Paulo
Jorge Dumaresq
Porta
aberta para o imponderável, a arte estabelece valores humanos. Os desejos da
alma quando realizados trazem na conquista dose generosa de ousadia. Aspiração
e arrojo movem a vida de Victor Ferreira de Lima. O ator, dramaturgo, diretor
teatral e jornalista, de apenas 21 anos, é incansável na busca por novos
desafios. O atual é o musical “Mamãe retrô”, que roteirizou, dirigiu, produziu
e ainda encontrou tempo para atuar.
Por sonhar e realizar seus projetos
artísticos, Victor Ferreira é um ser bem-aventurado. Conta que sua felicidade sempre
esteve vinculada à arte. Enquanto as crianças olhavam prosaicamente para o
palhaço no circo, por exemplo, ele procurava observar todo o contexto em que o
palhaço estava inserido.
Na
curta e promissora carreira no teatro, pessoas cruzaram seu caminho e o
ajudaram a realizar sonhos. Isto não teria sido possível sem a família que o
apoiou desde o primeiro instante, incentivando-o a trilhar o bom caminho na
arte teatral. No monótono domingo natalense ir ao Teatro Alberto Maranhão era sagrado.
Revigorava a alma infantil. “Fui uma criança feliz e de muitos amigos. Pude
brincar e fazer as coisas que gostava. Mas sempre minha maior alegria estava
ligada ao teatro”, confessa.
O ator, o dramaturgo e o diretor nasceram juntos. A necessidade de expor
ideias fez de Victor Ferreira um artista completo. Na escola ou no condomínio, o
importante era juntar amigos e familiares para mostrar suas experiências. No
veraneio, produzia texto, ensaiava com primos e apresentava para a praia
inteira. Seu processo de criação é escrever da forma que vai atuar e atuar
conforme a necessidade do texto. Vale o que está escrito.
Passada a época das apresentações
caseiras, Victor decide investir na carreira. Matricula-se no Caic Esportivo de
Lagoa Nova e faz o primeiro curso de teatro. Depois vai para o Centro de
Formação e Pesquisa Teatral da Fundação José Augusto, onde obtém conhecimentos
para seu estofo de ator. Em 2005, aos 13 anos, participa do auto “Jesus de
Natal”, oportunidade em que atuou ao lado de atores experientes da cidade. O tirocínio
estava garantido. O megaespetáculo ao ar livre abriu os horizontes do artista
em formação.
Ainda em 2005, publica o livro
“Cordel – a literatura do sertão”. Muito embora um ser urbano, a paixão pelo
cordel aflorou cedo. O fascinante mundo das métricas e rimas – e nunca dor - virou
um hobby, e como sempre tiveram pessoas e instituições que acreditaram em seus
projetos. A escola NEC – Pinguinho de Gente resolveu editar o livro.
A
única pausa na carreira foi para cursar Comunicação Social (jornalismo). “Hoje
consigo encaixar o teatro de maneira equilibrada. Estou descobrindo que posso
ser ator e jornalista ao mesmo tempo. Posso ser feliz e viver das duas coisas.
Neste tempo todo eu fui aprendendo a empreender também. Trabalhar com a questão
da logística. Gosto que as coisas saiam exatamente do modo que eu concebi. Eu
sou feliz fazendo tudo isso”, comemora.
Dueto
Em
2009, Victor Ferreira funda a Cia. Teatral Dueto, juntamente com a cantriz
Clara Menezes, apresentando o musical infantil “O fantástico reino de Felizconto”.
Profissionalmente, foi a primeira experiência do artista. O espetáculo ficou em
cartaz durante três anos, sendo apresentado em sessões abertas e fechadas para
projeto escola.
Quem
pensa que o diretor surgiu para a cena teatral com a Cia. Dueto incorre em
erro. No período de três anos, foi contratado pela escola em que estudara para
ministrar oficinas de iniciação teatral para crianças. O resultado disso foi um
número considerável de esquetes e peças. Inclusive, a concepção de “Mamãe retrô” surgiu numa
oficina, com o nome de “Acorda, recorda”.
