João Medeiros Filho - 1904/1987
(Vida
e Obra)
Odúlio Botelho Medeiros
IHGRN/UBERN
“Num
sentido geral, sou um homem realizado e feliz desejando viver mais alguns anos
para poder realizar os planos que tenho de servir, de ser mais útil ao Rio
Grande do Norte.” (Últimas palavras de João Medeiros Filho, ao Projeto
MEMÓRIA VIVA, da UFRN, levado ao ar pela TV – Universitária, citadas no livro “Relembrando João Medeiros Filho”, Organizado
pelo Prof. João Batista Pinheiro Cabral – Coleção Mossoroense – série c – vol.
DCL – 1990 – pág.36)
Se
como quer Ortega y Gasset, “os
indivíduos, à semelhança das gerações têm destino preestabelecido, do qual se
não podem afastar, sob pena de censura da sociedade”; o advogado João Medeiros
Filho foi um homem de vanguarda para sua época. Cidadão Norte-rio-grandense e
natalense, por outorgas da Assembleia Legislativa Estadual e Câmara Municipal
de Natal, teve por genitor o comerciante João Medeiros Santiago e D. Clara
Sampaio de Medeiros. Entretanto, a sua infância e parte da adolescência foi
vivida na cidade de Guarabira, onde seu pai exerceu a profissão de comerciante.
Foi exatamente nessa importante cidade do brejo paraibano que o nosso
homenageado adquiriu os valores essenciais à sua vida, os quais, além de moldar
o seu caráter, serviram de sustentáculo à profícua e valorosa existência.
Comentam
os mais antigos que o Dr. João Medeiros Filho, aos 12 anos de idade tornou-se o
orador oficial da cidade de Guarabira, fenomenal, portanto, tendo sido o seu
prefeito aos 22 anos.
Estudou
em Natal, precisamente no Colégio Santo Antônio, onde concluiu o curso
primário, obtendo sempre as melhores notas, sendo um dos primeiros de sua
classe.
Após
a conclusão do curso primário, transferiu-se para o Colégio PIO X, em João
Pessoa, que serviu de trampolim aos exames parcelados no Liceu Paraibano, com
certeza o educandário de maior prestígio e rigor preparatório da capital
tabajara.
Terminados
os estudos no Liceu Paraibano, decidiu estudar Direito, matriculando-se na
tradicional Faculdade de Direito do Recife, para, mais tarde, interrompê-los,
viajando para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Militar do Realengo
para ali cursar apenas dois anos, pois ao verificar que a sua vocação
destinava-se às letras jurídicas, retorna ao Recife e retoma o Curso de Direito
que fora interrompido anteriormente. Dispensável dizer que na tradicional
Escola do Direito do Nordeste, o Dr. João Medeiros Filho revelou-se um profundo
estudioso dos autores clássicos do Direito e das demais ciências sociais que
lhe dão suporte. Estudou os grandes mestres. Leu os melhores clássicos da
ciência jurídica e da literatura brasileira e universal, daí a sua sólida
cultura.
Concluído
o Curso de Direito e graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de
Direito do Recife no ano de 1927, turma CENTENÁRIO DA FUNDAÇÃO DOS CURSOS
JURÍDICOS NO BRASIL, o jovem bacharel torna-se logo atuante advogado. Em
seguida foi nomeado Promotor Público de Jardim do Seridó até 1930, tendo
passado também pela Comarca de Cajazeiras, por um pequeno período. Ainda no ano
de 1930 retorna ao Rio grande do Norte onde foi nomeado Segundo Promotor da
Capital, até ser exonerado pelo então Interventor Mário Câmara, por questão de
natureza política, comentou-se.
Irrequieto,
ardente nas suas emoções e de temperamento dinâmico, aceitou o convite para
exercer as funções de Delegado de Ordem Social do Estado da Paraíba. Iniciado o
Governo Constitucional de Argemiro de Figueiredo, foi nomeado Secretário da
Segurança Pública, que na época era designado Chefe de Polícia. No vizinho
Estado exerceu também os cargos de Prefeito de Guarabira e Diretor do Jornal A
UNIÃO, o órgão oficial daquele Paraíba.
