4 de julho de 2016

O NAVEGANTE DAS LETRAS


Por Ciro Leandro Costa da Fonsêca*

    O filósofo Walter Benjamin em seu célebre ensaio O Narrador nos apresenta dois tipos: o narrador sedentário, que não saiu da sua terra e conhece pelo convívio o seu povo e as suas tradições; e o narrador viajante, este que sai para conhecer outras terras, outros mundos e quando volta a sua terra natal traz na bagagem do viajante muitas histórias e personagens para compartilhar com os membros do seu grupo.
    Franklin Jorge segue a esteira não só do gênero em que Benjamin categorizou os dois tipos de narradores, mas como a encarnação de ambos. Sedentário, por ser um sertanejo que conhece bem o seu Brasil, um nordestino observador das tradições e da cultura da sua gente, mas viajante pela sua terra como um antropólogo atento, um etnógrafo pronto a transmitir pela pena o que os ouvidos lhe oportunizaram. Viajante pela sua terra e por outras Terras Prometidas, como vislumbrou Ítalo Calvino, as terras literárias visitadas por olhos sensíveis leitores.
   A literatura estrangeira buscada como a terra prometida, numa travessia que permitiu o retorno e a transmissão memorial das leituras através da pena. Nessa trajetória a linguagem constitui o real, vivido, lido, imaginado e transmitido, aquilo que na verdade não só deveria, mas poderia ser. Terras estrangeiras apresentadas por Franklin, pensadores, escritores, numa memória crítica de leitura que enxerga as contradições humanas por trás também de célebres escritores, fazendo a memória de cada época em que se inscrevem os usuários da pena.
   Narrador viajante, cheio de bagagens, como A Bagagem do Viajante de José Saramago, repleta de crônicas, frutos de leituras de uma vida inteira, porém sem a condescendência com os ditadores que envolveu as relações do autor português. A Bagagem de Franklin Jorge se assemelha muito mais com a de Adélia Prado, que em sua obra poética se faz narradora do híbrido, do simples cotidiano às leituras filosóficas despertadas por seu olhar artístico. Como o avô de Thomas Bernhard, Franklin Jorge ensaista e memorialista de leituras literárias e de vida, no exercício do seu ofício, atravessa os seus dias escrevendo livros de uma vida inteira, feitos com a tinta da realidade, da ficção, da degustação do pão espiritual literários, entregando-se também “ao risco de fazer de sua vida uma obra-prima”.
   O nosso narrador se inscreve, dentre as categorias do escritor descritas por Schopenhauer,nas duas últimas, os que pensam enquanto escrevem e os que pensam antes de escrever, principalmente quando se escreve sobre livros alheios. Numa rotação pelos países impulsionada pela pena de seus representantes na li teratura, o viajante nos abre a sua bagagem e como escrivão de muitas terras prometidas, nos abre as portas de uma leitura que se faz “grande narrativa”, uma travessia pelo mundo nas asas da literatura universal.

*Aluno do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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