Alçar
voos mais altos com a Dueto é o escopo de seu fundador. Embora a felicidade –
conforme ele – esteja no voo em si. No musical, encontrou-se. Na vida,
desasnou. “Eu pretendo fazer com que o mercado de musicais cresça em Natal.
Identifico-me com o público infantil que considero muito honesto. Eu sei se uma
criança gostou ou não do trabalho”, comenta. Adiante, destaca: “Outra questão é
levar a família inteira para o teatro. Apenas o infantil consegue isso. A ideia
é fazer com que a família se divirta e também reflita sobre as metáforas”.
Victor
Ferreira também pensa no público adulto. Revelou à reportagem que começou a
escrever um musical com pitadas de comédia, mas não deu muita pista. Apenas “soltou”
que o tema vai girar sobre as neuroses urbanas, mal dos tempos modernos.
A respeito das artes cênicas em Natal, analisa
que o teatro está em expansão. Novos grupos e companhias foram formados nos
últimos anos e o público tem prestigiado os espetáculos de qualidade. Em sua
opinião, o teatro natalense passa por uma fase de renovação e evolução.
Sem
entender muito bem como funciona a política das fundações de cultura da capital
e do estado, o artista confessa que não tem costume de inscrever projetos em
leis de incentivo, não por orgulho, mas pela aposta na iniciativa privada.
Prefere escrever a inscrever. Em linhas retas, não tem opinião formada a
respeito das tais políticas culturais das fundações.
Mestres
para Victor Ferreira são seus colegas de trabalho, que o ensinam e, ao mesmo
tempo, aprendem com ele nos ensaios e apresentações. O compartilhamento e a
troca de ideias com sua equipe são o combustível necessário para o aprendizado
diário.
Se
existem indícios da existência de Deus no teatro, Victor crê que seja em cada
espectador atingido pela mensagem. Transformar o cidadão pelo teatro é quase
uma obsessão. Para o artista, talento não é mera aptidão para uma atividade,
mas é a forma que a pessoa utiliza a atividade e a forma com que o artista vai
mudar a vida de outras pessoas: “Tudo caminha em conjunto. Eu não acredito que
você seja um bom artista se não for uma boa pessoa. Particularmente, não sei
separar as coisas”.
Palavras, palavras
É verdade que para ser um bom
escritor ou jornalista é preciso ser um ótimo leitor. Victor gosta de ler.
Contudo, por culpa dos afazeres, não tem muito tempo para leitura de livros.
Tenta compensar com a leitura diária de jornais na redação. O exercício diário
no jornalismo moldou um repórter sensível e bem articulado, reflexo de um ser
humano de escol, que faz uso das palavras para expressar sua intimidade de
sentimentos e seu encantamento pela humanidade.
Vida é luta. Batalha renhida.
Sonhos, projetos e desafios são os motores do artista. Para Victor Ferreira,
fazer arte é um acerto de contas com o mundo. É um modo de compartilhar as
ideias e pensamentos de uma maneira poética que possa tocar e transformar as
pessoas. Afirma que “funciona” mais nos momentos de pressão. A encomenda de
textos/roteiros com prazo curto de entrega é música clássica para os ouvidos do
escritor.
As cores dão vida ao mundo e às
artes. Na condição de esteta do teatro, Victor não descarta nenhum matiz. A sua
arte é multicor como um quadro de Pollock. Cores vivas de verão misturadas aos
sons que gravitam na natureza. Dessa mistura, eclode uma dramaturgia multifária
e instigante. Ser normal é ser feliz. Louco – em sua concepção – é não se
arriscar, não dar a cara à tapa e a vidraça ao estilingue, é não se permitir
sonhar e realizar.
Espiritualizado, o artista afiança
que a religião sempre esteve presente em sua vida, muito mais na prática do que
foi ensinado por Jesus do que na teoria. Para ele, a religião que mais respalda
a prática do amor universal é a doutrina espírita. “Desde pequeno isso foi
muito trabalhado em mim. A minha arte está ligada também às coisas nas quais
acredito”, declara.