Mas,
tratando-se de Dr. João Medeiros Filho, de personalidade forte, tudo poderia
acontecer. Tanto, que foi nomeado no mesmo ano de 1935, pelo Governador Rafael
Fernandes, do RN, Chefe de Polícia do Estado do Rio Grande do Norte.
E
justamente nesse cargo é que o nosso homenageado enfrentou certamente, os
momentos mais difíceis de sua exuberante trajetória de homem público.
Sobre
esse histórico episódio, narra o escritor João Batista Pinheiro Cabral, organizador
do livro RELEMBRANDO JOÃO MEDEIROS FILHO – DA Coleção Mossoroense – Série Ce –
Vol. DCL-1990, À FL.19:
“(...)
Foi nessa função que João Medeiros Filho enfrenta os duros acontecimentos de 1935 a chamada IntentonaComunista.
Nessa
ocasião, com grande risco de vida, ele enfrentou com altivez e com dignidade as vicissitudes do breve, mas sangrento
Governo Comunista que se instalou em Natal. Os violentos episódios da
insurreição comunista de 1935, queo levaram
ao cárcere e quase conduziram ao encontro de um pelotão de fuzilamento, estão
magistralmente narrados em dois de seus livros,
que se intitularam MEUDEPOIMENTO (SOBRE A INTENTONA
COMUNISTA), 1941 E 82 HORAS DE SUBVERSÃO (INTENTONA COMUNISTA), 1980. Neste
último trabalho o autor responde, inclusive, às interpretações de Nelson Werneck Sodré a respeito do Movimento
Comunista de 1935 no Rio Grande do
Norte, levando a vantagem de haver ele mesmo vividos
graves momentos históricos como Chefe de Polícia, como prisioneiros dos sediciosos
e como condenado à morte, situação da qual se livrou, em grande parte pela altivez
com que enfrentouosseus captores (...)”.
Disse
Woden Madruga, na sua coluna denominada Jornal de WM, da Tribuna do Norte, do
dia 30 de julho de 2004, que:
“(...)
João Medeiros Filho exerceu no governo federal o cargodo Inspetor do Ensino Secundário e Diretor da Polícia Civil,
em Brasília. E ainda: Consultor Jurídico da Confederação Nacional do Comércio,
no Rio de Janeiro. Presidiu o Conselho Seccional
da OAB/RN e o Instituto dos Advogados deste Estado”.
Aproveitando
outros trechos da mencionada crônica de Woden, que no entender do escritor e
acadêmico Jurandyr Navarro é digna de uma antologia, destacamos:
“(...)
Foi um dos maiores criminalistas no Rio Grande do Norte. Sua atuação no
Tribunal do Júri enriquece a história jurídica
do Estado. Um orador arrebatado, veemente, convincente. Fez história, sim
senhor. Veríssimo de Melo, seu companheiro da Academia de Letras, das tertúlias
literárias, disse em letra de forma:
“Ninguém se parece com João Medeiros Filho. Ele é único. Falando ou escrevendo
é inconfundível. Prima pela correção e elegância da linguagem. Bom humor
constante e fina ironia de comentários e críticas são outras tantas delícias de
sua verve quotidiana...”.
De
sua vez, o seu grande amigo Ticiano Duarte, em artigo publicado no Diário de
Natal em homenagem ao Centenário do Nascimento do grande jurista, também na edição
do dia 30 de julho de 2004, com rara felicidade assim se manifestou sobre o idolatrado
Mestre:
“Este
30 de julho é o centenário de nascimento de João Medeiros Filho. Um paraibano que aqui chegou jovem, recém formado
em Direito, iniciando uma carreira profissional e pública, digna de registro,
pelo talento, cultura, marcada, sobretudo, pelo amor ao Rio Grande do Norte,
sua história e seu povo.
******
João
Medeiros Filho constituiu uma família numerosa, com seus dois casamentos. Em
segundas núpcias com a professora Etelvina Emereciano, filha do velho Montano,
irmã da inesquecível figura de professor e advogado José Idelfonso Emereciano.
******
Campina
Grande se considerava rei ‘porque era dono de tudo, das jabuticabeiras, dos
umbus, das calçadas’... Mas em Natal homem maduro, foi de uma personalidade e
de um talento que o colocaram nos escalões mais altos da vida profissional,
pública e cultural.
******
O
espaço é pequeno para evocar sua presença inteligente, culta, em nossa terra.
