Anchieta Fernandes
Pois é: estes (ou
estas? Geralmente, na língua portuguesa a sua designação é no feminino:
serpente, cobra, víbora) animais da espécime dos ofídios também tem sido
mostrados nas telas dos cinemas, computadores ou tvs em diversas situações e
sob diversas intenções de diretores e estúdios produtores. Alguns países do
Oriente são as terras dos encantadores de serpentes. Estes profissionais que
enganam as cobrase as próprias pessoas que olham o espetáculo. Pois, já que as
cobras tem uma audição muito fraca, elas sobem dos cestos quando os flautistas
os destampam, não por ouvirem a música , e sim não somente por terem o impulso
da postura ereta, mas por ficarem quase hipnotizadas com os movimentos dos
braços dos tocadores de flauta, para cima e para baixo e para um lado e para o
outro.
Ver este movimento, mas
também ouvir a música foi o que motivou a pequena personagem do filme O Balão Branco (1995, dirigido pelo
iraniano JafarPanahi)a se arriscar a ir aos
locais das ruas onde ficam os encantadores de serpentes, locais estes proibidos
para as crianças, intuindo esperteza para a vida, com as cenas ilegais que os
encantadores de serpentes praticam, inclusive tomar dinheiro de crianças. Mais adiante, falarei do que as cobras,
serpentes etc. significam de negativo e de ruim para os seres humanos. Embora
não se possa esquecer que, como mostrou o pequeno curta-metragem (9 minutos) Por
Exemplo, Butantã, de Roman Stulbach, está-se sempre produzindo no instituto
paulista soros anti-ofídicos, para serem usados na imunização das vítimas das
picadas de cobras.
Ao
longo da História do Cinema, tem outros relacionamentos de crianças com cobras,
seja para enfrenta-las e destruí-las, seja como adaptação à ação das cobras em
nível de espiritualidade e poesia. O filme Kaliya(ou
A Serpente Kaliya, na versão em
português para dvd, dirigido por DhumdirajGovindPhalke, é um dos pioneiros do
cinema indiano. Foi realizado em 1919. Conta passagens da vida da divindade
Krishna quando ela era criança. São três episódios: a vingança da pequena deusa
contra uma mulher que ofendeu seus amiguinhos crianças; uma pregação de susto
noturno em um casal; e o final apoteótico, a pequena deusa domando a serpente
marinha Kaliya, e sendo aplaudida entusiasticamente no vilarejo, beijada e
carregada aos ombros pelos homens.
Além de ter dialogado
com uma cobra de umzoológico no primeiro filme da série(Harry Potter e a Pedra Filosofal, de 2001, dirigido por Chris
Columbus), em Harry Potter e a Câmara
Secreta (o segundo filme da série, de 2002, também dirigido por Chris
Columbus), o pequeno bruxo se depara com a presença do basilisco, a serpente
fabulosa. Que queria matar ele e sua amiga Gina Wisley. No entanto, Potter
consegue matar o basilisco,e salvar a ele próprio e sua amiga, com a ajuda de
uma coruja vermelha, cujas lágrimas, derramadas nos ferimentos, agem como um
antídoto contra o veneno da grande cobra. Sob a direção de Columbus, as
encantadoras estórias de J.K.Rowling se tornam clássicos da sétima arte, onde a
peçonha das serpentes perde todo o seu poder maléfico.
Outro filme muito
bonito, que mostra também o relacionamento de crianças com cobras, embora de
maneira mais simpática aos ofídios, é O
Pequeno Príncipe, adaptação musical do diretor Stanley Donen em 1974, feita
a partir da obra original de Saint-Exupéry. Quase ao final do filme, a cobra
pica mortalmente o pequeno príncipe, que em espírito volta para a sua pequena
estrela, mas deixando seu sorriso maravilhoso brilhando em cada uma das estrelas
que o piloto que tivera seu avião avariado no deserto, passa a contemplar
enquanto levanta vôo de novo após consertar o avião.É um filme belíssimo,
emocionante, onde quase dá para intuir o destino das cobras, metaforicamente
mais nobre. A deste filme diz ao seu interlocutor que sua picada é indolor.
O animal peçonhento
causa medo e raiva quando não se tem uma convivência compreensiva com ele. No
filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia,
de 2000, dirigido por Sérgio Bloch e Tânia Lamarca, acontece uma situação
comparativa de medos que nascem em aglomerados culturais diferentes: a pequena
índia interpretada por Eunice Baía se assusta, fica com medo do
relógio-despertador de um barco que dispara a campainha.Joninho, um menino
branco que se torna amigo de Tainá, fica apavorado ao ver uma cobra, corre
chamando a indiazinha para protege-lo, e encontra ela, tranquila, segurando ao
pescoço uma grande cobra, que ela diz ser a protetora de tudo que existe,
árvores, rios etc. É a pureza deste imaginário indígena que dá a conotação
poética que fertiliza a visão infantil sobre animais, inclusive cobras.
