EURÍCLEDES
FORMIGA
Toda
Feira Nordestina é uma colorida e pitoresca exposição, heterogênea
em seus elementos de sabor local, principalmente nas mostras abertas
de seu artesanato de cerâmica, cestos, flandres, rendas etc., rudes
e maravilhosos resultados de talento dos artistas do sertão,
cangaceiros, beatos e cantadores. Tornou-se famosa a feira de
Caruaru, ainda mais depois do baião divulgado por Luiz Gonzaga, que
não omite os mínimos detalhes daquele espetáculo folclórico do
interior pernambucano.
Todavia,
uma das atrações mais fascinantes da feira do Nordeste é, sem
dúvida, o encontro de dois emboladores, empunhando o pandeiro ou o
ganzá (instrumentos de flandre, cheio de caroços de chumbo),
desfiando suas rimas com a rapidez de um raio ao calor do desafio,
numa autêntica justa sonora, duelo de raposo dos caboclos que
aumenta de entusiasmo quanto mais aguçados são os toques de
provocação partidos de cada um dos contendores.A paga é feita
pelos circunstantes, que são elogiados ou satirizados conforme a
reação ante os apelos feitos pelo embolador, quase sempre
estendendo o pandeiro emborcado em evidente cobrança aos
espectadores.
O gênero
é simples e independente de qualquer composição preestabelecida
quanto ao número e disposição dos versos. Há apenas um
estribilho, que é repetido com intervalo maior ou menor por um dos
cantadores, enquanto o outro improvisa. O metro é setissilábico e a
redondilha maior; aliás, o mais comum mesmo entre os cantadores de
viola, espetáculo à parte, que já obedece a modalidades diversas e
que não é assunto no momento. Já se disse que o povo de língua
portuguesa fala habitualmente em redondilha maior:
Senhor
doutor delegado
Vim aqui
pra lhe dizer
Que meu
vizinho do lado...
E por aí
afora, falante rimador
Entre os
mais conhecidos emboladores, merece citação especial o Tira-Teima,
mulato alagoano, dono da extraordinária agilidade mental, hoje
radicado em Brasília. Costuma denominar-se de serpente alagoana e
afirma quando canta:
Eu tenho
tanto repente
Que as
vezes me faço doente
Com
preguiça de cantar
Declara
com segurança (e todo repentista que se preza faz questão de ter
realizado tal proeza) que, certa ocasião, enfrentou o diabo numa
peleja, o qual lhe surgiu na forma de uma negra:
Num
instante eu conheci
Que
aquela negra era o cão
O
pandeiro caiu da mão
E fez
pelo sinal
Apesar de
apregoar seu indiscutível valor, com a empáfia natural dos grandes
emboladores, não esquece um desafio que teve com um tal cego João
Galdino, que silenciou com um repente magistral:
Lá vem
o touro ô Iaiá
Com as
pontas de ouro
Cavando
areia no mar
Sabiá da
mata
Voou
avoou
O dia
vinha raiando
Via o
sabiá cantando
Nos pés
do Nosso senhor
A sulanda
no meu deu
Ô
sulanda não me dar
Ô
sulanda
Não
há, porém, necessidade de ir ao Nordeste para assistir desafio de
embolada. Na Guanabara, na feira de São Cristóvão, é comum
aparecer uma dupla de repentistas do gênero; também em São Paulo,
nas imediações do largo da Concórdia, diariamente se encontram
improvisadores, com seu pandeiro e seu ganzá, os alagoanos Januário
e Guriatã de Coqueiro. É justo lembrar aqui que a embolada tornou
famoso, nos meios radiofônicos, o pernambucano Manuelzinho Araújo,
hoje artista plástico, que trocou o ganzá pelo pincel, sem contudo
perder o sabor primitivo do seu talento. Deve-se a ele a divulgação
dessa modalidade de cantoria popular nas camadas fora da ambiência
sertaneja.
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