Entrevista:
Castilho Sávio
Castilho
Sávio de Carvalho Silva nasceu em Natal, no bairro de Petrópolis, no tempo em
que a cidade e a vida eram outras. Eu, Aderson Neto, Franklin Mario, João Paulo
Madruga e Valéria ouvimos Castilho contar a sua história no último sábado de
2012. A conversa se deu no Bar de Zé Reeira, no centro da capital potiguar. Como
não poderia deixar de ser, música foi o principal assunto, sobretudo a banda
que fez história no pop-rock do Rio Grande do Norte: Inácio Toca Trompete. Tudo
foi regado a bastante cerveja e carneiro cozido. (robertohomem@gmail.com)
ZONA
SUL – Você é filho do homem
que toca trompete...
CASTILHO
– Meu pai tocou trompete, ele faleceu em 1990. Papai nasceu no sertão do Ceará.
Seu nome era Ascendino Inácio da Silva. Na verdade, o Inácio não era nome, mas,
sobrenome de família. Quando foi militar, veio morar no Rio Grande do Norte.
Depois, passou em um concurso do IBGE e se mudou para João Câmara, que na época
se chamava Baixa Verde. Em seguida, assumiu o cargo de tabelião do 1º Cartório
de João Câmara.
ZONA SUL
– Onde o trompete entra nessa história?
CASTILHO
– Meu pai aprendeu a tocar trompete ainda no Exército. Nas horas vagas,
principalmente nas tardes dos sábados, ele tocava esse instrumento - que também
era chamado de “trumpet”, pistão ou pistom - como “hobby”. Como meu pai tinha
muita musicalidade, também tocava gaita. Herdei no sangue essa tendência para
ser instrumentista, essa vontade de querer fazer alguma coisa para o lado da
música.
ZONA SUL
– Qual era o repertório que o seu pai costumava tocar?
CASTILHO
– Apesar de morar em uma cidade do interior, em João Câmara, meu pai era aberto
para o mundo. Para você ter uma ideia, ele mandou buscar, na Inglaterra, uma
Land Rover, em 1958. Papai escutava muito “foxtrot” e blues americano, ritmo que
terminou dando origem ao rock. Nas emissoras de rádio nacionais, ele ouvia o
samba brasileiro. Era o que ele ouvia e tocava, lá pelos anos 1950, em João
Câmara. Depois, em meados dos anos 1960, ele comprou uma casa em Natal, próximo
ao Marista. Em seguida, mudamos para a Avenida Alexandrino de Alencar.
ZONA SUL
– Inácio chegou a participar de algum grupo musical?
CASTILHO
– Não, ele tocava com os amigos, aos sábados. Como morava em frente ao clube de
João Câmara, sempre encontrava por lá alguém para fazer uma percussão, tocar um
bandolim ou outro instrumento de sopro. Os comerciantes, pequenos empresários
da época, funcionários públicos e outros amigos se juntavam e faziam aquela
roda. Tocavam vários estilos, dentro do clube de João Câmara. Meu pai não
compunha, era só musicista, só instrumentista.
ZONA SUL
– Você chegou a testemunhar esses encontros musicais?
CASTILHO
– Ouvi algumas vezes. Mas eu gostaria de dizer que, mais ou menos em 1969, meu
pai participou de um sorteio, que na época se chamava rifa, e foi contemplado com
uma sanfona igual à de Luiz Gonzaga. Ele tentou tocar esse instrumento, mas não
conseguiu. A sanfona exige uma praticidade muito grande. A tendência do meu pai
era mesmo para o instrumento de sopro. Prova disso é que ele comprou uma gaita
e aprendeu com facilidade. Quando eu tinha entre 13 e 15 anos, na data de
aniversário da minha namorada ele costumava tocar parabéns pra você na gaita,
pelo telefone, me ajudando a prestar aquela homenagem. Ele fazia o mesmo com as
namoradas dos meus irmãos.
ZONA SUL
– Fale um pouco sobre a sua mãe.
