DIEGO AVELINO DE MACÊDO
(D. MACÊDO – diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br)
As diversas tradições
judaico-cristãs veem na sua expoente fonte de credo um profundo mistério. O
livro sagrado de ambas as religiosidades externam Deus correspondendo as
imagens dos seres criados. As associações acontecem gerando uma personificação
teosófica desse SER tão (des)conhecido. Os esforços dos religiosos
judaico-cristãos estão numa dedicação descritiva de Deus, para isso, lançam-se
numa linguagem que possa tornar o Divino perceptível ao humano. Portanto, para
este trabalho, analisaram-se os capítulos XXIV, XXV e XXVI do livro “Douta
ignorância” de Nicola de Cusa e os capítulos LXI, LXII, LXIII e LXIV do
livro “Guia dos Perplexos” de Maimônides.
INTRODUÇÃO
A Bíblia está repleta de textos
acerca de Deus de tal modo que, aparentemente, descreve-o como sendo um Ser
cuja natureza divina assume características físicas e/ou atributos sensíveis. Analisando
as obras de Nicola de Cusa e de Maimônides percebe-se, que a promoção do distanciamento
epistemológico entre tais pensadores, enquadra-se na perspectiva da natureza
divina. Para Nicola, Deus é “uno-trino”. Contudo, em Maimônides Deus é “uno”.
Agora, há um certo ponto de aproximação entre ambos, quando eles se posicionam
ser a teologia negativa um bom meio para explicação do divino assim como traçar
associações entre Deus com suas criações – entenda-se, aqui, representando Deus
através de nomes.
Nome divino
"שמע ישראל הי אלוקינו הי אחד" (דברים 06)¹
O ser humano tão limitado, em decorrência de sua
estrutura finita, busca compreender o fundamento de Deus, notadamente, detentor
de uma natureza infinita sobre os moldes racionais. Esta ação árdua rendeu
diversas obras teológicas, contudo, para desenvolvimento deste trabalho haverá
o foco em um pensador cristão [Nicola de Cusa] e noutro judeu [Maimônides].
A fundamentação do pensamento nos moldes da
racionalidade, permite destinar projeções lógicas no reconhecimento de Deus,
i.e., a adefagia em querer entender, desvendar ou compreender o Divino poderá
ser suprida [mesmo que momentânea] no caminho ascese da articulação entre a
razão e o metafísico. Desta maneira, a tentativa de superar a si mesmo para
adentrar-se dentro de um “recinto misterioso” para o cognoscível tem sido uma
condição de constante luta racional. Não é simples tornar compreensível àquilo
de natureza inacessível.
“(...) capaz de conocer a Dios a la medida de su própria
capacidade de recibirle.” EVDOKIMOV, p.15
Os nomes associados ao Divino são pronunciados visando
facilitar a compreensão dos sujeitos. Obviamente, Deus, não seria o nome que
pensamos ser! A mais singela percepção acerca da divindade só poderá estar na
adoção de uma postura racional tendenciosa ao negacionismo – é mais fácil ditar
o que Deus não é [ex.: Deus não é bom; Deus não é perfeito; Deus não é
soberano].
“Saiba que a verdadeira descrição de Deus ocorre por meio
de atributos negativos, que dispensam uma linguagem imprecisa e não implicam
qualquer tipo de imperfeição no que se refere a Ele.” MAIMONIDES, p. 225.
Pois
bem, de todos os nomes ditos acerca de Deus um é mais especial.
Todos os nomes de Deus encontrados nas Escrituras derivam
das Suas ações – isto não deve ser esquecido – exceto um, e este é: “Yod, He,
Vav, He”. MAIMONIDES, p. 239.
O Tetragrama ((יהוה é o nome exclusivo de
Deus representando sua genuína essência. Alguns teólogos tentaram traçar uma
pronunciação para o Tetragrama (YHVH = YodHeVavHe,
heb. transliterado) descaracterizando-se, profundamente, um nome de
cunho impronunciável² da qual sua verbalização correta é desconhecida.
Mesmo assim havia uma situação solene da qual o
misterioso nome de Deus seria pronunciado. Todavia, a pronunciação do nome era
feita somente por um clérigo judeu [Sumo-sacerdote]. A irrestrita
pronunciabilidade deste nome visava evitar profanações.
And here we come to a point the importance of which has
not been fully recognized by the historian. In pre-exilic Israel, as among
other nations, none but the priest, or some holy person, was permitted to
approach the Deity in the sanctuary and invoque the name of Jahve. KOHLER, p.
23.
Os outros nomes associados a YHVH traçam, apenas
uma pluralidade de Deus, entre elas citam-se alguns: צדק,
6אלהים, 5דין, 4רחמן, ³רחמים7
e 8חסו. Essa pluralidade corresponde às ações
divinas, não a um critério ontológico. Assim, os tantos nomes usados para Deus
trazem consigo, apenas o critério derivado de sua existência estar associada às
suas atividades e/ou perfeição. Ditas nas palavras de Dionísio Areopagita, em
seu livro De los nombres divinos, no capítulo V, pgs. 75-82: “Digo
que esos nombres sagrados se aplican a la providencia divina considerada en la
totalidad de sus buenas acciones”.
