Severino Vicente
Não é tarefa fácil escrever ou acrescentar algo sobre a vida e a obra de Henrique Castriciano de Souza, depois de examinar o livro “Nosso Amigo Castriciano” de Luis da Câmara Cascudo, Recife: Imprensa Universitária. O que estou fazendo agora é tão somente relembrar esta figura ímpar, um modelo para a geração romântica e parnasiana. Grande poeta, cujo poema maior está exposto aos nossos olhos: A Escola Doméstica.
Nasceu na então Vila de Macaíba a 15 de março de 1874, aos sete anos veio morar em Natal, na antiga Rua dos Tocos, atualmente Princesa Izabel. Muito jovem começou a entrar no mundo da literatura, vivendo rodeado de livros, disperso. Aos dezessete anos recebeu convite de Pedro Velho para escrever no “A República”, uma glória para um jovem que escrevia versos de menino grande, comenta Cascudo. Sua inquietação intelectual abriu um horizonte que poucos conseguiram em tamanha juventude. Em 1898 publica em Fortaleza “Ruínas”. Em 28 de março de 1897 o jornal “A República” publica os poemas “Estátua” e “Os olhos de Dulce”. Um quê de estranho, forte e penetrante\ Há n’este olhar que as almas dilaceram\ Tem um olhar de domador de fera\ Esta formosa e pálida bacante.
Henrique Castriciano foi o primeiro presidente da Academia-Rio-Grandense de Letras, e o inspirador da Escola Doméstica. Em 24 de março de 1904 quando da inauguração do Teatro Carlos Gomes, foi apresentada por crianças a peça de Henrique Castriciano “A Promessa”. No “A República”, em 09 de junho de 1904 publica seu famoso poema “O aboio”, cuja beleza expressa este canto triste, melódico, na voz do vaqueiro nordestino: Ah! Como é triste o aboio!\ Sem palavras, tão vago!\ A saudade exprimindo\ Das selvas do sertão, no mês de junho rindo\ Pelos olhos azuis das crianças enquanto\ no tamarindo verde, asas aberta, trina\ À beira dos currais, o galo de campina.
Ao falar de Henrique Castriciano muito bem expressou Otacílio Alecrim, “fugir ao político, que ele não foi para considerar o “clérigo”, intelectual puro”. Em artigo publicado no “Diário de Pernambuco” em 15 de agosto de 1933, intitulado “Redescoberta do Místico de Lausana”, Otacílio se referia a uma revista argentina que fazendo um registro sobre as memórias do Sr. Muret, alude a Castriciano. No citado artigo Alecrim descreve o problema da dissociação entre o escritor e a política. É o que o articulista chama o fenômeno da “clericatura”, evocando Julien Benda, em Trahison Des Clercs. Essa dissociação na visão de Alecrim levou Henrique a não adotar a política como prática de vida.
O “Místico de Lausane” se entrega à literatura. Não podia ser político, salienta seus biógrafos quem se batera pela inteligência pura, como um clérigo fiel, quem fundara a Liga do Ensino e a Escola Doméstica; quem escrevera, apesar de não concluído o romance “Os Mortos”, debatendo problemas da cultura moderna. Mas isso não leva a esquecer a figura barroca de vice Governador do Estado, um clássico na política sem o gosto da cena. Henrique Castriciano era um poeta sensível á beleza das coisas e da vida – Que linda manhã parnasiana\ Que vontade de escrever versos metrificados\ Contadinhos nos dedos.
Costumava caminhar silenciosamente pela cidade do Natal, sobre os ombros o peso do Mundo. Pensava em tudo, pensava em Renan do qual era um fervoroso admirador e ao mesmo tempo em Ferreira Itajubá. Figura humana extraordinária, único na sua maneira de ser. Era “Inadulável”, comenta Cascudo, num adjetivo magnífico. Ele marcava por ser ele mesmo. Doente, Henrique procura o Recife e passa peregrinar pelos consultórios médicos. Não conseguindo sucesso, volta para Natal e a 26 de julho de 1947 falece na Policlínica do Alecrim aos cuidados do Dr. Pedro Segundo. Parece ter escrito para esse momento final estes versos do seu poema “A Alma das Coisas”: Esse cortejo todo de quimeras\ De sonhos, de visão eternizadas\ Passou, casto luar das primaveras\ Passou, doce luar das alvoradas\ Hoje nada mais resta. Solitário\ Eu sou! E sobre mim triste chorando\ Bem como as notas de um estradivário\ Voejam as aves da saudade, em bando.
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