Valério Mesquita*
01) Xanxo era um pedreiro macaibense, alto, magro e
disponível 24 horas em favor da construção civil. Trabalhava muito e quase não
sobrava tempo para a bebidinha preferida: “2 Tombos”, fabricada no engenho
Califórnia, de Nilton Pessoa de Paulo, São Gonçalo. Certa vez, foi contratado
pela prefeitura para construir um muro que o tempo, a história, a lenda e a legenda,
passaram a congnominá-lo de “muro de Xanxo”, de geração a geração. Tido e
havido como pedreiro competente, edificar um muro era tarefa tão simples que o
próprio Xanxo resolveu precedê-la com alguns goles da famosa aguardente, na
mercearia de seu Alfredo de Almeida, pelas oito da matina. Tentado pelos
circunstantes a misturar a “caninha” com Cinzano e Run Merino, Xanxo não fugiu
do desafio, como senhor e mestre da mistura de cimento, cal, areia e barro.
Depois, partiu para o trabalho oficial de forma preocupante, pelo caminhar
sinuoso, desenhando figuras geométricas. Xanxo foi rápido na construção, pois
ainda queria pegar o expediente da prefeitura para receber o dinheiro. O
prefeito Luís Curcio Marinho, diligente e exigente, ao observá-lo no guichê da
tesouraria, convidou-o para juntos irem ver o muro. No caminho, ainda fedendo a
cana, detalhou o serviço, a altura do muro (2 metros) e a sua extensão (15
metros). O prefeito, diplomaticamente, com um abano de cabeça, reprovou
antecipadamente o tempo exíguo gasto pelo pedreiro. Ao chegarem a “obra”, já
havia uma aglomeração de curiosos. “O que foi isso, Xanxo?”, pergunta surpreso
o prefeito. “Sei não, seu Luís, mas alguma coisa me diz que foi gente
adversária do senhor”. Xanxo, que bem
poderia ter trabalhado no muro de Berlim, até hoje é relembrado entre os
antigos pelo coquetel de ingredientes da argamassa: aguardente, run cinzano,
cimento, areia e barro.
02) Guilherme Paulino Siqueira foi motorista de
praça, de caminhão e passou no vestibular de dirigir a caminhonete Chevrolet de
Leonel Mesquita. Gostava de se apresentar aos desconhecidos como pessoa
importante, pronunciando de forma pomposa e cabotina o seu nome: “Muito prazer,
Guilherme Paulino Siqueira, às suas ordens”. Sempre pedia nos balcões das bodegas
e bares da vida a bebida certa para as companhias incertas pagá-la.
Invariavelmente, nas recusas, Guilherme ia curtir a enganosa diplomacia no
xadrez da rua da Cruz. Em muitas dessas caminhadas, era comum se desvencilhar
dos policiais para se refugiar na casa de seu Mesquita, em desabalada carreira,
portão a dentro. “Seu Mesquita, me acuda, a polícia me persegue!!”. Lembro-me
das vezes que cantava, sentado à janela gradeada da cadeia, as canções de
Nelson Gonçalves e Linda Batista para os passantes que o compensavam com
cigarros e comida. No volante do carro, Guilherme era exímio mas corria demais.
De uma feita, estando em Macaíba, o meu pai interrompeu a minha viagem a Natal,
ponderando forma enfática: “Com esse doido dirigindo, meu filho não vai. Pegue um
ônibus ou vá na marinete (alternativo daquele tempo)”. Guilherme Paulino
Siqueira saiu de Macaíba há mais de 30 anos e foi morar em Bom Jesus. Nunca
mais o vi. Deve ter falecido.
01) Zé Deca era comerciante estabelecido na esquina
da Francisco da Cruz com a Dinarte Mariz. Alcancei-o nos anos cinquenta perto
dos setenta anos, sempre por trás do balcão de sua mercearia despachando goles
de aguardente, com extrema paciência, aos “pinguços” do matadouro municipal. A
sua sobrinha por afinidade era a professora Naide Tinoco, que me ensinava
particular antes de prestar exame de admissão ao Colégio Marista, juntamente
com D. Enedina Bezerra. Mas, o lado popular de Zé Deca residia exatamente na
facilidade com que a meninada “passava” notas do cruzeiro velho de duas cabeças
que a sua vista ruim não detectava. Só desconfiou quando os fregueses de
verdade começaram a rejeitar seus trocos. “Seu Zé Deca, essa nota é duas
cabeças!”. Ao cabo de algum tempo em cima da prateleira, Zé Deca já
contabilizava um prejuízo enorme representado por um volumoso maço de cédulas
frias amarradas num barbante. Daí pra frente, Zé Deca não trabalhava mais só, e
todo garoto era um suspeito em potencial.
(*)
Escritor.
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