Brilhante orador do júri popular, jornalista de
texto primoroso, de conversa excelente, boêmio e amigo fiel. Jurista
respeitado, com teses de direito publicadas. Escritor, escreveu ‘Contribuição à
História Cultural do Rio Grande do Norte’,
entre outras obras.
******
O
Mestre Cascudo a seu respeito disse: ‘João Medeiros tem todos os valores que
proclama desertos de sua atividade, o brilho verbal,
a originalidade dialética, a documentação oportuna, o equilíbrio do estilo, a
nitidez do argumento’.
******
Trouxe
para nós todos, enquanto viveu a presença solidária e a coragem cívica, o
destemor que marcava um temperamento de força, às vezes polêmica, mas
seguramente honesto, sempre a serviço das grandes causas do nosso povo.”.
O
escritor e acadêmico Jurandyr Navarro, um dos admiradores permanentes do
homenageado, preleciona:
“(...)
Orador e conferencista. Como tribuno empolgava pela eloqüência. Às vezes usava sátiras mordazes contra seus contendores.
Possuía uma verve insuperável. Falava de braços soltos em qualquer ambiente.
Não havia flutuações na sua oratória, sempre brilhante toda vez que a usava.
Para ele não havia dia aziago quando usava da palavra, audaz e serena,
carregada de entusiasmo e de sabedoria.”
******
Reclamavam vez ou outra, da sua
aparente arrogância intelectual. Mas, no relicário do seu espírito agasalhava a
humildade, a simplicidade e a bondade.
******
Pertenceu a todas as instituições
que fazem à inteligência do Estado...”
(Do livro RioGrande do Norte – ORADORES – 1989- 2000, FL.327).
Já
o livro 400 NOMES DE NATAL, da Coleção Natal 400 Anos, editado pela Prefeitura
Municipal de Natal, no ano 2000, com a coordenação da professora Rejane
Cardoso, enaltece:
“(...)
João Medeiros não foi, porém, apenas o profissional exemplar, no campo do Direito.
Intelectual de renome, deixou algumas
dezenas de livros publicados na área jurídica ou no campo da literatura. Casado
duas vezes, a primeira com d. Maria de Lurdes Fernandes e a segunda com d.
Etelvina Cortês Emereciano, deixando dois filhos do primeiro casamento e seis
do segundo, desses, apenas dois
seguiram os seus passos, como advogados: Jomar Fernandes, do primeiro
matrimônio, juiz de direito; João Medeiros
Neto, procurador aposentado da UFRN. Uma das paixões
de João Medeiros foi a praia da Redinha, onde viveu os últimos anos de sua vida, em intensa atividade intelectual. Seu amor pelas letras, valeu-lhe a eleição para a
Academia Norte-rio- grandense de
Letra e para o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. A
estrada que liga a vila de Igapó à praia da Redinha
tem nome de Av. João Medeiros Filho em homenagem ao grande jurista e
escritor(JL)” – fl.381/82.
O jurista e
professor de Direito Ivan Maciel de Andrade, em magnífico depoimento publicado
na TN, assim descreve JMF:
“O
nosso Estado tem uma bela tradição de competentes e brilhantes advogados. Um
deles, um dos mais completos profissionais do Direito que conheci até hoje, foi
João Medeiros Filho. Era um dos melhores tribunos do júri – se não o melhor –
de todo o Brasil. Atuava quase só na defesa e era nessa tribuna que exibia suas
mais notáveis qualidades: profundo conhecimento do Direito Penal, presença de
espírito para respostas mordazes de efeito arrasador sobre os adversários, um
poder de persuasão irresistível, carismático, quase hipnótico. Conseguiu em
alguns julgamentos memoráveis, reverter e inverter expectativas, absolvendo
réus que já tinham sido antecipadamente condenados pela opinião pública. Além
disso, atuava com erudição e mestria em todos os demais campos do Direito.”
