Bené Chaves
Era noite de São João em Gupiara. Foguetões, traques,
fogueiras incendiando, arraiás festivos. Houve até uma ‘quadrilha’ no pequeno
salão meio improvisado nas imediações. Os festejos iniciaram. Tudo ao redor
virou imensa festa.
Chamaram
um tal de Zé Molenga que, apesar do nome, cantou e rodou feito um pião. Avaliem
se ele não tivesse tal apelido... Teve casamento e tudo, o forró solto na
saleta e na alegria dos participantes. Esse violonista lembrou Painhô, pois
manejava as duas mãos com facilidade. Era também ambidestro, igualzinho a ele.
Mainhô,
filho, não quis afoitar-se, ficou em casa mesmo com Tia Chica, aquela sua pança
crescendo sempre e quase pertinho de parir. Seria uma temeridade, inclusive pra
você, lógico, se ela fosse dançar a noite toda.
Evidente
que São João não era uma festa alinhada, o povo dançava forró mesmo na rua, com
hiato e tudo. E meu pai cansava de ver a animação pra riba. A fogueira
queimando os pés e as labaredas esquentando o vento.
Ele disse? Disse sim senhor! Você será
meu compadre? Oba!... oba! Quem mandou?
Painhô
conseguiu uma parceira e foi o noivo daquela
festança que iniciara. Dançou a noite toda, acho, pois não me contou
tudo direitinho. Claro que não iria contar. Apenas me disse que o chato do
irmão da noiva ficou de olho nos dois.
Alguém, então, gritou do salão: homem
de um lado, mulher do outro, juntar, cruzar, trocar, juntar de novo. Epa! A
animação fez esquecer tudo, os instrumentos soltos no ar. Viva o noivo, viva a
noiva! E os corpos das pessoas iam animando hora a hora, minuto a minuto.
Então foguetões clarearam o céu, as
crianças brincando com ‘peido-de-velha’, ‘cobrinhas’, ‘rojões’, ‘estrelinhas’e
etc. A inocência nas suas caras. Rostos de brinquedos.
Sei não, mas tenho ligeira impressão que deva
existir alguma convivência, continuou meu pai. Hipotética versus real. E quando
saí vi cinzas espalhadas na fogueira, últimas lembranças da noite de São João.
São duas festas com resquícios iguais no nome. Fim de ano x meio de ano.
Gupiara pensara assim.
Ah, a madrugadinha apareceu e o santo
confirmou: ligeireza dos homens se metendo nos matos com suas companheiras.
Parece que não suportavam a ‘quentura’ do ambiente. Mas, aquilo tudo era uma
estratégia. Uma bela estratégia!
Ali na estrada, meu filho, falou ele, vi
labaredas fervendo o tempo. Gupiara me pareceu bonita. Nos morros uma cor
avermelhada subiu e fumaças juntavam-se às nuvens. Supunha-se um lusco-fusco
fora de hora.
No salão o baile acabara. E meu
pai contou ainda que moças e rapazes juntaram seus rostos e talvez também seus
corpos. Na simetria própria entre os dois sexos. A festa depois caducou, vislumbrei somente fiapos afligindo
o santo de temperatura elevada.
Painhô, então, disse: no sertão, onde nasci
e aqui em Gupiara, o povo acredita nos sentimentos humanos. Ou acreditava.
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