Franklin
Serrão
Impressionado, é como lembro da
primeira vez que o vi e venci, corajosamente, todos os seus obstáculos que
estavam a me interromper de buscar em seus caminhos, novos conhecimentos. Sobre
ele, caminhei pelas suas ruas, que tampouco, tinha calçamentos nem pavimentos
de asfalto; entre isso, enfiava meus pés nas suas areias fofas, quentes, que,
sobre elas, transpunha as primeiras léguas de distância, onde das quais,
driblava como um craque, tanto a fauna faminta quanto sua flora melindrosa.
Estou falando então, de um lugar que bem antes dos poetas e das hebdômadas
hostis de cada esquina, existia e seria lendário; quando o conheci, ele ainda
vivia adormecido sobre uma vegetação rasteira e úmida, da qual, fazia um berço
que o ninava... era um gigante, mas porém, entre aguapés secos e maceiós, ainda
espreguiça-se e como uma criança, era na preguiça do seu engatinhar ao acordar
que o via.
As areias finas de grãos polidos pelo vento, era seu berço, sua
casa, sua natureza primeira que, ao seu modo, tanto me encantava. Ao seu lado,
via que além de tudo, ele era também terra de lobos vermelhos, leões de todas
as cores e tamanhos, veados voadores, peixes que andavam e cavalos que nadavam.
Com ele, era em sentidos de mares imprevisíveis, que eu o esperava e atento
então, contava as horas para a chegada do dia em que finalmente esse gigante
acordaria para, de outro modo, deixar de ser só isso, e, crescer para além
desse ventre ecológico de ecossistema gramados e restingas de areias brancas
livres e esvoaçantes. Isso foi o Beco da Lama um dia.
Pela segunda vez que o vi, senti uma
alegria incomum, pois então, aquela rotina teimava em surpreender-me, e sequer,
de outra maneira se podia ser, pois, quando perdermos nossos corações e mentes,
perdemos para a alegria furtiva dos festivos agrados; e por lá... além dos
dramas e tragédias, dos planos comuns, havia alegria e a festa era majestosa
nos seus palcos livres, nas suas arenas do povo e da alegria.
Nessa ordem absurda, eu chegava e logo
em seguida, via promove-se na minha frente, os mais intrigantes e absurdos
acontecimentos; notava ansiosamente que aproximadamente à meia légua da
desembocadura do grande rio, estava um grupo de mulheres, jovens e belas, que
observavam meu caminhar lento, pela praia. Era certo que em minha direção, elas
se promoveram para alcançar-me, e, ao menos, nesse passo majestoso, curto e
ligeiro, delas, eu me via a ser, o quanto antes, próximo das felizes, que sobre
mim, estavam ansiosas por chegar.
Ao alcançar-me, elas começaram a
tocar-me e desse modo, seus braços e ombros esbeltos, alegremente, estudavam
milímetro por milímetro do meu corpo. Surpreso, fiquei na ora corado de
vergonha, porque fazia muito tempo que não via uma mulher, e então, procurei
afastar-me discretamente, pois, era um momento muito escatológico no sentido de
seu ineditismo; tampouco estava muito a vontade com aquilo tudo, de maneira
alguma, aquilo parecia algo normal ou desprovido de ameaças. Contudo, mesmo
antes de somar alguns passos, para afastar-me dessa ameaça, elas me cercaram e
começaram a tocar-me novamente. Dessa vez, seus sorrisos largos e seus pudores
nus, davam boas vindas e prometiam muito, muito mais. Em torno de mim, as belas
mulheres giravam; a minha frente, podia me certificar de como eram lindas de
corpos perfeitos. Amigáveis, não ligaram para o meu aspecto asqueroso
que tinha depois de muito tempo num
navio.
Sem dúvidas, que tratava-se de um grupo
de índias jovens que como objetivo, caçavam humanos, pois, em vista disso, sabemos
que os primeiros habitantes Dalí, era canibais; ou seja, comiam carne humana,
comiam gente.
Sem saber disso direito, nem do que
estava acontecendo, certamente, não tentei fugi, não reagi, não resisti,
entreguei-me e enfim, fora capturado.
Medo, euforia, prazer, dúvida? Não sei
ao certo o que era, aquele coquetel de emoções; só me lembro que de uma
maneira, meus cabelos crespos aprisionavam suas mãos macias e quando isso
acontecia, elas puxavam seus dedos e doía muito. De uma mesma maneira, elas
tocavam meus pudores, amassavam meu órgão frágil e antes de tudo acabar então,
eu apenas desfrutava, pois, sem nada expressar, nem nada presumir, acreditava
no fundo que aquilo tudo não poderia ser real. Foi então que tudo escureceu de
vez.
Quando acordei, estava amarrado pela
cintura e nos meus lábios, o gosto adocicado de uma bebida embriagante fazia de
tudo aquilo, algo mais misterioso, amargo e fenomenal. A essa altura, meus
olhos estavam embaçados e via o mundo tosco ao meu redor. Salamaleques a parte,
não era meu dia de sorte.
Aos poucos, a embriaguez do momento
transformou-se em lucidez, meu corpo relaxado, ignorava da dor e mesmo com um
tremendo galo na cabeça, não sentia nada por causa da bebida. No entanto, nada
impedia de ver aquelas mulheres e homens, nus, dançando e consumindo
exaustivamente o então, o precioso néctar.
Ponderado, via então uma multidão, que
pintados e emplumados, com instrumentos de sons, enfeitados, produziam um ritmo
dançado por toda a tribo.
Comovido, também notava uma multidão de
corpos cobertos por penas brancas e cocares de penas vermelhas que puxavam uma
enorme fila indiana. Fila que se estendia por
centenas de metros. Ela dava voltas no
entorno da aldeia e num mesmo ritmo, numa marcha poderosa, faziam todos
cantarem e beberem. Certamente, tratava-se de uma cerimônia ritualística onde
toda a comunidade se fartava de bebidas alucinógenas e consumiam carnes e
frutas. Festa onde, coletivamente, todos participavam em busca de sua apoteose
de sensações; uma mistura de todos os sabores que faziam desse ritual coletivo
uma realidade forte ---- a verdade mais próxima do prazer.
Eu participava parcialmente da festa,
já tinha bebido muito, mas sequer, tinha comido alguma coisa. Como um peru de
fim de ano, estava podre de bêbado e temia que desse modo, fosse ser o prato
principal.
Assustado, via então um homem enorme
que segurava um pau igualmente grande que estava estendido por trás da sua
cabeça; em posição de ataque ele ameaçava acertar-me com aquilo. E, em minha
direção, apontava sua arma; em meio a isso, logo percebi que estava sobre
ameaça, mas, no entanto, com uma corda amarrada à minha cintura nua, não podia
reagir, sabia que a corda roubava-me o fôlego. então, aí, o grande índio ergueu
seu tacape em minha direção e disse:
---- Orerunhamandú tupã oreru!
Em seguida, sem remorsos nenhum,
acertou um golpe mortal e pronto, estava morto... e foi assim que comeram minha
carne moqueada e junto a outras ervas, fizeram uma papa de mandioca com ela.
Coisa de banquete de ritual.
Fui devorado para ser eterno entre
eles. Para ser um deles, para viver entre eles; entretanto, de uma outra forma,
pesa, sob uma única condição, um pequeno fardo. Em troca da eternidade de minha
alma, uma maldição guiará esse espírito errante pelos tempos; sem escolhas, sempre
que quiser voltar, terei que voltar no mesmo lugar; isto é, todas as vezes, ao
nascer, viverei e fenecerei, no mesmo canto, no Beco da Lama.
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