe, conforme Crésio Tôrres, tinha intimidade com o mundo das letras. A criança também não dispensava a leitura de gibis, hóspedes na sua ilha da fantasia.  
Projeto
A descoberta do Crésio Tôrres ator foi na escola, já cursando o ginasial, no início da década de 1980, por intermédio do projeto “Vamos fazer teatro nas escolas”, da Subcoordenadoria de Atividades Culturais da Secretária de Estado da Educação e da Cultura (SEEC), que implantou oficinas em Ceará-Mirim e municípios outros do RN. Entre os oficineiros, destaca Carlos Nereu (sonoplastia), Cláudio Cavalcante (interpretação), João Marcelino (maquiagem) e Joiran Medeiros, além de Ivonete Albano (interpretação). A ingratidão - esta pantera - não conseguiu colocar suas garras no artista. Do alto dos seus 44 anos rasga elogios ao plantel de oficineiros que fomentaram sua aspiração de ser ator.
O projeto visava à formação de atores, diretores e a consequente criação de grupos de teatro no interior. E cumpriu bem seu papel. A semente plantada fez brotar o grupo Inovart, onde Crésio atuou durante 10 anos em vários espetáculos dirigidos pelo encenador Washington Pereira Santos. No Inovart, o ator sobressaiu-se nos espetáculos Quem Casa Quer Casa (Martins Pena), Negrinha (Monteiro Lobato), A Eleição (Lourdes Ramalho) e A Árvore dos Mamulengos (Vital Santos), entre outros. “Quem me despertou intelectualmente foi a dramaturgia. Por intermédio dos oficineiros do projeto adquiri a trilogia de Constantin Stanislavski”, revela.
Crésio enaltece o movimento teatral natalense na década de 1980. Afirma que assistiu a grandes espetáculos dos grupos Alegria, Alegria e Estandarte, mesmo com toda a precariedade da época, sem leis de incentivo e editais públicos: “Na época eu via muita coragem nos artistas e uma consciência política incrível. Era o orgulho de ser ético. Existia um ativismo cultural e político”. Sem citar um número preciso, acredita que representou até o momento em mais de 30 espetáculos. Pelo Circo da Luz, projeto patrocinado pela Cosern, viajou quase todo o estado na condição de apresentador e de ator no espetáculo As Aventuras de Pedro Malazarte, de Racine Santos.
Profissões
            O primeiro emprego do ariano Crésio Tôrres foi como monitor de recreação infantil no Centro Social Urbano de Ceará-Mirim, em 1986. Na sequência, aventurou-se como vendedor de eletrodomésticos, desenvolvendo a atividade por seis meses. Em seguida, pediu a um amigo emprego na Secretaria Municipal de Educação para ser recreador infantil e trabalhar com cultura, esporte e lazer nas escolas municipais. “Eu era o cara mais feliz do mundo. Paralelamente, eu atuava no Inovart. Hoje eu sinto uma saudade gosto...”, interrompe o depoimento, emocionado.
Em 1990, Tôrres trocou os figurinos do teatro pela farda verde-oliva do Exército Brasileiro, onde chegou ao posto de Sargento. Conta que viveu grandes experiências de teatro no Exército, a ponto de comprometer a instrução conhecida como Pista de Progressão Noturna por causa do realismo que imprimiu à cena. Pela fé cênica inabalável, recebeu o diploma de Praça Mais Distinta, depois Ordenança do Comandante e no início de 1991foi indicado para o curso de Sargento. No Exército Brasileiro, permaneceu até 1994. A próxima empreitada foi o HiperBompreço, onde exerceu a função de fiscal da segurança por seis meses.  
Com mulher e dois filhos para criar, o artista cedeu às pressões  familiares e meteu a cara nos livros para tentar concursos públicos. Passou em todos e optou pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Ingressou nos Correios em 1996 na qualidade de carteiro. Na empresa, conseguiu trabalhar com teatro institucional no interior. Por outro lado, a dureza do ofício de carteiro fragilizou o artista ao longo dos anos. Resumo da récita: licenças médicas e reabilitação para atendente comercial.
