“O
teatro é a sombra do viver”
Paulo
Jorge Dumaresq
Ele
tem mar no nome. Talvez isto explique sua forte ligação com a
natureza. O pé de pau-brasil plantado em frente ao atelier na rua
Cussy de Almeida, na Cidade Alta, reforça seu amor incondicional
pela natura. Aliás, os elementos do universo físico, processados
pela mente, inspiram o artista a produzir sua obra pictórica.
Marcelo
Fernandes Pinheiro recebeu o Nós,
do RN...
com largo sorriso e atitude solícita. Serviu água e deixou a
reportagem à vontade. Com a programação da FM Universitária
servindo de trilha sonora, propomos ao artista e escultor de 55 anos
para se autodefinir. Vinculou o primeiro nome ao mar. “Marcelo é
do mar, do nadar, do saber, do pesquisar, do buscar. Do mar só quero
uma onda. A minha relação com a natureza é total. É a minha
família”, ressalta.
Aquariano
nascido no segundo dia de carnaval de 1957, Fernandes destaca que
brotou abençoado do ventre da mãe, porque veio ao mundo pulando. Na
vida, precisou dar muitos pulos para conquistar suas vitórias e o
reconhecimento de sua arte. Filho de pais separados, passou parte da
infância com os avós. Desta convivência enlevou-se pela sanfona de
oito baixos tocada pelo avô agricultor. Este foi o ambiente
artístico que encontrou na puerícia marcada por peladas e
traquinagens de menino levado. Revela que o avô herdou o instrumento
do afamado sanfoneiro cearense Zé Menininho. “Admirava meu avô.
Ele tocava valsas com as mãos calejadas de agricultor”, lembra com
um nó na garganta.
No
fluxo e refluxo das ondas da vida, Marcelo morou em vários
quadrantes de Natal. Na rua Pinto Martins, perto do mar e longe da
cruz, aprendeu a admirar e sentir as águas do Atlântico. Fora do
estado residiu em Santos com a mãe e estudou no Colégio dos
Andradas. Novamente o mar no seu caminho. “Morei em muitos lugares.
Tenho lembranças da casa de taipa da Pinto Martins, da Cirolândia e
dessa casinha da Cussy de Almeida (atelier). Jogava bola aqui. Era
driblador. Gostava de fazer a festa. Essa casa é herança de
família”, ilustra.
Se
a arte estabelece valores humanos, o pai da pequena Beatriz professa
emocionado, vertendo lágrimas, que ser artista vem da humanização,
do carinho que recebe e doa. As
cores da sua pintura são o azul e o branco, matizes que explicam seu
fascínio pelo céu e o mar, mais do que supõe nossa vã filosofia.
Antes
de se tornar um artista plástico premiado e famoso, a direção de
Marcelo Fernandes na arte foi o teatro. Integrou o politizado Grupo
Nuvem Verde de Teatro Aberto, o primeiro a montar a obra do
dramaturgo alemão Bertold Brecht em Natal, no ocaso dos anos 1970.
Com “A Exceção e a Regra” e os “Os Fuzis da Senhora Carrar”,
o grupo se apresentou em Aracaju, João Pessoa e Mossoró, entre
outras cidades nordestinas. “Natal estava carente de uma proposta
de teatro político que não tivesse tempo. Era incrível sair do
personagem e conversar com as pessoas nas praças públicas. O teatro
é a sombra do viver”, filosofa.
Parte integrante dos
quadros da TV Universitária, Marcelo produziu cenários para os
programas da emissora estatal, mas abandonou tudo para se dedicar às
artes, preferindo viver da produção pictórica. Com seus
conhecimentos em cenografia colaborou, ainda, no antológico filme
“Boi de Prata”, do cineasta Augusto Ribeiro Junior, rodado em
Caicó e no Rio de Janeiro.
Seu primeiro contato
com as plásticas foi por meio do também artista Assis Marinho.
Marcelo utilizava as sobras do material de Assis para fazer esboços
com giz de cera. Desta iluminação surgiram os primeiros quadros:
“Se não fosse a beleza do traço de Assis Marinho eu não teria
entrado nas artes plásticas. Foi um momento abençoado. Buscava uma
arte própria, individual”, justifica.
O artista contou que
naturalmente procurou o caminho do abstrato, porque as informações
que recebe são abstratas. “O pensamento do artista é complicado
porque trabalha luz, sombra e movimento. Na minha trajetória de vida
acompanhei o céu, a lua e o mar. A lua me enlouqueceu. O único
refúgio que eu tive foi a lua. A lua me refletia. A lua é como a
bola de futebol que rege o mundo”, compara.
