Texto de João Gualberto
Os animadores do Circo da Cultura, o veículo da Fundação Cultural do
Rio Grande do Norte que está para ser armado na Praça Augusto Leite, bem que
poderiam realizar um pequeno estágio com os domadores do Circo Garcia, desde
ontem já armado na Rua Maxaranguape, esquina com a Prudente de Morais. Talvez
eles, os malabaristas do Circo da Cultura não aprendessem muita coisa. Mas uma
coisa é certa: para se fazer um Circo é preciso muita dedicação, muita cuca
fresca, paz e amor. O resultado é que, no Circo Garcia, a garotada é quem faz o
espetáculo, antes mesmo da estreia, hoje, no grandioso picadeiro instalado no Tirol.
O Circo da Cultura, criado pelo escritor Sanderson
Negreiros, ainda não é uma atração para a gurizada.
Não tem, como no Circo Garcia, os curiosos tucanos
de bico-da-cor-de- arco-íris, nem as araras multicoloridas, nem o cão negro e
majestoso que late um latido rouco entre as grades de uma jaula, nem os
leõezinhos dorminhocos que não acordam com as brincadeiras das crianças em
festa com a novidade.
Tem, é claro, malabaristas, trapezistas, feras
ainda não domesticadas, palhaços, bailarinos, domadores de poesia, atores de
todas as classes, mas não chega aos pés das estacas que o Circo Garcia plantou
no Tirol.
A realidade é que o circo chegou. O Circo Garcia,
não o Circo da Cultura. A partir de hoje, o Circo Garcia abre uma série de
espetáculos para o público de Natal, com pipocas para as crianças, milho verde
para os adultos, tudo isso nas imediações circenses.
Dentro, debaixo da imensa lona psicodélica do
Circo Garcia, é que os adultos vão ter a oportunidade de saber se já estão
noutra ou se continuam as eternas crianças de sempre.
Sobre o espetáculo, como ele ainda não começou,
nem é bom falar. Cada espectador é que, depois de comprar ingressos e ficar
acomodado, vai julgar o que viu.
Nesses últimos três dias, o que se viu na Rua
Maxaranguape foi assim uma espécie de ensaio do que podem fazer as crianças
como espectadoras deste futuro.
Em grupo, mas sem tanta algazarra, as crianças
botavam os dedos e os medos entre as grades dos três filhotes de leões que
dormiam indiferentes. Os operários, para não fugir ao destino, trabalhavam
noite e dia para armar a gigantesca lona do Circo Garcia. Os artistas, que são
como os operários, pois não deixam de estar trabalhando um minuto descansavam
de mais uma viagem.
E a Rua Maxarangaupe, no trecho entre a Prudente
de Morais e a Mermoz, estava iluminada como nunca esteve. Era uma festa, antes
mesmo do Circo Garcia anunciar o espetáculo que vai ter início hoje.
Antigamente, quando os circos chegavam às cidades,
os poetas eram mais livres e corriam a dar pão aos elefantes. Hoje os poetas
ainda não descobriram a importância de uma “Jaula Aberta”, título do próximo
livro de versos de Dailor Varela.
A própria poesia, latente nos circo e em qualquer
festa, está encoberta pelo cotidiano, se bem que uma ponta de surpresa possa ser
descerrada a qualquer instante. Hoje, por exemplo, quando o Circo Garcia
transformará os sonhos em realidade de picadeiro.
Se existe um remédio para combater a tristeza ou a
desilusão, este remédio não será encontrado em farmácias ou em supermercados.
O remédio é o Circo. Nesse caso, tano faz: Circo
da Cultura ou Circo Garcia.
Como o Circo da Cultura ainda vai ser armado, a
solução imediata é pagar para ver o Circo Garcia. Por sinal, um circo que tem
seus méritos culturais, na brilhante estrela que é o benemérito Antolim Garcia,
brindado pelo Ministério da Educação e Cultura com uma placa solene em que se
faz justiça ao seu trabalho de levar divertimento (cultura é divertimento) a todo o povo brasileiro.
Entre o Circo da Cultura e o Circo Garcia,
portanto, há pelo menos uma diferença de anos e anos de realizações. A placa do
veterano Antolim Garcia, por exemplo, é uma homenagem aos primeiros 50 anos de
atividades artísticas.
Pode ser vista logo na entrada do circo. Já no
Circo da Cultura existe também uma placa, oferecida ao ex-governador Cortez
Pereira, em cujo período de governo inaugurou-se o picadeiro cultural. É
diferente, bem diferente.
De qualquer forma, hoje em dia, tudo é cultura.
Até mesmo o ato de comprar ingresso para um
espetáculo pode ser considerado um “ato cultural”.
O atual responsável pelo Circo da Cultura, o poeta
Deífilo Gurgel, um verdadeiro domador de métricas e ritmos do Parnaso, vai
gostar de ver o Circo Garcia armado ali, em plena rua, cercado pelas crianças
das manhãs.
E, hoje, com o início dos espetáculos, certamente
ele terá uma boa oportunidade para fazer uma projeção de como seria o Circo da
Cultura se fosse um circo convencional. Não é: é um circo, só.
O fato é que, hoje o Circo Garcia abre as jaulas
dos sonhos. Como sempre, as crianças terão prioridade – um diante dos artistas.
E os mais velhos encontrarão um belo motivo para
recordar os tempos de anteontem, quando os palhaços eram mais alegres, os
equilibristas se equilibravam com maior perfeição, os malabaristas eram os melhores
do mundo e os animais falavam com os animais selvagens que moram no coração dos
domadores.
Quer dizer, é tempo de circo em Natal. Deífilo
Gurgel, que já estava ligado no Circo da Cultura, antes de Antolim Garcia armar
os seus divertimentos na Rua Maxaranguape, agora tem uma frase para definir não
somente o momento cultural da cidade, mas o próprio espírito da coisa: “Natal
era a cidade das Academias.
Hoje pode ser considerada a cidade dos circos”.
Transcrito do “Caderno
de Variedades” (jornal A República – 01/07/1979).
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