Política partidária e governamental
acompanha mais pela natureza do trabalho jornalístico. Corrupção – analisa –
começa em casa. Conforme Victor, os desmandos na gestão pública são reflexos de
pequenos atos cotidianos igualmente corruptos. Ele engrossa o coro das ruas
pela exigência de justiça e moralidade nas três esferas de poder.
A moral da história de vida de
Victor Ferreira é o tempo todo de transformação de si mesmo e das pessoas que
convivem com ele. Seja na vida familiar ou no teatro, o artista procura dar e
receber das pessoas energias positivas e renováveis.
CRÍTICA
Musical “Mamãe retrô” – Cia.
Teatral Dueto
Bem
que o musical “Mamãe retrô” poderia se chamar “Anos 80 em revista”, tal a
fidelidade com que a Cia. Teatral Dueto dialogou com a “década perdida”.
Perdida para quem sobrevivera aos desbundados anos 70. Uma época de ouro para
quem nasceu ou cresceu nos anos 1980.
Imaginemos
reunidos num único espetáculo um exército de personagens heterogêneo, que
inclui desde A Turma do Balão Mágico, de Simony e Tob, ao desenho animado
He-Man, sem esquecer a forrozeira Eliane e o ícone da lambada Beto Barbosa no
Forró Classe A do América FC. Pensou que acabou? Nada disso. Adicione-se,
ainda, A Turma da Xuxa, Angélica e a banda de pop-rock RPM.
Todos
esses quadros e mais alguns outros receberam tratamento independente em “Mamãe
retrô”. A direção imprimida por Victor Ferreira acertou o alvo. Não colocou,
por exemplo, Xuxa e Angélica numa mesma cena. Mesmo com a independência dos
quadros, a direção conseguiu dar unicidade ao musical, muito pelas pequenas
cenas preparatórias – espécie de costura – nas quais os atores aludiam aos
quadros. É importante frisar que os números musicais são de gravações originais.
Opção da direção.
A
singeleza do cenário foi compensada por um banho de luz. Os figurinos também
não destoaram da proposta cênica. O que desafinou foi o didatismo em alguns
diálogos, como citar e apontar o tênis Conga e o Redley. Ou o videogame Atari.
Quase todo mundo sabe que Atari é um videogame. Em teatro, nem tudo deve ser
entregue mastigadinho para o público. Se assim ocorre, vira aula. É de bom
grado citar, ainda, a bala Xaxá, o boneco Falcon, a boneca Barbie, o Forte Apache,
o Lego, Playmobil, walkman e o videocassette, itens obrigatórios na infância e
adolescência de quem passou pelos anos 80.
Um
ponto a ser sublinhado é a coesão do elenco que apresenta Victor Ferreira
(Marcio) – além de interpretar assina o roteiro e a direção -, Vanessa Laís
(Jéssica, a Mamãe Retrô), a cantriz Clara Menezes e Camilla Natasha. Completam
o elenco os atores Lucas Barreto, Thiago Bruno e Ranniery Sousa.
Nascido no início dos anos 1990, Victor
Ferreira não vivenciou a década que homenageou. Aliás, a homenagem é dupla em
“Mamãe retrô”. Principal fonte de pesquisa para a concepção do espetáculo, a
mãe Jéssica mereceu láurea do filho. Inclusive um ramalhete no final da sessão.
Conversando
com o diretor, ele confirmou o que já tínhamos certeza. A intenção da Cia.
Dueto é explorar o veio de musicais na cidade. “Mamãe retrô” é a prova viva do
intento da trupe. Com o túnel do tempo montado no Teatro de Cultura Popular
(TCP), no domingo 7 de julho, a Dueto conseguiu lotar as três sessões, mesmo
com a concorrência da chuva que não deu tréguas. Yes, nós temos musical. Outros
são bem-vindos.
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