CASTILHO
– Mamãe é da família Teixeira Carvalho. Maria da Conceição Teixeira de
Carvalho. Na realidade ela é Procópio Teixeira Carvalho. É natural de João
Câmara, da família que criou a cachaça Murim Mirim, a primeira aguardente
filtrada. Meus avós eram pernambucanos. Minha mãe era de vanguarda. Só ela e
mais duas pessoas da cidade, naquela época, tinham assinatura da revista
Seleções. Ela sempre foi muito curiosa. Ela tinha uma tendência muito grande para
o designer. A casa grande, do interior, tinha uma mesa com 12 cadeiras. A cada
duas cadeiras, o forro do tecido era diferente. Em 1950 ela já tinha essa visão
de arquitetura interna. Ela ia para Recife, comprar os tecidos. Mas mamãe sempre
foi dona de casa. Seu sonho era se tornar atriz. Depois quis até que uma neta
seguisse esta carreira. Ela sempre gostou de teatro, mas não conseguiu realizar
o sonho. A vida e a época em que viveu não permitiram. Morando em um estado
pequeno, como o Rio Grande do Norte, ela teria que se mudar para o Rio ou São
Paulo se quisesse tentar realizar esse sonho. Casada, com filhos, não foi
possível.
ZONA SUL
– Como foi a sua infância?
CASTILHO
– Foi uma infância que atualmente a meninada não tem mais oportunidade de
desfrutar. Hoje a infância é vivida através da eletrônica, da cibernética e da
tecnologia. A convergência tecnológica está se dando por meio do celular. Nesse
aparelho pequeno, que cabe na palma da mão, você tem entre 30 e 40
equipamentos: televisão, rádio, máquina fotográfica, GPS, telefone, editor de
texto, calendário, agenda, instrumentos de previsão do tempo, aplicativos de
compra online... Todas as informações a um toque de dedos: acessar a internet,
movimentar conta bancária, enviar e receber mensagens... Na minha época eu
andava de patinete, subia em árvores, jogava futebol, ativava com estilingue ou
baladeira, corria atrás de pássaros, andava em perna de pau, carro de rolimã ou
cocão... Tinha prazer em construir carro de lata com madeira. Nessa atividade,
a gente desenvolvia o raciocínio. Hoje, não. A infância é em casa, preso a um
teclado, criando cacoete, isso e aquilo. No meu tempo a gente podia se tornar
muito mais criativo, tinha liberdade de brincar com os amigos na rua. Minha
infância foi envolvida com biloca, cocão, a prática de esportes, os álbuns de
figurinha, o jogo de bafo. Hoje não se vê mais, a tecnologia não permite que
você crie mais nada. Digo muito a meu filho que a minha geração criou o
computador. As gerações anteriores criaram a lâmpada, o rádio, a televisão, o
carro, a tecnologia e o telefone. Pergunto a ele: “sua geração está criando o
que? Desenvolveu o que?”. Essa é a grande pergunta. Vivi a fase de me juntar
com os amigos para criar ideias. Chegamos a construir os instrumentos de uma
banda com materiais como lata, cabo de vassoura e caixa de papelão.
ZONA SUL
– Quando a música despertou a sua atenção?
CASTILHO
– Ela sempre despertou minha atenção. Estudei uma época no Marista. Muito novo,
ainda, saí de lá quando recebi uma bolsa para jogar handebol pelo Sagrada
Família. Eu queria fazer parte da banda do novo colégio. Queria desfilar no 7 de
Setembro. Comecei tocando surdo. O maestro da banda era Geraldo, um engenheiro
químico da Caern. No meu segundo ano de Sagrada Família, toquei caixa. Aos 12,
estava tocando tarol. Os instrumentos de percussão me encantaram. Nesse segundo
ano, quando passei a tocar tarol, eu passei a ser o que hoje na escola se chama
de puxador. É quem faz os contratempos, as viradas e a marcação da mudança da
batida e do ritmo. Por infelicidade do destino, esse regente, que gostava de
fazer mergulho e pescar de arpão, morreu praticando esse esporte náutico. Faltava
três meses para o desfile de 7 de Setembro. Sem ninguém para ocupar o posto
deixado pelo professor Geraldo, assumi a regência da banda da escola.
ZONA SUL
– Que idade você tinha?
CASTILHO
– Aos 16 anos fui regente da banda marcial da escola. Na época, a grande banda
de escola era a da ETFRN, que hoje se chama IFRN. A gente criou uma batida
diferente, com vários contratempos. A banda vinha em uma batida, quando eu dava
três apitos, os instrumentos paravam, o tarol fazia um “rif” e entrava em outra
batida, que se chama contratempo. É o tempo inverso daquele que você estava
batendo. O Sagrada Família sempre desfilou com três contratempos. Quando fui
regente, desfilamos com seis contratempos. Foi anunciado no palanque que era um
aluno que estava regendo. Ninguém nunca me ensinou regência. O cavalo passou
selado, eu montei e assumi a responsabilidade de ser regente. A partir daí tive
a certeza de que eu podia tocar.
ZONA SUL
– O que você costumava ouvir?
