6 de setembro de 2020

O real nome de Deus em Maimônides e Nicola de Cusa

DIEGO AVELINO DE  MACÊDO

(D. MACÊDO – diegoavelinohistoriador@yahoo.com.br)

 

As diversas tradições judaico-cristãs veem na sua expoente fonte de credo um profundo mistério. O livro sagrado de ambas as religiosidades externam Deus correspondendo as imagens dos seres criados. As associações acontecem gerando uma personificação teosófica desse SER tão (des)conhecido. Os esforços dos religiosos judaico-cristãos estão numa dedicação descritiva de Deus, para isso, lançam-se numa linguagem que possa tornar o Divino perceptível ao humano. Portanto, para este trabalho, analisaram-se os capítulos XXIV, XXV e XXVI do livro “Douta ignorância” de Nicola de Cusa e os capítulos LXI, LXII, LXIII e LXIV do livro “Guia dos Perplexos” de Maimônides.

 

INTRODUÇÃO

 

A Bíblia está repleta de textos acerca de Deus de tal modo que, aparentemente, descreve-o como sendo um Ser cuja natureza divina assume características físicas e/ou atributos sensíveis. Analisando as obras de Nicola de Cusa e de Maimônides percebe-se, que a promoção do distanciamento epistemológico entre tais pensadores, enquadra-se na perspectiva da natureza divina. Para Nicola, Deus é “uno-trino”. Contudo, em Maimônides Deus é “uno”. Agora, há um certo ponto de aproximação entre ambos, quando eles se posicionam ser a teologia negativa um bom meio para explicação do divino assim como traçar associações entre Deus com suas criações – entenda-se, aqui, representando Deus através de nomes.

           

Nome divino

           

"שמע ישראל הי אלוקינו הי אחד" (דברים 06)¹

 

O ser humano tão limitado, em decorrência de sua estrutura finita, busca compreender o fundamento de Deus, notadamente, detentor de uma natureza infinita sobre os moldes racionais. Esta ação árdua rendeu diversas obras teológicas, contudo, para desenvolvimento deste trabalho haverá o foco em um pensador cristão [Nicola de Cusa] e noutro judeu [Maimônides].

A fundamentação do pensamento nos moldes da racionalidade, permite destinar projeções lógicas no reconhecimento de Deus, i.e., a adefagia em querer entender, desvendar ou compreender o Divino poderá ser suprida [mesmo que momentânea] no caminho ascese da articulação entre a razão e o metafísico. Desta maneira, a tentativa de superar a si mesmo para adentrar-se dentro de um “recinto misterioso” para o cognoscível tem sido uma condição de constante luta racional. Não é simples tornar compreensível àquilo de natureza inacessível.

 

“(...) capaz de conocer a Dios a la medida de su própria capacidade de recibirle.” EVDOKIMOV, p.15

 

Os nomes associados ao Divino são pronunciados visando facilitar a compreensão dos sujeitos. Obviamente, Deus, não seria o nome que pensamos ser! A mais singela percepção acerca da divindade só poderá estar na adoção de uma postura racional tendenciosa ao negacionismo – é mais fácil ditar o que Deus não é [ex.: Deus não é bom; Deus não é perfeito; Deus não é soberano].

 

“Saiba que a verdadeira descrição de Deus ocorre por meio de atributos negativos, que dispensam uma linguagem imprecisa e não implicam qualquer tipo de imperfeição no que se refere a Ele.” MAIMONIDES, p. 225.

 

Pois bem, de todos os nomes ditos acerca de Deus um é mais especial.

 

Todos os nomes de Deus encontrados nas Escrituras derivam das Suas ações – isto não deve ser esquecido – exceto um, e este é: “Yod, He, Vav, He”. MAIMONIDES, p. 239.

 

Caixa de Texto: ¹Trecho central sobre a Unicidade divina – “Ouve Israel, o Eterno, é Nosso Deus, o Eterno é único (SHeMaH YSRaEL ADONAY ELOKeYNU ADONAY ECHaD)” (Deuteronômio 06).O Tetragrama ((יהוה é o nome exclusivo de Deus representando sua genuína essência. Alguns teólogos tentaram traçar uma pronunciação para o Tetragrama (YHVH = YodHeVavHe, heb. transliterado) descaracterizando-se, profundamente, um nome de cunho impronunciável² da qual sua verbalização correta é desconhecida.

 

Mesmo assim havia uma situação solene da qual o misterioso nome de Deus seria pronunciado. Todavia, a pronunciação do nome era feita somente por um clérigo judeu [Sumo-sacerdote]. A irrestrita pronunciabilidade deste nome visava evitar profanações.

 

And here we come to a point the importance of which has not been fully recognized by the historian. In pre-exilic Israel, as among other nations, none but the priest, or some holy person, was permitted to approach the Deity in the sanctuary and invoque the name of Jahve. KOHLER, p. 23.

 

Os outros nomes associados a YHVH traçam, apenas uma pluralidade de Deus, entre elas citam-se alguns: צדק, 6אלהים, 5דין, 4רחמן, ³רחמים7 e  8חסו. Essa pluralidade corresponde às ações divinas, não a um critério ontológico. Assim, os tantos nomes usados para Deus trazem consigo, apenas o critério derivado de sua existência estar associada às suas atividades e/ou perfeição. Ditas nas palavras de Dionísio Areopagita, em seu livro De los nombres divinos, no capítulo V, pgs. 75-82: “Digo que esos nombres sagrados se aplican a la providencia divina considerada en la totalidad de sus buenas acciones”.

