Paulo Jorge Dumaresq
Expressar-se
por meio da arte para mostrar o melhor do ser humano que cultiva em si tem sido
o ofício do artista plástico Fabio Eduardo Soares dos Santos ao longo de sua
existência. O pintor que transforma o supostamente banal no belo revelou à
reportagem, no Bardallo’s Comida e Arte, com voz pausada e gestos contidos, que
sempre quis eternizar as coisas da vida a seu modo. Era uma necessidade de
ordem orgânica. Nem mesmo o violão presenteado pela mãe o empolgou. Em pouco
tempo, desmontou o instrumento. A pessoa é para o que nasce.
As primeiras manifestações eclodiram no Jardim de Infância
Pinóquio do padre belga Thiago Theisen, em Igapó, onde começou colorindo os
trabalhos escolares e as capas das provas. Estudar no Pinóquio foi essencial
para sua formação artística e contribuiu sobremodo para que Fabio Eduardo
tivesse uma infância rica em aprendizados lúdicos.
Os jogos infantis, o escotismo e os passeios na lagoa de
Extremoz fizeram dele uma criança feliz. Outra pessoa responsável pela formação
do artista foi a prima e assistente social, Fátima Soares. Ela incentivava
Fabio levando-o para o atelier de Levi Bulhões, e o menino, aos poucos, foi
tomando gosto pela arte.
Na infância, gastava o tempo confeccionando e soltando pipas.
O esmero era total. Também construía pandeiros de lata de doce e inventava
aquarelas de cimento sobre papel, que depois coloria com tinta de caneta
esferográfica preta para imitar as gravuras dos livros de educação artística da
mãe que, na época, fazia o magistério.
De Igapó,
Fabio foi morar no Alecrim, onde estudou na Escola Estadual Instituto Ary
Parreiras. Nas aulas de “Educação para o trabalho”, conheceu as técnicas de
pintura em vitral, talha sobre madeira, pintura sobre tecido, estamparia,
pintura sobre camiseta e xilogravura. Com isso, começou a fazer ilustrações de
He-Man, Esqueleto, super-heróis, anti-heróis em camisetas e vender para os
colegas de turma. Vendo o potencial do pré-adolescente, um serigrafista o
chamou para preencher nanquim sobre papel vegetal em seu atelier.
Por
influência dos colegas do Ary Parreiras, Fabio começou a surfar. No trajeto
para a praia dos Artistas passava na avenida Campos Sales onde, entre curioso e
encantado, flertava com uma escola de arte: o Atelier Central, administrado
pela Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC). Aquele ponto
luminoso em Petrópolis mudou sua biografia. Os pinceis, desenhos e quadros ao
alcance da vista despertaram a curiosidade do jovem.
No ping-pong da vida, trocou o Ary Parreiras pela Escola
Estadual Augusto Severo, em Petrópolis. Lá, conheceu colegas que estudavam no
Atelier Central e a rapaziada o levou para visitar a instituição. “Quando
cheguei no Atelier, o professor Luiz Elson já me perguntou se eu queria fazer a
matrícula e assistir a primeira aula. Fiz uns testes, fui aprovado e passei
três anos da minha vida estudando no Atelier Central, de 85 a 88”, depõe o
artista.
A venda do primeiro trabalho, um artista plástico nunca esquece.
No caso de Fabio Eduardo, foram três obras na exposição de final de ano das
turmas do Atelier. Influenciado pelo surf, conta que elaborou três desenhos de ondas
a lápis de cor sobre papel Ingres Fabriano. Na sua opinião, o artista
figurativo só será bem-sucedido no seu ofício se souber desenhar.
Indagado sobre os seus mestres nas artes plásticas
natalenses, Fabio Eduardo não titubeia e cita João Natal, Jayr Peny, Luiz Elson,
João Antonio, Aucides Sales e Jomar Jackson, entre outros bambas. De todos esses,
foi Jayr Peny quem mais o influenciou. Conta que frequentava o atelier do
artista em Mirassol e o mesmo lhe dava toques preciosos que contribuíram para a
sua formação.
Passo a passo
A
necessidade de avançar na construção da carreira artística e andar com os
próprios pés – sem grilhões oficiais - fez Fabio Eduardo juntar alguns amigos e
criar o grupo Passo a Passo, na comunidade do Passo da Pátria. O pai do artista
plástico Luiz Anísio disponibilizou um quartinho que passou a ser a sede do
grupo, na beira do rio Potengi. Também integravam o grupo o fotógrafo Adrovando
Claro, o artista plástico Jaelson Júlio e os poetas João Andrade e Alexandre
Tavares.
Lembra que a
primeira exposição do grupo foi na galeria Criare, no Hiper Bompreço, cujo
título era “Papel e Tela”, junção de artes plásticas e literatura. O grupo
chegou a fazer uma exposição no Museu Assis Chateaubriand, em Campina Grande.
Em Natal, o Passo a Passo mostrou seus trabalhos na Galeria Newton Navarro,
Fundação Hélio Galvão, afora a citada Galeria Criare.
A
necessidade de trabalhar para suprir a pequena família – casou aos 19 anos - fez
Fabio Eduardo ingressar na Oficina Viva de Venâncio Pinheiro, como
arte-finalista de serigrafia. Mais três anos se passaram. Em 1989, eis que
chegou o grande momento de fazer a primeira exposição individual na Galeria
Câmara Cascudo. “Foram 12 trabalhos expostos, entre aquarelas, desenhos e
pinturas. Vendi bem. Chico Miséria adquiriu algumas obras para vender na
Galeria Hombre. Foi uma boa experiência”, ressalta. Atualmente, o artista
exerce o ofício num atelier alugado na rua Vigário Bartolomeu, na Cidade Alta.
