21 de agosto de 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE O FIM DA CASA DO BEM E NOVOS RUMOS NO ATIVISMO SOCIAL

Por Flávio Rezende*

            Peço licença a meus leitores para tecer algumas considerações e explicar algumas decisões que andei tomando nos últimos dias.
            Já é do conhecimento público que em meados de novembro/dezembro a Casa do Bem encerrará suas atividades humanitárias e, os trabalhos sociais conquistados e executados com muito amor, devem continuar sob a égide do Conselho Comunitário de Mãe Luiza e Aparecida.
            Para chegar a este momento vamos retroceder ao tempo de minha juventude, fim dos anos 70, totalidade dos 80 e começo dos 90. Neste tempo não havia entre os jovens envolvimentos mais relevantes relacionados a ajudas ao semelhante, questão dos animais e do meio ambiente e, circulávamos entre festinhas diversas, romances, futebol e muito pouco nos relacionávamos com política.
            Apesar de tudo isso, desde cedo, gostava de ajudar as pessoas que batiam na porta lá de casa e, fazia amizades com carentes, causando até comentários e algumas pequenas complicações, já contornadas e que viraram história.

            O tempo passou, comecei a trabalhar muito jovem, me meti em diversas atividades e fui juntando dinheiro até que decidi comprar um terreno e levantar minha casa. Num episódio que por si só merece um artigo inteiro, decidi comprar este terreno em Mãe Luiza, causando espanto na família e entre amigos.
            Apesar de tudo levantei o lar e morando lá comecei a caminhar pela comunidade, conhecendo pessoas e seus problemas e, fui ajudando uma família aqui, melhorando um banheiro ali, levando para hospitais pois não tinha Samu, para ter filhos, até que depois de muitas ajudas pontuais, comecei a ajudar projetos já existentes e, em minha própria casa, fiz uma escola de balé, a piscina era coletiva, fundamos uma escolinha de futebol e as coisas foram aumentando, aumentando e, quando percebi, minha casa era a própria Casa do Bem de tantas coisas que já aconteciam lá.

            Aconselhado pelo amigo Paulo Campos decidi comprar uma casa e deslocar para a mesma todo o movimento que já ocorria naturalmente na minha, onde chegava a receber diariamente mais de 20 pessoas com problemas pessoais, de emprego, saúde e onde buscava com meus próprios recursos e conhecimentos, minorar aflições e conseguir colocações no mercado de trabalho, entre diversas outras ações do bem.
            Diante da necessidade de ter um novo espaço, fui igualmente aconselhado a abrir uma ONG para receber recursos para a compra desta casa. Assim foi fundada em agosto de 2005 a Casa do Bem. A luta para comprar a casa foi radicalmente mudada quando o empresário Ricardo Barros doou um terreno, vizinho onde morava e, através da Lei Câmara Cascudo, obtive apoio da Petrobras e da Cosern e construímos a sede própria da Casa do Bem, inaugurada em julho de 2010.

            De lá para cá os voluntários foram chegando e as ações acontecendo, nunca havendo interrupção e a Casa do Bem funcionando, prestando relevantes serviços, contando para seu funcionamento com depósitos financeiros de pessoas físicas e de empresas, mas sempre com somatório apertado para as reais necessidades que se apresentavam a cada dia.
            A dificuldade foi amenizada com assinatura de um convênio na administração de Micarla de Sousa, que possibilitava o pagamento de despesas básicas, livrando um pouco a conta principal do total dos gastos.
            O convênio foi renovado através de Carlos Eduardo, mas, ano passado, uma greve no órgão que analisa as prestações de contas do município atrasou tudo no meio do ano e a Casa do Bem e outras entidades ficaram sem o benefício do convênio o resto do ano.
            Depois de reuniões onde as decisões do setor jurídico iam mudando, decidimos esquecer 2013 e renovar para 2014, mas, infelizmente, chegamos em julho e o convênio não foi assinado.
            Sem o convênio a Casa do Bem foi entrando na conta normal e a fragilizando ao ponto de ter que realizar, praticamente todos os dias, campanhas através das mídias sociais e de outras formas, não obtendo êxito, com poucas pessoas depositando algo e na maioria das vezes, depósitos apenas naquele momento em que demonstrava desespero pela situação.

