Homero de Oliveira Costa. Prof. Departamento de Ciências
Sociais da UFRN
No dia 27
de maio de 2014, foi aprovada no senado a PEC (proposta de Emenda à
Constituição) do trabalho escravo, depois de 15 anos de tramitação no Congresso
Nacional. Entre outros aspectos, fica estabelecida a expropriação de
propriedades rurais e urbanas que utilizem trabalho escravo ou análogo à
escravidão. Um dos motivos principais para não votação da PEC ao longo desses
anos era a resistência da expressiva e pluripartidária bancada ruralista.
Mas, se de
um lado, a aprovação da PEC no Senado foi celebrada como um avanço político e
social, por outro lado, recebeu críticas de ativistas e organizações ligadas
aos direitos humanos e a principal diz respeito à aplicabilidade da lei. Para
que seja posta em prática, uma lei específica deve regulamentar de que forma as
expropriações serão feitas, ainda falta ser votado à regulamentação da
expropriação de imóvel urbano ou rural prevista na PEC. A regulamentação
está sob análise na Comissão Mista de Consolidação das Leis e
Regulamentação Constitucional e deverá ainda ser votada no plenário do Senado e
ainda não é a etapa final. Aprovada, a PEC voltará à Câmara dos Deputados.
O Projeto
de Lei do Senado (PLS 432/2013) elaborado pela comissão recebeu 55 emendas, das
quais o relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), acolheu 29. E uma delas, que
tem suscitado polêmicas é em relação ao conceito de trabalho escravo. Muitas
emendas pretendiam incluir a jornada exaustiva e as condições degradantes na
caracterização de crimes, conforme prevê o artigo 149 do Código Penal, que
estabelece como crime “Reduzir
alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposta”. No entanto
o relator rejeitou as alterações. Para
ele, “os conceitos são abertos e subjetivos, por isso não é recomendável
incluí-los na lei”. Esta interpretação (e restrição) atende as reivindicações
dos ruralistas, organizados na Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil, presidida pela senadora Kátia Abreu (PSD/TO), bancada sempre atenta ao
trâmite da PEC no Congresso Nacional.
Na PEC aprovada foi mantida a
definição considera para a caracterização do trabalho escravo “a submissão a
trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da
liberdade pessoal”. Além disso, são considerados
também “a retenção no local de trabalho; a vigilância ostensiva e apropriação
de documentos do trabalhador; e a restrição da locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou representante”. O relator apresentou algumas
modificações, entre elas a retirada da necessidade de trânsito em julgado da
ação penal como condição para a ação de expropriação, assim como a
possibilidade de imóvel registrado em nome de pessoa jurídica ser expropriado.
Outras modificações foram quanto à proibição
de inscrição de acusados de exploração de trabalho escravo em cadastros
públicos, antes mesmo que a ação transite em julgado e outra relativa ao
destino dos bens apreendidos. No projeto original, eles iriam para um fundo
específico de combate ao trabalho escravo, mas o texto aprovado estabelece que
os bens apreendidos em decorrência da exploração de trabalho escravo sejam
revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O projeto estabelece ainda que estão
sujeitos à expropriação os imóveis onde houver exploração de trabalho escravo
diretamente pelo proprietário, que não poderá alegar desconhecimento da
exploração de trabalho escravo por seus representantes, administradores ou
dirigentes. Em caso de aluguel a responsabilidade passa a ser do locatário.
No entanto, a proposta é bem mais
ampla e depende da regulamentação e não há consenso quanto a sua votação
(sequer na bancada petista). Para a senadora Ana Rita (PT/ES), por exemplo,
presidenta da Comissão de Direitos Humanos do Senado, não deve haver pressa no
debate. Para ela: “A regulamentação não pode significar retrocesso à PEC. E o
texto, do jeito que está atualmente, significa retrocesso. Então, precisamos de
um melhor debate”. Como a proposta do relator foi aprovada, caso não haja
pressão e mobilização dos que se posicionam contrários à sua aprovação da forma
como está, são grandes as chances de que seja aprovado o texto tal como
apresentado pelo relator e nesse sentido, a definição do conceito do que deve
ser trabalho escravo ou análogo é fundamental. Caso prevaleça o conceito que
atenda apenas aos interesses dos empregadores – defendidos pela bancada ruralista
– será um claro retrocesso à PEC original. Como disse Elizabete Flores, da
Coordenação Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT (Comissão Pastoral
da Terra) “seria uma forma de fazer desaparecer o trabalho escravo no Brasil
pela “canetada”“. E é como esse entendimento, que a CPT busca apoios de outras
entidades, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para “não
deixar que essa regulamentação passe”.
Como afirma a Juiza Luciana Paula
Conforti , membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho no artigo “Trabalho escravo no Brasil
contemporâneo: um olhar além da restrição da liberdade” (03/02/2014) : “O Brasil necessita evoluir
com a efetiva aprovação da PEC do trabalho escravo, afastando qualquer
tentativa de alteração do conceito de trabalho análogo ao de escravo, já
definido de forma clara no artigo 149 do Código Penal e avançar, ainda mais,
com a aprovação do Projeto de Lei 5.016/2005, que prevê o aumento da pena para
os que cometem o crime”.
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