CASTILHO
– Minha formação musical é eclética: vai de Luiz Gonzaga – que ouvi muito na
minha casa – passa por Roberto Carlos e Beatles, até chegar em Santana, Rolling
Stones, Black Sabbath, Deep Purple e outras bandas. Baseado nisso se formou meu
gosto musical. Ouvi também muito Paralamas, Titãs, Renato Russo, Jota Quest e
LS Jack. Eu não gostava de Chico Buarque, mas apreciava Milton e o Clube da
Esquina. Da música brasileira sempre gostei mais de rock e de Luiz Gonzaga.
ZONA SUL
– Seu grupo de amigos, nos tempos de escola, também se interessava por música?
CASTILHO
– Os amigos sempre me chamavam, no final de semana, para eu fazer uma “percussãozinha”
nas festas improvisadas. Comecei a adquirir alguns instrumentos para tocar em
aniversários e nessas festinhas. Comprei tumbadora, tantã e outras percussões.
Logo que concluí o pré-vestibular, entrei na Caixa Econômica. Lá tinha músicos,
colegas que já tocavam violão, guitarra e já cantavam. Todo final de semana eu
estava tocando e batendo algum instrumento de percussão. Isso durou três ou quatro
anos, até realmente eu definir o que eu queria fazer dentro da percussão. ZONA SUL – Qual seu primeiro
grupo?
CASTILHO
– Foi com meu irmão Carísio Eugênio de Carvalho. Ele ligou dizendo que tinha
comprado vários instrumentos de percussão e chamou para fazer uma roda de
samba. Cheguei à casa dele, Carísio tinha comprado surdão, surdinho, bombo,
tantã, repique, caixa, tarol, afoxé, agogô, reco-reco... Quando eu estava
olhando tudo aquilo, ele disse: “Primeiro você vai ensinar para depois a gente
começar a tocar”. Começamos com Adoniran Barbosa e Demônios da Garoa, na casa
do meu irmão. Depois passamos a tocar na casa de praia. Foi quando começou a
aparecer violão, um, dois, três; cavaquinho, banjo... Mas, nada profissional,
tudo muito amador. Depois de um tempo, a gente parou. Foi quando resolvi
comprar uma percussão completa. Eu já estava na Caixa, foi em 1998. Fui a uma
loja e selecionei todos os instrumentos que eu queria. O valor total foi 2.800
reais. Eram tantos instrumentos que não caberiam na sala da minha casa. Foi
quando o vendedor sugeriu que eu comprasse uma bateria, ao invés de todos aqueles
equipamentos de percussão. Além de a bateria ser uma percussão completa, ela
tinha as vantagens de caber na mala do carro e ser mais barata, custava 2.600
reais.
ZONA SUL
– Era uma boa bateria?
CASTILHO
– Era uma bateria americana, de qualidade média. Não era “top” de linha, mas
não fazia vergonha. A bateria se mede pelo som que ela emite, que depende do
tipo da madeira, da forma como ela é curtida, e da capacidade de pegar
determinada afinação. Minha intenção não era a de montar banda, mas apenas
tocar com os amigos. Comprei essa bateria às 4 da tarde. Às seis horas da
noite, com o equipamento montado, comecei com aquele paque-paque, tuco-tuco. Logo
de cara, notei o quanto era absurdamente diferente tocar percussão e bateria.
Na bateria você tem que ter independência nas mãos e nas pernas, nos quatro
membros individuais. A mão esquerda faz uma coisa, a direita faz outra, a perna
esquerda faz outra e a direita também. Encontrei no jornal um anúncio de
professor de bateria. O contratei para ele me dar algumas aulas, até para eu
ter noção do instrumento e saber como me comportar diante da bateria. No
domingo, esse professor chegou lá em casa e me explicou para que servia cada
parte da bateria. Na segunda-feira ele me deu outra aula. A partir daí fiquei
por minha própria conta e comecei a exercitar independência. Na quinta-feira à
noite chamei um sobrinho que tocava violão e um enteado do meu irmão, que
tocava baixo. Fomos lá pra casa e começamos a tocar Legião Urbana. Depois, juntou-se
a nós um tecladista que estudava no Auxiliadora. Passamos a ensaiar lá em casa
na tarde dos sábados, e no domingo o dia todo.
ZONA SUL
– Os vizinhos devem ter adorado essa movimentação toda...