A
clara evidência, a obra do Mestre é notável. Avançado para sua época, pois
escrevendo sobre assuntos diversos conseguiu consolidar a sua produção cultural
nos mais variados campos do conhecimento humano. Dir-se-ia que João Medeiros,
na intelectualidade, foi um clínico geral, tal a diversidade dos assuntos
abordados, todos eles com rigor técnico e revestidos de ampla maturidade. A sua
produção teve início com NOTAS DE UM PROMOTOR PÚBLICO – Imprensa Oficial –
Natal – 1933, seguindo-se: ELOGIO DO JURISTA – Imprensa Oficial - Natal – 1936;
MORTE POR ELECTROPLESSÃO – Epitácio Cia – Natal – 1937; MEU DEPOIMENTO (Sobre a
Intentona Comunista de 1935) – Imprensa Oficial – Natal – 1937; DEBATE
JUDICIÁRIO EM TORNO DO PROBLEMA DA LEPRA – Tipografia Augusto Leite – Natal –
1941; DISCURSOS E CRÔNICAS – Tipografia Augusto Leite – Natal – 1941; O DEVER
DO ADVOGADO EM MATÉRIA CRIMINAL – A. Coelho Branco Filho – Rio – 1943; AÇÃO DE
RESCISÃO DE CONTRATO – A. Coelho Branco Filho – Rio – 1943; TERRAS DEVOLUTAS –
Tipografia Comercial – Natal – 1943; LIQUIDAÇÃO DAS DÍVIDAS DOS PECUARISTAS –
Imprensa Oficial – Natal – 1950; ANULAÇÃO DE CASAMENTO POR DOENÇA MENTAL –
Tipografia Galhardo – Natal – 1951; APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE MAGISTRADO –
Tipografia Galhardo – Natal – 1952;
REAJUSTE PECUÁRIO – José Konfino – Rio – 1953; ERRO ESSENCIAL DE PESSOA
– José Konfino – Rio – 1954; O DIREITO E AS CIÊNCIAS BIOLÓGICAS – Publicação da
Faculdade de Direito de Recife – 1958; CEDERNOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO –
Imprensa Oficial – Natal – 1966; IMPEACHMENT E CRIME DE RESPONSABILIDADE DOS
PREFEITOS MUNICIPAIS – Editora Resenha Universitária – São Paulo – 1977; e
tantos outros de igual expressão científica e literária.
Na
verdade, o Dr. João Medeiros teve uma existência marcante sob todos os
aspectos: jurista, historiador, jornalista por vocação, pesquisador, fundador e
membro de academias, em muito valorizou o Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, tanto que, várias de suas
obras pertencem ao acervo desta vetusta Instituição. Certa vez o Ministro
Seabra Fagundes disse-me em Belo Horizonte: “João Medeiros Filho é um dos
melhores Advogados que eu conheci”. Também para o desembargador Ozias Nacre
Gomes, da UFPB- “Dr. João Medeiros honra a classe dos advogados pelo talento,
pela cultura jurídica e pela universalidade de sua cultura”. De sua vez, o
escritor e poetaNei Leandro de Castro, no seu Romance “Em Tempo de Rebelião –
AS DUNAS VERMELHAS” – destaca a envergadura intelectual do nosso homenageado,
conforme se observa às páginas 149, e seguintes.
Desejamos
dizer, que tivemos o privilégio de ter convivido com o Dr. João Medeiros Filho
durante os seus últimos vinte anos de vida. Ao passar do tempo, o velho Mestre
continuava o mesmo: atento, produtivo, brilhante professor de Direito e de
lições de vida. Ao lado dele aprendemos a defender o direito dos outros,
especialmente, dos menos favorecidos. É dele o ensinamento que vale para todos:
“Não digo que o meu cliente é santo ou demônio, entretanto, exijo que seja
respeitado o seu direito”.
No próximo
dia 30 de julho o Dr. João Medeiros Filho que nasceu no ano de 1904, na cidade
de Campina Grande, completaria 112 anos de trepidante existência. Se Câmara
Cascudo considerava Natal “a noiva do sol” para João Medeiros certamente Natal
seria a sua amante.
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- Fontes
pesquisadas: “Relembrando João Medeiros Filho”, livro organizado pelo
Prof. João Batista Pinheiro Cabral- Coleção Mossoroense- série c – vol.
DCL
– 1.990.
- A
família do Dr. João Medeiros Filho, especialmente os relatos do seu filho
Dr. João Medeiros Neto, meu cunhado e marido de minha dileta irmã Luciene
Botelho Medeiros.
- Minha própria
convivência durante vinte anos com o mestre João Medeiros Filho.
- Jornais
e publicações do Estado, com destaque especial para Woden Madruga.
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