18 de novembro de 2014

Pescador, inspiração de uma cultura


Katya Regina

Hoje é o dia dedicado ao pescador. Incrível, não? Muitos nem se lembram e a maioria talvez nem saiba que ele é uma das figuras mais representativas da nossa cultura e do nosso folclore. Este homem, as vicissitudes e sua vida em alto mar, a importância sócio-econômica da atividade que desenvolve já foi e ainda é cantada em prosa e verso pelos nossos poetas, e por diversas vezes serviu de motivo para pintura em telas de pintores da terra.
Há mais de 50 anos que somente na semana que antecede a data dedicada a São Pedro, padroeiro do pescador, é que a própria classe reúne-se para organizar a festa em sua homenagem. Como todas as comemorações festivas das populações mais humildes, consta da programação atos litúrgicos, como novenas e celebrações eucarísticas, além da tradicional procissão pelas águas do rio Potengi, com a imagem de São Pedro conduzida por um barco, previamente designado e provavelmente será o maior e mais bonito de toda Colônia. Esta é para eles uma maneira de demonstrar sua fé e gratidão ao santo que escolheram como padroeiro.

CORDEL
 O folclorista Luiz da Câmara Cascudo dedicou ao pescador uma de suas obras: “O Jangadeiro”. O l livro aborda diversos aspectos desse profissional dentre eles, seus problemas, seus anseios, suas alegrias e principalmente seu trabalho, cujo produto é de extrema importância econômica e também cultural para a região. Outros autores que mereceram destaque na história do Rio Grande do Norte com Luiz Patriota e Ferreira Itajubá escreveram sobre suas aventuras em “Livro D’Alma” e “Terra Natal”, respectivamente.
A literatura de cordel também já lançou diversas edições sobre o pescador, que tornou-se mais conhecido popularmente por serem os exemplares de preço mais baixo e consequentemente de mais fácil poder aquisitivo. O homem que tem como fonte de renda o pescado, ainda tem seu destaque na comida típica da região, como peixe frito com tapioca, peixe cozido com côco, dentre outros que proporciona tanto a população do Estado e da região, como aos turistas opções de escolha de pratos regionais.
Os pintores Newton Navarro e Dorian Gray retrataram através de telas e poemas a atividade artesanal e industrial da pesca. O pescador é o homem que na expressão popular, poderia se dizer que luta para sobreviver, no verdadeiro sentido da expressão. Nos meses de inverno, a situação torna-se mais difícil para ele, tendo em vista que os fortes ventos e as fortes correntes d’água impedem que consiga trazer do alto mar, uma boa, ou até mesmo razoável quantidade de pescado para comercializar, pois é dessa venda que consegue o dinheiro para manter-se miseravelmente.
Na época chuvosa, apesar de conseguirem, a custa de muito esforço e depois de enfrentar os mais sérios perigos, os pescadores conseguem chegar ao alto mar, que em sua linguagem simples diriam: “Só Deus sabe como...”. Aliás, eles não tentam atingir essa dimensão da água, eles têm mesmo é que chegar lá afinal este é seu meio de vida. Mas, em lá chegando, aluta contra a chuva e o frio, os fortes ventos e a correnteza parecem de nada ter adiantado, pois “as carreiras d’água impedem que os aviamentos (instrumentos que usam na pescaria de alto mar) fiquem embaixo da água por muito tempo e a partir daí conseguir capturara o pescado”.

PRODUÇÃO
Cerca de 300 quilos de peixe é o que o pescador consegue trazer para comercializar no verão, quando as condições marítimas lhe estão bem mais favoráveis, é a chamada “época da safra”, no inverno, porém, esse total decresce até para 10 quilos. O que é pior, é que muitas vezes voltam em seus barcos sem trazer nada, junto do nada a preocupação e o sofrimento de não ter como adquirir comida para abastecer a família que na maioria das vezes é numerosa.
A pescaria praticada no Estado é do tipo artesanal. O valor total da venda do produto conseguido pelo pescador é dividida entre ele o barco. Sim, porque 50% do apurado são destinados a despesa do barco e os 50% restante fica para manter a família até voltar ao mar. Grande parte dos cidadãos que dependem economicamente da pesca moram na área que compreende o Canto do Mangue e todo bairro das Rocas e Santos Reis. No Canto do Mangue, local que tão bem caracteriza a atividade pode-se saborear o tradicional peixe frito com tapioca, e os turistas levados pela curiosidade chegam até lá, não só para conhecer o paladar da comida típica, mas também pelos excelentes quadros e paisagens levados para seus países através de fotografia.

ATRAVESSADOR
Eles próprios confeccionam todo material e instrumentos que são utilizados na pescaria, como barco à vela, anzol, nylon, cordas, redes de pesca conhecidas em seu meio por “caçueira”, mas que são fabricadas também em outros tipos e tamanhos, que são denominadas de “tarrafa” e “espinhel”. Há também o covo, com o qual é feita a pesca da lagosta.
Quanto aos atravessadores, que tanto interferem no aproveitamento financeiro que os pescadores poderiam fazer da produção, o Presidente da Colônia dos Pescadores, Geraldo Silva Barbosa, assumiu um parecer bastante estranho aos interesses da classe, pois assegurou que “eles não nos prejudicam”. Justificou seu posicionamento dizendo que “nada favorece ao pescador. Eles não têm uma Cooperativa, as colônias não têm assistência, por isso não posso falar do atravessador. Para criticar e combater a atuação deles tem que nos estruturar primeiro”.
Para Geraldo o que poderia amenizar o sofrimento provocado pelas pecarias condições de vida do pescador, é que as autoridades se interessem em fornecer recursos e assistência as colônias, para que elas tenham condições de ajudar aos pescadores. Nesse dia que a eles é dedicado vão procurar esquecer todas as dificuldades, pois mesmo assim irão participar com entusiasmo e alegria das quadrilhas, côco de roda e demais danças folclóricas características da época.


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Transcrito do Jornal A REPÚBLICA (2º Caderno) 29.06.1980.

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