CASTILHO
– Os vizinhos começaram a ligar, reclamando. Uma vizinha, médica, pedia
insistentemente para baixar o volume. Ela dizia: “não tem quem aguente mais
esse taco-taco e teco-teco, ninguém dorme mais”. E eu numa seca danada para
tocar. Mas em um mês eu já estava tocando um repertório de Legião Urbana, Paralamas
e aquelas músicas do rock nacional que fizeram sucesso nos anos 1980. Dois anos
e meio depois, foi que resolvemos montar a banda.
ZONA SUL
– Como surgiu o nome Inácio Toca Trumpete?
CASTILHO
– Quando comecei a procurar o nome da banda, liguei para alguns amigos que
trabalhavam com marketing. Falei com João Dias, que hoje é do jornal O Botequeiro;
telefonei para Astrogildo Cruz, da banda Caixa Dois, e criador do nome da Banda
Cantocalismo, nos anos 1970. Também entrei em contato com o jornalista João Bezerra
Júnior. Pedi que eles me ajudassem a bolar o nome da banda. Eu não queria um
nome comum, mas algo que chamasse atenção. No marketing o que marca é ou o
muito belo ou o muito feio. O comum passa despercebido, você não lembra. O que
chama atenção é o que marca. Em Natal já existia muita banda com nome comum, eu
não queria ficar nessa linha. Por ser uma banda de rock, eu queria algo
irreverente. Um dia, guiando o carro pela Via Costeira para ir trabalhar na
Caixa Econômica, tentando encontrar um nome para a banda, pensei no nome do meu
pai. Inácio é um nome do povo, comum e popular, mas sem ser tão simples. Foi
quando pensei em Inácio Toca Trumpete. Imediatamente percebi que o nome da
banda tinha que ser aquele. Quando cheguei na Caixa, pedi a opinião de Astrogildo,
que trabalhava comigo. Ele comentou:
“matou, você acertou em cheio”.
ZONA SUL
– Os demais integrantes da banda também gostaram do nome?
CASTILHO
– Na época eu tinha trinta e poucos anos, eles estavam entre 18 e 19, naquela fase
da autoafirmação. Quando falei o nome, eles imploraram para a gente escolher
outro. “Se ficar esse nome o povo vai mangar da gente”, era o que eles diziam. Pedi
calma e disse que garantia o sucesso do nome da banda. Eu trabalhava na Caixa,
era chefe de gabinete da superintendência e assessor institucional. Tinha visão
de marketing e sabia que o nome ia pegar, como de fato pegou. Pacificados os
ânimos, encomendei a João Dias a logomarca da banda. Ele bolou uma letra “I”
grande e um cara encostado nela tocando trompete. Ele sugeriu que as cores
fossem vermelho e branco, mas preferi trocar o vermelho pelo preto, que é mais
rock and roll. O preto também funciona melhor em cima do branco e do prata.
Fizemos o lançamento da banda no Clube da Petrobras. Confeccionei 150 camisas e
vendi aos amigos cada uma por cinco reais. Junto com a camiseta, eu entregava um
mapa com as informações para chegar ao local da festa. Contratei palco, iluminação
e som. Fiz toda a logística do show. Tocamos duas horas e meia.
ZONA SUL
– A diferença etária entre você e os demais integrantes da banda dificultou na
escolha do repertório?
CASTILHO
– Não porque tínhamos gostos comuns. Eu e eles gostávamos do Legião, Paralamas,
Titãs, Skank... É importante dizer que a banda tinha quatro integrantes, mas
minha intenção era chegar a sete pessoas. Eu queria três nos vocais para dar
uma força de voz junto com o instrumental. Enquanto um ficava na frente do
palco, dois estavam atrás, fazendo “backing vocal”. Já tinha uma vocalista que
era aluna de canto, mas ela não aceitava certas músicas, não gostava da linha
moderna que estava acontecendo na época. Comecei a fazer testes. Passaram 53
músicos lá em casa para ver quem ia ficar como vocalista. Foi assim que a gente
encontrou Karol Posadzki. Com ela a banda construiu outra visão musical. Ela
trouxe essa linha do rock pop: Alanis Morissette, No Doubt, The Cranberries,
The Doors e outros. Karol estudava com o baixista e com o tecladista da banda. Nos
anos 80, em Natal, surgiram muitas bandas. A gente foi um dos percussores desse
movimento. Inácio ajudou a crescer o movimento da Ribeira.
ZONA SUL
– Como ficou a formação oficial?