            Esse apertado existir financeiro, aliado as muitas decisões que tenho que tomar diariamente, relatórios a preencher de conselhos diversos, pegar pessoalmente doações em lugares distantes, enfim, muitas e muitas atividades, solicitações diversas de mil coisas para os projetos, literalmente me fragilizaram e me levaram a decisão de extinguir a Casa do Bem e continuar meu trabalho social sem o peso de dirigir uma ONG com tantas necessidades e apoio financeiro insuficiente.
            Não critico ninguém pelo ocorrido, podia ter tido a competência de tornar a Casa do Bem viável através de editais e outros convênios, mas confesso que tentei de tudo que se possa imaginar, mas não aconteceu comigo. O Cidadão Nota 10, antes uma esperança das ONGs praticamente não funciona, os convênios são difíceis de conseguir e de operar, uma vez que a legislação trata igualmente coisas de centavos e de bilhões e os editais nunca conseguimos material humano para nos inscrever a tempo em suas nuances burocráticas.

Só as pessoas próximas sabem o tempo que dediquei a muitas coisas, o dinheiro próprio que gastei no início e durante todo este tempo, atendendo com recursos meus inúmeros pedidos que a Casa do Bem não deveria se meter, além de ter que aguentar com resignação confissões de amigos dizendo que algumas pessoas acham que desviava recursos para viajar, como se eu não tivesse condições de fazer tudo que faço com meus próprios rendimentos, posto que sou funcionário de nível superior da UFRN, concursado, com especialização em Ciências da Religião e mestrado em  andamento em Estudos da Mídia, com passagens por televisões, jornais, incursões no comércio e na construção civil, com vários apartamentos populares construídos, torre de telefonia num terreno meu, enfim ganho mais que deputados, vereadores, só não consigo ter o padrão de vida que muitos tem e nem apresentar na declaração anual do Imposto do Renda os bens que os mesmos usufruem e a incrível e ascendente curva patrimonial.
Apesar de me considerar muito bem sucedido financeiramente meu carro é um Sandero, o de minha esposa um Clio, moro num apto de 52 metros quadrados e minha esposa numa casa herdada da mãe. Nossos filhos estudam em colégios simples, um inclusive com bolsa e, quando viajamos, buscamos sempre os pacotes ofertados pelos sites de busca e nos hospedamos na casa de amigos e parentes ou em hotéis de classificação mediana.    

Encerro então um ciclo de ativismo social como dirigente de ONG de maneira honesta, com toda a contabilidade da Casa do Bem exposta no link – prestação de contas, no site www.casadobem.org.br, acreditando ter feito um monte de bondades, nunca pedindo um voto sequer a seu ninguém, não colocando o fator religioso na ordem do dia e nem permitindo remuneração para nenhum dirigente da entidade.
Os trabalhos sociais vão continuar com o Conselho Comunitário, estarei por perto ajudando, devo permanecer junto com amigos com a Escolinha de Futebol que permanecerá com o nome Casa do Bem, mas sem o peso de uma entidade devidamente regularizada, vou levar a escolinha como antes, informalmente.
Todos que ajudam a Casa do Bem podem continuar até dezembro e caso desejem, repassarei contatos e conta do Conselho Comunitário para continuidade dos projetos desenvolvidos, quanto a escolinha vou buscar apoios para tocar o barco com 250 jovens em várias categorias.
Gratidão aos que estão ajudando e aos que elogiam e dizem coisas bonitas. Gratidão principalmente aos valorosos e queridos voluntários que tornaram tudo possível e que devem continuar fazendo o bem sem olhar a quem. Sem eles nada seria possível e fui apenas o mentor e o buscador de apoios, eles é que dão as aulas, cuidam do cotidiano e suam de maneira heroica e verdadeira.
 Quaisquer dúvidas passem e-mail para escritorflaviorezende@gmail.com, meu envolvimento com o ativismo social apenas chega a uma nova fase, continuo com boa vontade para ajudar, só adequarei o fardo a minha capacidade de suportar o peso, vamos que vamos, luz e paz.

·         É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)


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