3 de julho de 2017

De aboio e de ferro



Por Manoel Moura Filho*

Não obstante a pregação da morte - da história - e da nivelação dos seres, mediante o avanço do neo-liberalismo, da globalização e da tecnoligia que estabelece uma cultura ligeira e artificial, onde o todo e o nada estão juntos, resumidos e reduzidos ao quadrado de luz fria da TV ou do bicho cibernético chamado computador. Os arquitetos afloram indiferentes a tudo isso. Afloram através dos sentidos. O aboio é ouvido e o ferro é visto e faz acordar, ou melhor faz reviver o que parecia ter morrido.
Salve todos os aboiadores, violeiros, poetas e cantadores nas pessoas de Luiz Gonzaga, Elomar Figueira de Mello e salve também todos os vaqueiros de mato fechado e ferradores de gados nas festas de apartação na pessoa de Manoel de Higino da ribeira do Potengi de quem eu ouvi tantos relatos desses afazers que ele (meu pai) tanto gostava. Salve também os que se preocuparam em registrar em livros a grafia dos ferros de ferrar gados, nas pessoas dos mestres: Ariano Suassuna, Oswaldo Lamartine de Faria, Virgílio Maia e Luiz da Câmara Cascudo que também falou de aboio e de ferro.
Alegres, tristes, saudosos ou contritos, os primeiros patriarcas do sertão do Rio Grande do Norte aboiram, se verbalizando palavras em português ou em outro idioma incompreensível, isso não temos como afirmar, mas desconfiamos que o: ê êê ô ôô do aboio reproduzido pelo gentio (vaqueirama) eram palavras de uma outra língua não conhecida pela maior parte da população, e por não entenderem a língua, e por acharem o canto, a música, a melodia bonitas, passaram a imitar o som ouvido, apenas com entonações monossilábicas das vogais latinas (Luiz da Câmara Cascudo aponta para o Oriente Médio como possível origem do aboio).
Podemos comprovar que muitas rezas e cantos judaicos encaixam-se e podem perfeitamete ser entoados em aboio sem nenhuma dificuldade. Ouvi meu pai muitas vezes aboiar ao cair da tarde, sentado no batente de nossa casa em Sombra – São Pedro-Rn, em sons monossilábicos, terminando os seis versos com sete sílabas, sempre com o – ê êê ô ôô saudade! – Perguntamos: saudade de quê, de quem, de onde? De Canaã de Abraão, de Espanha (que é Sefarad), de Portugal ou das sinagogas do Pernambuco de Maurício de Nassau? Afirmar não podemos, negar também não. E aboio, e ferro, e gado, e Santa Inquisição, e perseguição, e homens, e saudades, e mistérios, e estórias, foram a História.
Falemos agora de alguns ferros de ferrar gados: há um quê de mistério nas primeiras marcas de ferrar, pelo menos é o que se percebe na linguagem dos que já trataram desse assunto. Eles (os ferros) eram símbolos, mas não eram letras latinas que identificassem os nomes dos seus proprietários. Uns apontam para as pinturas rupestres, outros as identificam com as runas.
Apesar de não podermos afirmar de forma categórica, suspeitamos e achamos mais provável que algumas daquelas marcas, tenham sido criadas por que conhecia, se não a língua hebraica, pelo menos seus caracteres.
Essa nossa indagação e identificação de muitas letras hebraicas encontradas em várias marcas de ferrar gados aqui no Rio Grande do Norte. Observemos algumas marcas nas quais identificamos uma quantidade significativa de litras hebraicas, inclusive uma marca nova, levantando a hipótese de sermos um daqueles patriarcas e como ficaria totalmente diferente do nosso nome em letra latinas.
Assim entendemos que possivelmente, os que criaram essas marcas, também aboiaram suas rezas em hebraico, eram judeus, marranos, cristãosnovos ou melhor, os BneiAnussim – filhos dos forçados.

*Lincenciado em Filosofia - UFRN

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