E as mulheres? Como é o
relacionamento delas com cobras no cinema? Lembre-se, antes de tudo, que existe
uma expressão popular que define mulheres ruins, malignas: “esta mulher é uma
cobra” (ou, às vezes, detalhando a família de um ramo de cobras: “esta mulher é
uma cascavel”; ou: “esta mulher é uma jararaca”; talvez se se quisesse
denominar uma que fosse a representante da máxima ruindade feminina,
poder-se-ia dizer: “esta mulher é uma taipan”, pois, de origem australiana, a
taipan (oxyuranusscutellatus) é a
cobra mais venenosa que existe, picando a pessoa várias vezes seguidas. Seu
veneno faz efeito mortal em poucos minutos. A mais venenosa do Brasil é a coral
verdadeira (gênero micrurus), cujo
veneno mata a vítima em algumas horas, se ela não for logo socorrida. O veneno
age sobre o pulmão e coração.
Mas é mesmo somente uma
expressão metafórica popular, pois não existem mulheres-cobras, a não ser em
férteis imaginações artísticas, fabulares etc. Cobras são animais répteis da
espécime dos ofídios, e mulheres são também animais (racionais), bípedes, da
espécime dos hominidas. No entanto, não resta dúvida que no cinema, algumas
vezes, a imagem das cobras aparece junto da imagem das mulheres. O que pode ser
reforçado com a lenda bíblica, segundo a qual o próprio Satanás usou a forma do
animal ofídico para tentar o suposto primeiro casal da espécie hominida, Adão e
Eva, sugerindolhes (falando a Eva) a comerem do fruto da árvore que Deus havia
proibido eles comerem, pois então seus olhos se abririam e eles passariam a
conhecer o bem e o mal. E Eva comeu e deu da fruta a Adão.
Esta cena empreendida
por Satanás sob a forma de serpente, que teria gerado o Pecado Original, foi
filmada por John Huston para o seu filme “A Bíblia”, realizado em 1966. No
contexto de filmes históricos da história do cinema, alguns focalizaram a vida
da rainha egípcia Cleópatra e seus amores com os imperadores romanos Júlio
César e Marco Antônio. Como ela era muito bonita, achava que poderia conquistar
qualquer poderoso com seus encantos. Não conseguindo a façanha com outro
imperador romano, Otávio, desgostosa suicidou-se deixando-se picar por uma
cobra. Assim, em qualquer filome sobre Cleópatra as cobras são essenciais a se
fazerem presentes nos cenários. Uma das primeiras intérpretes de Cleópatra foi
ThedaBara, em filme de 1917 dirigido por J.Gordon Edwards. Uma das mais bonitas
foi Elizabeth Taylor.
No Brasil, um dos
filmes que mostrou o relacionamento amistoso entre mulheres e cobras foi Luz delFuego, realizado em 1981 pelo
diretor David Neves. Conta a história da pioneira do naturismo no Brasil, que
se apresentava em shows nos anos 50 do século passado, “vestida” apenas por
cobras que deslisavam em seu corpo nu. A atriz Lucélia Santos, que interpretou
Luz delFuego, emdebora tendo crises de insônia e choro diante da perspectiva de
ter jiboias passeando em seu corpo, terminou por criar uma relação de
verdadeira dependência afetiva mútua entre ela e uma das cobras, a que ela
batizou de Virgínia, de três metros, e que se enroscava no corpo da atriz e
esfregava a cabeça em seu rosto. Aliás, no filmeBladeRunner o Caçador de Andróides (1981, Ridley Scott), tem uma
replicante que dança com umacobra numa boate, o que pode representar
sensualidade.
Filmes deste tipo podem
levar a outra especulação: e o relacionamento de homens com cobras no cinema,
elas podem ser atrativas ao gênero masculino da espécie hominida por
representarem sensualidade, seu corpo sugerindo uma forma fálica? Pode ser. Mas
existem outros motivos de atração. No 1º documentário da série “Selvagem ao
Extremo”, o cineasta João LuisUrbaneja documentou a coragem e o entusiasmo do
cientista aventureiro Richard Rasmussen, arriscando de frente o contato com
animais silvestres perigosos. Ele segura uma cobra sucuri e grita: “Que linda!
Que linda! Que lindo animal!” Então, se pode saber que para Rasmussen cobras
não são símbolos de sensualidade, ou armas para se suicidar, e sim elementos de
preservação dos biomas nacionais, seja no Sul da Amazônia ou Pantanal Norte.
Independente de ser o
espectador homem oumulher, uma pergunta a mais: porque filmes como Serpentes a Bordo (2006, David R.
Ellis) se tornam de repente sucesso na Internet (blogues, outros sites), para
em pouco tempo fracassar diante do público em geral? Talvez a falsidade de
algumas das cobras que atacam os passageiros do avião, criadas por efeito
digital, correndo com velocidade exagerada, foram o estopim de desencanto do
público que esperava desfrutar de mais um disastermovies
aviatório. Em reportagem na revista Set,
o diretor Ellis se explicou: “Serpentes não é uma piada, é um filme que se leva
a sério, mesmo com sua premissa absurda”. E o ator Samuel L.Jackson: “Eu nem
quero que os críticos vejam Serpentes – fiquem em casa! O que me importa é o
moleque com o rosto coberto por espinhas e que de fato gosta de juntar a turma
para ir ao cinema.”