Do mercado de artes
plásticas não tem conhecimento e quer distância. A preocupação
do artista é com a qualidade dos trabalhos. No caso dele, qualidade
e quantidade andam juntas, uma vez que produz de forma ininterrupta.
Com Natal incluída no roteiro turístico internacional, hoje o mundo
inteiro consome as obras do artífice dos mil traços.
Marcelo não
precisou de compadrio. Fez-se pelo talento. A insistência em
experimentar materiais diversos culminou na descoberta do Giz de Cera
Multicor. “Quando inventei o giz eu o patenteei nos anos oitenta. A
patente é tipo Modelo de Utilidade (MU). Eu reaproveitei o giz e dei
uma nova função ao material. É muito difícil você patentear
algo. O processo me levou à loucura. Mais fácil inventar do que
registrar. Não quero mais ficar doente. Não tenho mais tempo para
isso. Quero viver”, enfatiza.
Giz multicor em
punho, o artista começou a desenvolver técnica própria, utilizando
o abstracionismo como expressão dos seus sentimentos. O resultado
nos quadros deveu-se aos estudos e observações dos contrastes das
nuvens, das sombras, dos reflexos de luzes no mar e da multiplicidade
de cores durante o pôr do sol: “Sempre trabalhei com a luz
natural”.
Com o tempo, Marcelo
Fernandes foi firmando seu nome, a ponto de participar do Festival de
Artes do Forte dos Reis Magos e do mural da Galeria do Povo. Para
mostrar seus trabalhos realizados com a descoberta da nova técnica,
resolveu fazer sua primeira exposição individual intitulada
“Cristais e Rochas”, na Galeria da Biblioteca Câmara Cascudo,
promovida pela Fundação José Augusto.
Carreira em
ascensão, Marcelo foi escolhido para fazer a capa da Listel, lista
telefônica patrocinada pela antiga Telern, em 1992. Sentindo a
necessidade de mostrar seus trabalhos fora dos limites potiguares,
viajou pelo Brasil e participou de exposições coletivas e mostras
individuais em cidades como Olinda, Belo Horizonte, Salvador,
Brasília, Ouro Preto, entre outras.
O sucesso catapultou
a carreira do artista. Atravessou o Atlântico e na Europa expôs sua
obra ao ar livre em cidades como Paris, Lisboa, Genebra, Madri,
Amsterdam e Londres. De volta para Natal, com a cabeça fervilhando
de ideias e inspirações, ministrou oficinas e participou de
exposições coletivas, individuais e concursos de arte.
A consagração na
cidade berço veio com o primeiro lugar no concurso “I Salão de
Artes Plásticas da Cidade do Natal”, promovido pela prefeitura
municipal, por meio da Fundação Cultural Capitania das Artes. Em
seguida, foi selecionado entre os 20 melhores artistas do Nordeste
para fazer parte de uma exposição coletiva chamada “Concurso
Pireli Pintura Jovem”, no Hotel Miramar, em Recife.
Atualmente, o
artista está se dedicando às tintas que, em sua opinião, trazem
mais tranquilidade. “Para expor eu me preparei muito. Estou
abandonando a técnica que inventei e partindo para um processo de
criação mais lento. Eu quero agora aterrissar um pouco para me
requalificar e me aperfeiçoar. Vim pela contramão para achar uma
mão no entendimento das artes plásticas”, explica.
Em que pese a falta
de reconhecimento local ao trabalho desenvolvido pelos artistas
potiguares, Marcelo não é dos que mais se lamentam, até porque
goza de prestígio no estado. Não veio ao mundo para cobrar nada de
ninguém, visto que, coerente, teria que se cobrar primeiro. “O
reconhecimento é mais espiritual. A arte é espiritualizada”,
declara. Questionado qual seria sua relação com Deus, responde com
os braços flexionados para cima que “Deus é luz, movimento,
trabalho. É o fazer”. E acrescenta: “As energias de Deus passam
por você e você nem percebe”.
As experiências de
vida fizeram de Marcelo Fernandes uma pessoa sofrida. Desconforto
esse - confessa em letra de forma – pelo fato de ter dado alguns
dissabores à família em dias mais antigos, mas, por outro lado,
trabalhou e ajudou bastante seus cúmplices do amor e da amizade.
Contudo não se considera uma pessoa solidária, porque às vezes é
cruel consigo mesmo. Projetos futuros há de executar. Sem dar
detalhes cogita trabalhar com crianças, adolescentes, adultos e
pessoas da terceira idade. “A educação vai ser sempre o caminho”,
indica.
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