Influenciado
pelo surrealismo no início da carreira, hoje está voltado para a realidade
local, trabalhando temas caros à sua infância e às tradições populares do Estado.
Mas se engana quem pensa que o artista pinta a realidade nua e crua. Afirma que
transforma o cotidiano em realismo mágico. Nesta vereda, aponta os artistas
brasileiros Sami Mattar, Laerp Mota, Juarez Machado e Ziraldo como referências.
Fabio Eduardo não precisou de compadrio. Fez-se pelo talento.
Gosta de brincar com os objetos, as figuras, as paisagens. A abastada vivência
da infância revelada na brincadeira de bola, do cavalo de pau, do faroeste e no
empinar da pipa foi certamente o suporte que o artista buscou/busca na sua
arte. As pinceladas precisas, as cores vibrantes e o olhar enviesado sobre a
realidade caracterizam seu trabalho e mostram um artista ansioso por
transformar a visão careta, direcionada e conformista do mundo, propondo outro
viés estético-pictórico ao apreciador de arte, como se fosse um prestidigitador.
“Deus criou o mundo e o artista o transforma em mágica”, poetiza.
Eclético, concilia diversas técnicas, como a aquarela, o pastel
e o lápis grafite, contudo a que mais se identifica é o óleo sobre tela. Explica
que a dificuldade de vender trabalhos em outras técnicas o forçou a optar pela
tinta a óleo. Nos dias de hoje – ressalva – o mercado está mais aberto e
consciente para o consumo de arte.
Não é novidade que o cenário das artes plásticas mudou
bastante em Natal dos anos 1980 para cá. Conforme Fabio Eduardo, nos dias de
hoje ficou mais fácil para um artista iniciante expor e vender seus trabalhos,
mesmo sem ter talento. Com o incremento da construção civil, que está
verticalizando a cidade num ritmo acelerado, abriu-se o filão dos apartamentos
decorados com trabalhos de artistas locais.
Questionado sobre uma possível concorrência entre as artes
plásticas e visuais, assegura que não teme o contemporâneo. Para ele, o que tiver qualidade se manterá no
mercado. Só com o tempo o consumidor e o investidor de arte vão distinguir uma
obra verdadeira de um engodo moderno de apartamento decorado.
O perfil da clientela de Fabio Eduardo não é diverso do
comprador de obras pictóricas da maioria dos nossos artistas. São pessoas
conhecedoras de arte, cultas e ávidas por leitura, como advogados, juízes,
médicos e professores. Arquitetos nem tanto, uma vez que o foco é na parede e
não na obra de arte. “Em que pese vender para outras cidades, eu adoro Natal.
Não sairia daqui para nada. Natal é uma cidade que tem muito a crescer, não só
do ponto de vista urbano e vertical, mas principalmente no lado cultural e artístico”,
assevera.
Por outro
lado, afirma que o natalense ainda não dá o devido valor a uma obra de arte na hora
de sua aquisição. Há sempre a velha
pechincha. Enquanto que em João Pessoa, por exemplo, um artista iniciante
consegue dar vazão à sua produção por muitos cobres a mais que um artista
natalense renomado. A respeito dos marchands, comenta que a relação é boa,
inclusive o reconhecimento como um dos nomes consagrados das artes potiguares
deve aos mercadores de quadros. Conforme o artista, na galeria de arte o
trabalho fica mais valorizado e todos ganham. Para ele, artista não devia
vender pessoalmente seus trabalhos.
Revelações
Se
a arte estabelece valores humanos como apregoam, para além das telas Fabio Eduardo acredita num mundo sem
preconceito de cor, sexo, religião e condição social. Um mundo sem intolerância
e vestido com a cor da paz. Na qualidade de artista, não se acha um ser
“normal”, nem de perto nem de longe. Confessa que não segue regras.
Considera-se um anarquista de verdade. É como se define ideologicamente. Votar
em político, não vota mais. Há vários pleitos abdicou do direito de votar.
Nascido no
berço de uma família religiosa e na condição de ex-aluno do arauto da fé Thiago
Theisen, não teve como escapar do batizado, primeira comunhão e crisma. Homem
feito, não frequenta igreja, mas acredita em um ser superior além da nossa
imaginação. Gosta de todos os santos e pinta-os à sua maneira. Acredita mesmo
nas boas intenções e no altruísmo do ser humano.
Verdadeiro
nos sentimentos, o libriano Fabio Eduardo professa que odeia mentiras. Prefere
a dor da verdade à dor da falsidade. O que não quer para si, também não quer
para os filhos Thiago (19) e Breno (17). Com os pais, a convivência sempre foi
tranquila. Rasga elogios aos genitores. Do alto de seus 42 anos e 30 de artes,
considera-se um homem bem-aventurado e coerente com seus princípios de vida.
Fabio Eduardo também admira as artes marciais. Chegou a
treinar capoeira, kung fu e jiu-jitsu. Indagado se queria acrescentar algo mais
à entrevista, proferiu suas últimas palavras: “Não, não. Acho que falei demais”.
enviezado
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