Mesmo com uma enorme quantidade de nomes, o YHVH
ainda permanece sendo àquele equivalente à essência divina. Esse Tetragrama
denota, portanto, a existência absoluta e eterna de Deus. Nela [YHVH] não há
derivação alguma de nenhum atributo.
Deparando-se, com o texto de Nicola
de Cusa, percebe-se uma abordagem bastante similar de Maimônides – exceto, o
uso de terminologias hebraicas, salvo, a transliteração do Nome Inefável.
Segundo Nicola, seria Maimônides o Rabi Salomão – provavelmente, em
alusão ao grande saber que este rei judeu teve. Esta latente sabedoria está
externado num guia filosófico-teológico nomeado como Guia dos Indecisos
ou Guia dos Perplexos.
Obviamente,
haverá na obra cristã de Nicola uma agregação à natureza de Deus bastante
diferente daquela visão maimonidiana. Em Maimônides, Deus é único estando longe
de qualquer outra divindade. Já, em Nicola [na obra “Douta Ignorância”]
acontece o aparecimento trino para sua divindade. Mesmo com tal divergência há
similares olhares entre ambos pensadores.
Nicola de Cusa menciona que os
homens criam nomes para Deus, i.e., atribuem características ao divino mediante
as evidências existentes nas criaturas. Isto permite mostrar, que os humanos se
baseiam na assimilação comparativa das criaturas com o divino.
A sagrada ignorância ensinou-nos que Deus é inefável; e
isto porque é infinitamente maior do que tudo o que se possa nomear; e porque
isto é sumamente verdadeiro, dele falamos de modo mais verdadeiro por remoção e
negação (...) CUSA, p.63.
Basicamente, em Nicola, quando é abordada a condição dos
nomes associados a Deus, justifica-se que Deus se apresenta ao humano segundo
as características da sua criação, i.e, ELE é Criador conhecido, a partir, dos
elementos criados. Dessa maneira, recai a incumbência ao afirmar que a
concepção trina de Deus acontece seguindo, necessariamente, as características
das criaturas. A ordem existente na natureza sensível se realizará porque Deus
é pai, filho e espírito santo. Ora mesmo caminhando nessa direção, as
comparações ocorrem, simplesmente, porque o humano enxerga o divino com seus
pobres olhares existenciais. Para se compreender Deus seria importantíssimo
romper cada vez os limites temporais-existenciais.
Embora, aconteça tal fato é necessário que haja uma forte
presença do intelecto humano no momento de reconhecimento do Divino. Em ambos
pensadores analisados, Deus, deve ser adorado sobre a base da racionalidade e
não meramente, a partir, do regimento da fé
“Mas porque o nome de Deus é Deus, o seu nome não é
conhecido senão pelo intelecto que é o próprio máximo e o nome máximo.” CUSA,
p. 56.
Eis que foi esclarecido que a condição de o intelecto, o
ser inteligente e o inteligível serem numericamente ”um” não se aplica ao
Criador, mas a qualquer intelecto. Portanto, também em nós o ser inteligente, o
intelecto e o inteligível, são uma coisa só, desde que o nosso intelecto esteja
atuante (...). MAIMONIDES, p. 263
Conclui-se, portanto, que tanto Maimônides quanto Nicola
pensam semelhantes na questão do nome de Deus e, qualquer associação com a
criatura seria apenas mais “uma criatura sendo adorada”, não o Criador. Daí,
aconteceria algo tão banido por Deus, registrado no livro sagrado [Bíblia], a
condição da idolatria. Outra intepretação plausível seria que se o humano usa
as prerrogativas existentes em seu mundo sensível para discorrer acerca de
Deus, precisa-se que o uso de tais atributos não constituam a característica
una do divino. Isso seria ultrajante porque Deus seria um ser plural e não
simplista. Ele se mostra através desses atributos (teosofia), mas não é o fator
essencial dele. Como o humano é possuidor de inteligência, que assim faça
quando pense sobre Deus [mesmo sabendo das restrições mentais]. Até porque Deus
se mostra oculto, sendo assim, necessário “conhecê-lo”, somente sobre viés da
reflexão, inteligência, racionalidade – como queira chamar.
REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AREOPAGITA,
Dionísio. De los nombres divinos. Edicomunicación, S.A., 1988.
EVDOKÍMOV,
Paul. El conocimiento de Dios en la tradición oriental. Ediciones Paulinas.
GUTTMAN,
Julius. A filosofia do judaísmo: a história da filosofai judaica desde os
tempos bíblicos até Franz Rosenzweig – São Paulo: Perspectiva, 2003.
KOHLER,
K. Tetragrammaton (Shem ham-M’forash) and its uses. Journal of Jewish Lore and
Philosophy, Vol. 1, No. 1 (January 1919), pp. 19-32. Published by Hebrew Union
College – Jewish Institute of Religion.
MAIMONIDES,
Moses. O guia dos perplexos – São Paulo: Landy Editora, 2004.
CUSA,
Nicola de. A Douta Ignorância ___________________.
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