A cidade de Natal tem a
designação de “cidade do sol”, que vem sendo divulgada e apregoada no campo do
turismo. Nada mais certo e apropriado. Bem que poderia ser igualmente anunciada
quando, em momentos “sem sol”- durante as noites – fosse identificada como A
CIDADE DAS SERENATAS.
Nos fins de 1800 e começos de
1900, era uma cidade de serenatas e seresteiros. Tal conclusão foi possível
quando o autor pesquisava para preparar o livro A MODINHA NORTE-RIO-GRANDENSE,
publicado em 2000. Para começar, entenda-se como modinha a canção romântica,
cantada em saraus e, principalmente em serenatas. A busca de informações sobre as modinhas
compostas por autores locais – poema e melodia – mostrou ser muito mais
numerosa em Natal do que em outros locais do País. Tal conclusão foi possível
após a consulta e comparação com toda a bibliografia disponível naquele momento
no País sobre esta forma da música popular brasileira. Não houve ocasião para
dúvidas: a produção natalense foi bem maior que nos outras cidades brasileiras.
No referido livro estão incluídas as
partituras de 361 canções recolhidas em Natal. Destas , 201
são de autor comprovadamente natalense e mais 144 de compositor não
identificado, mas cantadas em
Natal. Foram ainda incluídas 11 canções de origem baiana e 5
canções do período de transição modinha/canção brasileira. A esses números acrescente-se
o encontro de mais 104 modinhas constantes de velhos cadernos manuscritos e
publicações em jornais, com clara indicação dos autores de letra e música.
Infelizmente, estas últimas já estavam esquecidas, não havendo mais ninguém que
se lembrasse das suas melodias.
Este é o total, um número
decerto incompleto do que havia e se cantava por aqui, em saraus e serenatas.
Se nos resumíssemos ás 201 modinhas de autor local, já teríamos um elevado
número, considerando-se a pequena cidade que as produziu.
Nenhuma cidade brasileira
comprovou (até a data presente) uma produção que ultrapasse os citados números.
No meio desses dados
estatísticos chegou o momento de se fazer um destaque especial para os nossos
mais prolíficos modinheiros: Olympio Baptista Filho Natal,
(13/05/1889-15/08/1942) aparece com 35 modinhas; Heronides de França (Natal,
1860-Recife, 1926), com 23 (sendo 10
a ele atribuídas) e Eduardo Medeiros (Iatapassaroca, RN,
21/06/1887-Natal, 20/06/1961), com 20 dessas canções. Muitos outros mais se
apresentam, porém com produção mais resumida.
Para comprovar a popularidade dessas
músicas locais considere-se o número de publicações sobre o tema. Destaca-se,
entre elas, o “Cancioneiro Potiguar”, publicada em 1912 por Trajano Ribeiro
Dantas. Dele constam 35 poemas de autores potiguares que foram musicados também
por músicos da cidade. Isto, no ano de 1912... Lembremo-nos ainda do jornal “Trovador
Potiguar”, que circulou entre 1923 e 1924, intitulava-se orgam dos bohemios e se dizia orgam
destinado exclusivamente à publicação de canções, modinhas, lundus e fados. Mais
tarde (1962) Gumercindo Saraiva publicou o “Trovadores Potiguares”, contendo
apenas os poemas de muitas modinhas, sem incluir as partituras. Muito comum era
as pessoas organizarem álbuns, livros em branco onde copiavam as letras das
modinhas que eram divulgadas oralmente. Como exemplo, o álbum de Clara Soares
de Araújo (Assu, 1881-Natal, 1975), que começa com a primeira moda que
aprendera em 1885 e inclui mais 132 outras, copiadas pessoalmente. Dessas, foi
possível recuperar e publicar 82 modinhas, todas constantes do A MODINHA
NORTE-RIO-GRANDENSE.
Uma modinha de autor local se
tornou bastante popular no País: “O poeta e a fidalga”, poema de Segundo
Wanderley (Natal, 1860-1909) e música de Heronides de França. Encontra-se nas
principais coletâneas de canções nacionais, e em algumas delas não há
referência aos autores. Curioso é a sua presença nas páginas do ABC DO FOLCLORE
BRASILEIRO, de Rossini Tavares de Lima. O título está trocado para “Bem sei
mulher, bem conheço”, que é o texto do primeiro verso de sua segunda estrofe.
Os versos estão alterados e a melodia registrada apresenta diferenças em
relação à que se cantava em Natal.
Luís da Câmara Cascudo, em sua
crônica “O poeta e a fidalga, de Segundo Wanderley”, confirma sua popularidade;
lembra tê-la ouvido cantar no Rio de Janeiro, 1919, pelo cantor “Baiano”, muito
conhecido à época. Fazia parte do repertório do renomado cantor “Cadete” e do
não menos famoso Catullo da Paixão Cearense. Pena que esta canção tenha sido
gravada a nível nacional apenas em um recente LP não comercial.
As
autoridades culturais e os promotores do turismo local bem que podiam imitar
algumas cidades do interior de Minas Gerais, que recebem visitantes para
assistirem às serenatas locais por eles promovidas. Natal ainda tem velhas
ruas, na Ribeira e Cidade Alta que poderiam transformadas durante as noites de
lua em “ruas de serenata”, e ali revividas as nossas velhas tradições.
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