27 de abril de 2016

O meu, os teus; Tesouros de Sant’Ana




Por João Bosco de Araújo*
Jornalista Triângulo preto para a direita boscoaraujo@assessorn.com  
     Salvai-me Sant'Ana, teria dito o vaqueiro ao se livrar de um touro bravo às margens do rio e do poço que guardava água abundante, a vida toda. Assim nasce a história, contada por nossos antepassados, dos primeiros habitantes civilizados da região do Queicuó, a partir de uma fé e de uma religiosidade reconhecida, ou mesmo a fé cósmica de nossos ancestrais primitivos, ainda que bem pertos.
    A súplica do vaqueiro nos remota ao tempo de nossos desbravadores, colonizadores europeus de cujo povoamento por estes rincões somente foi iniciado depois da região - no litoral - ser reconquistada pela Coroa portuguesa nos embates com os holandeses no Século XVII. A civilização nos chegava tarde, desde o Descobrimento, e por “decreto” e medo. Medo de outras invasões, novos invasores.
    E afinal, O Tesouro de Sant’Ana o que tem a ver com essa história. Primeiramente, quero me deter a respeito da grafia do nome de Ana, mãe de Maria. Percebe-se que o caicoense e arredores ao escreverem preferem juntar o título de santa usando apóstrofo: Sant’Ana, em vez de Santana, quem sabe para diferenciar do nome comum das pessoas. Uma tese. Nesse caso, o nosso escritor não foge à regra. Se bem, em tradição e costumes somos fartos, talvez por isso de sermos taxados de bairristas. No bom sentido!
   As histórias e estórias d’O Tesouro de Sant’Ana (o sinal é meu) são de uma peculiaridade extrema, esplendorosa criatividade do autor. Sidney Caicó é uma pessoa das mais observadoras, tem um senso de análise fora do comum. Desde criança. E o conteúdo do livro se constroi nessa criação, formada a partir de “fragmentos de imagens ou frases contidas na mente de uma criança, repassadas através dos tempos por pessoas que nascem com o dom da prosa. Uma boa prosa no alpendre da casa, na reunião com a família, acompanhada de um bom café. Histórias e estórias que falam da gente, através de nossa gente, prosas que fazem parte de uma teia que se interliga com outras que nos permeiam a vida e formam nossa cultura”.
    É assim que o autor intercala personagens fictícios com a realidade vivida por antepassados de um povoado sertanejo no interior do Rio Grande do Norte. Uma prosa misturada ao bel prazer de quem viveu essa realidade.
   Uma saga sertaneja? Por ai veremos que as personagens apresentadas são extraídas da região Seridó, embora o Tropeiro Manelantônho, que centraliza o enredo do livro, viaje através dos tempos, atravessando sertões e litoral do Brasil e meio-mundo afora, como Estados Unidos e Triângulo das Bermudas, acolhendo amigos e inimigos. Nesse contexto, trabalha secretamente para os aliados da Segunda Guerra Mundial e se torna fornecedor para os cangaceiros mais famosos da história do País, Lampião e Antônio Silvino. Sem contar que é amigo do jovem Frei Damião.
   Envolvidos em peripécias, outros personagens Primo, Daneco e Lãmprio se metem em situações nada convencionais, como nas aparições de objetos voadores não identificados, extraterrestres, aventuras nunca imagináveis, nem a uma santa, na publicação, Nossa Senhora Sant’Ana. Drama, terror, misticismo, medo, paixões, botija, carro-de-boi de ouro, e a prosa se torna tão real que mesmo alterando a história, por ser contada com tanta convicção e entusiasmo, convence o leitor de que tudo, por mais que seja fantasioso, se torne realidade em O Tesouro de Sant’Ana.
   Tudo é fantástico, literalmente, e cada um dos treze capítulos apresenta cenas vividas no tempo e espaço de cada personagem, através do qual, propositalmente, os verbos falados podem estar no presente para criar a convicção e transformar a ficção em uma realidade mais próxima do leitor. Ou seja, quando um personagem se remete ao passado logo se percebe que o diálogo discorre no presente.
   O autor utiliza o pincel da imaginação ainda de quando criança ouvira as prosas dos adultos no alpendre - outro exemplo, a latada da casa, muito comum na região - e alegra-se com as alegorias que servem de cenários para dar vida às prosas no livro, em um criativo mundo de cores, ambientes e personagens que irão povoar a imaginação do leitor, na compreensão do diálogo apresentado.
   Pretensioso, ou não, o autor busca em O Tesouro de Sant’Ana uma analogia cinematográfica, ou mesmo cenário de uma surreal peça teatral. As histórias e estórias se passam em mais de um século, entre os anos de 1900 a 2010, embora as origens dos antepassados se firmem no Século 19, de onde nascido das raízes do Umbuzeiro, comunidade rural caicoense, Sidney é bisneto de Manoel Antônio e neto de Manoel Salviano, e foi um dos organizadores do encontro das Famílias Antônio e Salviano, iniciado em 2008, que se realiza durante a Festa de Sant’Ana.
  Fico muito grato pelo convite para escrever o prefácio, aliás, ele me confidenciou há tempo que o livro estava pronto, disse que também teria mostrado a Caboré, o jornalista Orlando Rodrigues, que foi vizinho dos Antônio na Praça José Augusto e seu filho é casado com uma prima de Sidney. A propósito, o livro de Caboré, O Fogo da Pedreira, de 2001, no centenário do histórico acontecimento da Fazenda Pedreira pelo cangaceiro Antônio Silvio e seu bando,  tem minha a apresentação, através de artigo publicado no jornal Tribuna do Norte, intitulado “Pilão-Deitado no fogo cruzado de Pedreira”.
Salve Sant’Ana! 

Ê boi, ô vida de gado! Viva Tijoca, vaqueiro valente das bandas do Imbuzeiro.

*Esse texto é o prefácio enviado para a publicação do livro “O tesouro de Sant’Ana”, de autoria de Sidney Caicó, recentemente publicado pela Editora Multifoco (RJ), que embora tenha excluído trechos do artigo, agora se torna público, originalmente, na íntegra.

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