Mesmo com uma enorme quantidade de nomes, o YHVH ainda permanece sendo àquele equivalente à essência divina. Esse Tetragrama denota, portanto, a existência absoluta e eterna de Deus. Nela [YHVH] não há derivação alguma de nenhum atributo.

            Deparando-se, com o texto de Nicola de Cusa, percebe-se uma abordagem bastante similar de Maimônides – exceto, o uso de terminologias hebraicas, salvo, a transliteração do Nome Inefável. Segundo Nicola, seria Maimônides o Rabi Salomão – provavelmente, em alusão ao grande saber que este rei judeu teve. Esta latente sabedoria está externado num guia filosófico-teológico nomeado como Guia dos Indecisos ou Guia dos Perplexos.

Caixa de Texto: ²O nome de Deus – Tetragrama – era recitado somente uma única vez no Templo Sagrado durante o Yom Kippur pelo Sumo-Sacerdote. 
3 Misericordioso (RaCHaMYM, heb. transliterado).
4 Clemente (RaCHaMaN, heb. transliterado)
5 Juiz (DaYaN, heb. transliterado)
6 “Deus” (ELoHYM, heb. transliterado)
7 Justo (TZaDiK, heb. transliterado)
8 Força (CHaSON, heb. transliterado).Obviamente, haverá na obra cristã de Nicola uma agregação à natureza de Deus bastante diferente daquela visão maimonidiana. Em Maimônides, Deus é único estando longe de qualquer outra divindade. Já, em Nicola [na obra “Douta Ignorância”] acontece o aparecimento trino para sua divindade. Mesmo com tal divergência há similares olhares entre ambos pensadores.

            Nicola de Cusa menciona que os homens criam nomes para Deus, i.e., atribuem características ao divino mediante as evidências existentes nas criaturas. Isto permite mostrar, que os humanos se baseiam na assimilação comparativa das criaturas com o divino.

A sagrada ignorância ensinou-nos que Deus é inefável; e isto porque é infinitamente maior do que tudo o que se possa nomear; e porque isto é sumamente verdadeiro, dele falamos de modo mais verdadeiro por remoção e negação (...)  CUSA, p.63.

 

Basicamente, em Nicola, quando é abordada a condição dos nomes associados a Deus, justifica-se que Deus se apresenta ao humano segundo as características da sua criação, i.e, ELE é Criador conhecido, a partir, dos elementos criados. Dessa maneira, recai a incumbência ao afirmar que a concepção trina de Deus acontece seguindo, necessariamente, as características das criaturas. A ordem existente na natureza sensível se realizará porque Deus é pai, filho e espírito santo. Ora mesmo caminhando nessa direção, as comparações ocorrem, simplesmente, porque o humano enxerga o divino com seus pobres olhares existenciais. Para se compreender Deus seria importantíssimo romper cada vez os limites temporais-existenciais.

Embora, aconteça tal fato é necessário que haja uma forte presença do intelecto humano no momento de reconhecimento do Divino. Em ambos pensadores analisados, Deus, deve ser adorado sobre a base da racionalidade e não meramente, a partir, do regimento da fé

 

“Mas porque o nome de Deus é Deus, o seu nome não é conhecido senão pelo intelecto que é o próprio máximo e o nome máximo.” CUSA, p. 56.

 

Eis que foi esclarecido que a condição de o intelecto, o ser inteligente e o inteligível serem numericamente ”um” não se aplica ao Criador, mas a qualquer intelecto. Portanto, também em nós o ser inteligente, o intelecto e o inteligível, são uma coisa só, desde que o nosso intelecto esteja atuante (...). MAIMONIDES, p. 263

 

Conclui-se, portanto, que tanto Maimônides quanto Nicola pensam semelhantes na questão do nome de Deus e, qualquer associação com a criatura seria apenas mais “uma criatura sendo adorada”, não o Criador. Daí, aconteceria algo tão banido por Deus, registrado no livro sagrado [Bíblia], a condição da idolatria. Outra intepretação plausível seria que se o humano usa as prerrogativas existentes em seu mundo sensível para discorrer acerca de Deus, precisa-se que o uso de tais atributos não constituam a característica una do divino. Isso seria ultrajante porque Deus seria um ser plural e não simplista. Ele se mostra através desses atributos (teosofia), mas não é o fator essencial dele. Como o humano é possuidor de inteligência, que assim faça quando pense sobre Deus [mesmo sabendo das restrições mentais]. Até porque Deus se mostra oculto, sendo assim, necessário “conhecê-lo”, somente sobre viés da reflexão, inteligência, racionalidade – como queira chamar.


 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

AREOPAGITA, Dionísio. De los nombres divinos. Edicomunicación, S.A., 1988.

 

EVDOKÍMOV, Paul. El conocimiento de Dios en la tradición oriental. Ediciones Paulinas.

 

GUTTMAN, Julius. A filosofia do judaísmo: a história da filosofai judaica desde os tempos bíblicos até Franz Rosenzweig – São Paulo: Perspectiva, 2003.

 

KOHLER, K. Tetragrammaton (Shem ham-M’forash) and its uses. Journal of Jewish Lore and Philosophy, Vol. 1, No. 1 (January 1919), pp. 19-32. Published by Hebrew Union College – Jewish Institute of Religion.

 

MAIMONIDES, Moses. O guia dos perplexos – São Paulo: Landy Editora, 2004.

 

CUSA, Nicola de. A Douta Ignorância ___________________.

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