Gutenberg Costa (*)
Tenho andado muito por este Brasil, muito mas feito um
peregrino curioso e liso, do que mesmo um turista com bastante
dinheiro que trás na lembrança imagens de belas praias e luxuosos
edifícios. Minhas recordações são outros quinhentos... Quando estive
em Porto Alegre (RS), fiquei encantado com a preservação do antigo
hotel em que residira o poeta Mário Quintana. Tudo no seu devido lugar
como antes estivera com ele em vida. Recife (PE), entre tantos gestos
sensatos, muito orgulha os pernambucanos, a casa de Gilberto Freyre
que ainda esta intacta. Passei uma tarde inteira na velha casa de Cora
Coralina, em Goiás Velho. Cada cômodo simples com seus movéis rústicos
que pertenceram a grande doceira e poeta. Do seu frondoso quintal
trouxe dois cajus, que desde então vivem dando gosto a um recipiente
de vidro com aguardente, coisa que batizei de ‘cachaça Coralina’. Em
Areia, no brejo paraibano, enquanto quase todo mundo percorria a
cidade em busca da boa cachaça da região, eu entrava na casa do pintor
Pedro Américo. Pouca mobiliária, mas a estrutura da residência
totalmente preservada. A mesma alegria quando estive na casa de José
Américo de Almeida, em João Pessoa, capital da mesma Paraíba.
No Rio de Janeiro, visitei a casa de Rui Barbosa e o
Catete de Getúlio Vargas e Café Filho. Certa feita na mesma cidade,
hospedado no Bairro da Glória fiquei admirado que apesar de comportar
tantos edifícios, em um deles, ali perto onde estava, havia uma placa
em bronze, orgulho da região com o seguinte aviso aos curiosos, como
eu: “Neste edifício residiu até sua morte, o médico e escritor mineiro
Pedro Nava...”. Ainda no país carioca, fui a Copacabana e sentei-me em
um banco ao lado da imagem retratada de outro grande mineiro, o Carlos
Drummond de Andrade. Não seria o Rio, se tempos depois, seu óculos de
metal não tivesse sido surrupiado...
Em São Paulo, perdoei toda a pichação vista em tudo que
era parede de sua progressiva capital, quando me sentei numa mesa de
um ponto comercial do velho mercado municipal. Ao meu lado lá estava
bem sentado em cera, com seu característico palitó de linho e seu
chapéu de massa, o genial compositor Adoniran Barbosa. O comerciante
paulista ainda explicou-me orgulhosamente, que era justamente naquela
mesa que o músico tomava a sua água que passarinho não bebe...
Confesso que olhei para Adoniran e o vi falar seriamente comigo aquele
clássico aviso: ‘Nós viemos, pra conversar ou pra beber?’. Dizem que
em Sodoma e Gomorra, havia um perdão chamado ‘Jó’.
Mas nem tudo na vida são flores, há os jovens rebeldes
inconscientes que picham os monumentos e há os criminosos conscientes,
aqueles que não preservam nossos patrimônios históricos, com as mais
variadas desculpas de que faltam verbas públicas para tais ações.
Sabe-se que no julgamento da história, o pichador ainda terá quem o
defenda, ao contrário do poder público e das famílias de ilustres
brasileiros, que não serão perdoados por suas justificadas omissões e
descasos com os imóveis históricos de nossos artistas e intelectuais.
Quantas residências minha saudosa genitora, dona Estela, me apontara
em minha infância: ‘ Meu filho, naquela casa residiu o ilustre
sicrano... Ali morreu a importante fulana de tal’. Se minha mãe
voltasse hoje em um passeio por Natal, com seu menino hoje cinquentão,
perguntaria indignada: ‘Meu filho, o que fizeram daquelas casas que li
mostrei... Das placas de bronze que o vi soletrar letra por letra’.
Meu caro leitor ou leitora, você acha que Natal teria
perdão, do que tem diariamente sido feito com o nosso orgulhoso
passado? Ali era uma casa, não foi tombada oficialmente e hoje é um
terreno para estacionamento... Ali foi um cinema na Cidade Alta... Era
um bar muito famoso no Alecrim... Por décadas funcionou uma loja de
fama, hoje em ruínas na Ribeira. Em cada Bairro, em cada rua
natalense, exemplos não faltam de ‘tombamentos’ devido as fortes
chuvas ou o descaso público e também privado. Alguns caixões fúnebres
nem bem dobraram a esquina e os pedreiros já haviam começado a
derrubada de paredes, que antes ostentara diplomas, fotografias e
honrarias de seus antigos ocupantes... Suas bibliotecas, idem.
Este pequeno desabafo é para deixar público, o meu eterno
agradecimento e parabéns aos familiares de Câmara Cascudo, que no
último dia 30 de dezembro de 2009, abriram as portas da casa do velho
mestre, totalmente restaurada com seus móveis nos antigos lugares
também restaurados, com recursos financeiros da própria família.
Daliana com seu sorriso cascudiano muito emocionada, convidou o grupo
de intelectuais que já estava aposto no terraço: “Gente vamos entrar
na casa de vovô e vovó, que só agora, com recursos da família, está do
mesmo jeito que estava quando eles vivos e será aberta ao povo de
Natal e do mundo inteiro”. Diógenes da Cunha Lima, em sua bela
oratória crivou-nos com seu oportuno grito: “Este é o maior gesto de
cidadania dos últimos tempos da nossa cidade do Natal”. O casal Camilo
Barreto e Anna Maria, radiantes de felicidade veio abraçar a cada um
das centenas de visitantes.
Natal, minha Natal, agora quando viajar terei orgulho em
responder as perguntas curiosas: Sim, a casa do nosso Câmara Cascudo
está preservada e cuidada com carinho pelos seus familiares! E só por
este gesto cascudiano eu te perdoarei, perdão pelas incontáveis
agressões ao nosso passado histórico!
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