E as metáforas
negativas a respeito de cobras que perpassam o núcleo de determinados filmes?
Porque o filme de Bergman se chama O Ovo
da Serpente? Diz o personagem Dr. Vergerus: “É como o ovo da serpente.
Através da fina membrana, já se percebe o réptil perfeitamente formado.” O
crítico Jairo Arco e Flexa, da revista Veja,
complementou:“Com essa imagem, Bergman procurou mostrar no filme como nasce o
nazismo – e, por extensão, todo tipo de regime totalitário” (revista Veja, 19/09/1979). Ou seja: o ovo da
serpente não disfarça o corpo do réptil, visto através da fina membrana. E o
nazismo pode ser observado através dasfinas idéias soltas em folhetos
disfarçados de puras plaquetas literárias. É preciso um combate sério. È
preciso destruir o ovo e mostrar idéias realmente novas e não as membranas
idéias de plaquetas superadas.
A forma do corpo da
cobra e sua lembrança referente ao assassino de Maria Goretti. É no filme Céu Sobre o Pântano (1949, de Augusto
Genina): crianças encontram uma cobra, e logo em seguida uma tomada em câmera
alta do assassino de Maria Goretti, fazendo ele parecer uma cobra. No filme Adoradores do Diabo (1987, John
Schlesinger), o sacerdote do mal adquire poderes, como, por exemplo, colocar
cobras no ventre de um homem. Mas aí já é um exagero quanto ao uso das cobras
para intervenção maléfica no corpo de uma pessoa, um exagero que talvez o
próprio José Mojica Marins não usaria. Mas os exageros do filme Eraserhead (1976, David Linch), como,
por exemplo, um personagem abrir a boca e uma pequena cobra sair voando de
dentro da boca, são explicáveis porque o filme é de um teor surrealista,
lembrando contos fantásticos góticos.
Por ser a cobra um
animal rastejante e traiçoeiro, em algumas cenas de filmes há a conotação
dessas características do animal, através de momentos de suspense: no filme Os Caçadores da Arca Perdida (1981,
Steven Spielberg), o personagem Indy desce num fosso, encontrando várias
serpentes. São serpentes de verdade, separadas do ator Harrison Ford por uma
parede de vidro. Durante a filmagem de uma das cenas, uma cobra chegou a cuspir
veneno no lado do vidro onde estava. O filme Vício Frenético (2009, Werner Herzog), começa mostrando “na Nova
Orleans destruída pelo furacão Katrina , uma cobra desliza pela água escura e
oleosa que inundou um xadrez, no qual um único preso foi esquecido” (Isabela
Boscov, em comentário sobre o filme na revista Veja, de 20 de janeiro de 2010, onde ela opina também que o filme
“é uma criação integralmente original.”
Enfim, a presença de
serpentes é um verdadeiro mosaico de variedades. Seja a magia do desenho
animado de Hong Kong Panda e a Serpente
Mágica, dirigido por TalijiYobushita em 1975. Seja o filme de aventuras Os Caçadores da Serpente Dourada (1982,
Anthony M. Dawson), quase uma imitação das aventuras de Indiana Jones, no caso
a procura aqui é pelo amuleto, a serpente dourada, que também é cobiçada por
fanáticos religiosos. Interessantes também são as cobras não verdadeiras,
apenas fabricada em forma de brinquedos. No filme“Meu Pé de Laranja Lima”(realizado em 1970 pelo diretor Aurélio
Teixeira, baseado em livro de José Mauro de Vasconcelos), o personagem Zezé (um
menino), em determinada cena prega um susto numa transeunte mostrando-lhe uma
cobra de papel. É o animal do mal prestando-se ao ludismo da criança.
Não se esqueça também
que a imagem da serpente, da cobra etc., está na cabeça de diretores ou dos
tradutores dos títulos dos filmes para o português, de tal maneira forte que
cobras estão nos títulos sem aparecerem no enredo. Foi o caso de Na Cova da Serpente (1948,
AnatoleLitvac), Blonde Cobra (1963,
Ken Jacobs), Parente é Serpente (1992,
Mario Monicelli). Contudo, é bom mencionar aqui um filme, que tem cobras no
enredo (com idéia absurda: um cientista que tenta transformar um homem em
cobra), mas cujo título é quase um objeto a ser lido como significante, mais do
que como significado. Foi SSSSSSS,
realizado em 1973 pelo diretor americano Bernard Kowalsky, e que, como se vê,
tenta imitar o silvo das serpentes através de uma onomatopeia originalíssima.
Kowalsky é um dos diretores de grande reputação como representante dos estúdios
B.
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