No ano do seu ingresso nos Correios, Crésio Tôrres tomou parte nas filmagens de For All (1997), rodado em Natal, Parnamirim e Rio de Janeiro. Aprovado no teste pelos diretores Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda, voltou chorando para o Ceará-Mirim. Naquela oportunidade retomava sua carreira de ator. “O cinema me devolveu ao teatro. Quando terminou o filme não parei mais de atuar”, comenta.
Inoculado pelo vírus do teatro, o ator representou em Natal nos espetáculos A Festa do Rei, de Racine Santos, com direção de Hilton Lopo; A Ópera do Malazarte, A Farsa do Poder e Auto do Menino Deus, texto e direção de Racine Santos, afora Elvira do Ypiranga, com direção de Marcio Otavio. Interpretou papel, ainda, em Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, com direção de Wilson Palá; Dom Casmurro, de Machado de Assis e direção de Clenor Junior, e na leitura dramática Os Patrões, de Paulo Jorge Dumaresq e direção de Marcio Otavio. No momento, Crésio está ensaiando A Festa do Rei (Grupo Teart), dirigido por Abraão Lincoln, com estreia prevista para o mês de novembro. “Em qualquer circunstância da vida eu vou fazer teatro. Porque se eu parar de representar paro de respirar. Se soubesse que fosse morrer hoje diria que tentei ser um vaga-lume na obscuridade cultural do planeta”, filosofa.  
Fazendo um contraponto entre os anos 1980 e a década atual, Crésio enfatiza hoje as leis de incentivo, os editais públicos e os pontos de cultura como avanços. De retrocessos, cita a falta de mostras, de festivais e de projetos como o necessário “Vamos fazer teatro nas escolas”. As brilhantes participações no Auto Jesus de Natal (2005) e no Auto de Natal (2009), não o deixaram deslumbrado. Tôrres considera que o investimento nos megaespetáculos a céu aberto podia ser revisto pelos gestores públicos, a fim de distribuir mais e melhor os recursos tendo em vista montagens de espetáculos de teatro de grupo e de dança, gravação de CDs, realização de curtas-metragens e publicação de livros.
Na condição de nordestino e de cabra marcado para viver no tablado, o pai de Mariana, 18; Pedro, 16; e Letícia, 10, não foge a perguntas embaraçosas. Inquirido sobre os melhores do teatro potiguar nas suas categorias, declara sua admiração pelo trabalho de Racine Santos e Paulo Dumaresq na dramaturgia. No tablado, bate palmas para Pedro Queiroga, sua grande referência como ator, e para João Antonio Vale. Em relação às damas, derrete-se ao citar Ana Francisca, Bárbara Cristina, Fátima Fialho e Titina Medeiros. Aplaude, ainda, a atriz paraibana Madalena Aciolly.
Voltando à Sétima Arte, Crésio conta que fez figuração no cabaré de Dona Belinha – porque perdeu o workshop para seleção de atores – no filme O Homem Que Desafiou o Diabo (2007), dirigido por Moacyr de Góes. Outras facetas do artista são a de cantor, compositor e poeta. Ele tem pronto O Canto da Boca da Mata, musical que apresenta parcialmente, visto que não conseguiu viabilizá-lo por falta de recursos. O menestrel dos verdes campos do Vale do Ceará-Mirim computa 50 canções de sua lavra “prontas e acabadas”. Defendeu canções em cinco edições do Festival de Música dos Correios, conquistando em duas oportunidades o primeiro lugar. Os feitos proporcionaram viagens a São Luiz e Aracaju.
Em 2005, o samba Ceará-Mirim – Seara Nobre do Folclore (Samba do Boi) recebeu nota 10 no desfile da GRES Império do Vale (Grupo A) no carnaval natalense. As composições de Crésio encontraram eco no CD do parceiro Iran Barreto que está gravando um disco com cinco canções do menestrel. “Uso a poesia como instrumento político e social”, pontifica.

Texto publicado no Suplemento Cultural “Nós do RN” novembro de 2012
           
           
                 
   


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