CASTILHO
– Saímos com três vocalistas: Eugênio Bezerra, Karol Posadzki e Fátima Paiva. O
baixista Maykel Câmara. Jormar Oliveira e Jorge Medeiros nas guitarras. Bruno
Maciel no teclado e eu na bateria. Só que, com um mês e pouco de banda, Fátima
pediu para sair. Depois houve um problema interno e Eugênio também saiu. Ficou
só Karol. Foi quando a gente direcionou mais a linha para Sheryl Crow, mais
Alanis, No Doubt, Cranberries, Natalie Imbruglia... Mantivemos The Beatles e
The Doors e incluímos Deep Purple, Charlie Brown, Paralamas, Titãs e montamos
dois shows. O repertório, dependendo do show, tinha 45 músicas.
ZONA SUL
– Como foi o primeiro show?
CASTILHO
– Foi um sucesso. O espaço só cabia 150 pessoas, mas o público chegou a 380.
Foi lá na Associação dos Engenheiros da Petrobras, na praia de Ponta Negra. A
divulgação foi boca a boca e também saíram matérias no Diário de Natal, Tribuna
e na televisão. Visitamos as redações. Canindé Soares foi nosso fotógrafo.
Simone Silva e Raíssa Pacheco foram nossas primeiras assessoras de imprensa. Em
pouco tempo a banda atingiu o ápice. A gente fez shows em Recife, João Pessoa,
Maceió, Aracajú, Mossoró, Caicó, Areia Branca...
ZONA SUL
– Como foi a recepção nos outros estados?
CASTILHO
– A gente agradava muito porque usava a estratégia de tocar o que o público
gostava. A cada show do Inácio o pessoal que fazia a assessoria de logística
distribuía uma pergunta: qual a música que você quer que o Inácio toque? No
final eu tinha uns 200 papéis com sugestões de música. Assim a gente só tocava
o que o povo queria. Uma banda que tocamos muito, e eu esqueci de dizer, foi
Pink Floyd. Certa vez, tocando no Projeto Seis e Meia, quando terminamos o show
o artista principal da noite, Lô Borges, veio nos cumprimentar e disse: “fazia
muito tempo que eu não me arrepiava escutando Pink Floyd em um show acústico”. Outra
ocasião, no Circo da Folia, quando terminamos de tocar para oito mil pessoas e
o locutor anunciou a atração principal, a Banda Raça Negra, o povo começou a
vaiar e a gritar I-ná-cio, I-ná-cio. Chorei feito criança, na bateria. Não
conseguia me segurar. Meu filho estava comigo... (Castilho suspira,
emocionado)... e chorava também. O líder da banda, Luiz Carlos, pegou o
microfone e disse: “nós também estamos adorando o show, e já que o público quer
que a banda continue, eles vão tocar mais um tempo e a gente volta quando vocês
quiserem”. A gente tocou mais umas seis músicas naquela vibração incrível.
ZONA SUL
– Vocês abriram shows de muitas bandas em Natal.
CASTILHO
- Inácio Toca Trumpete foi a banda local que mais abriu show nacional aqui.
Dividimos palco com Titãs, Skank, Capital Inicial, Charlie Brown, LS Jack, Jota
Quest, Paulo Ricardo, RPM, Lô Borges... O último show do Paralamas antes do
acidente com Herbert Viana fomos nós que abrimos, na Via Costeira. Naquela
ocasião, Alexandre Maia queria que a gente tocasse com um som pequeno. Mas
recusei e contratei com Helison um som tão grande quanto o que o Paralamas ia
usar. Quem fez a mesa foi Tesourão, mesário de Helison que fazia as bandas
nacionais. Demos uma paulada nesse show. Paralamas estava vindo com show
acústico e nós entramos com show elétrico. Quando a gente desceu do palco, eles
disseram: “vocês mataram a gente”. Mas como matar o Paralamas? Quando Paralamas
começou a tocar, ainda gritaram o nome do Inácio.
ZONA SUL
– Dá para trocar alguma ideia com os músicos de fora abrindo esses shows?
CASTILHO
– Dá. Fernanda Takai, do Pato Fu, é gente finíssima. Conversou muito com a gente.
O pessoal do Jota Quest também. O próprio Herbert e João Baroni... Fechei um
contrato com o naipe de metais do Paralamas para tocar com a gente em um show.
Na volta do primeiro show do Paralamas em Natal, onde hoje é o Atacadão, foi o
Inácio que abriu aquele espaço para eventos. Nessa ocasião, abrindo de novo
para o Paralamas, a gente já fez outra linha. Eles vieram com elétrico e nós
montamos um acústico. Depois, Querosene contratou para repetirmos esse show
três ou quatro vezes para a própria FM. Na coxia já estávamos com disco autoral
e demos pro Herbert Viana. Ele perguntou se não tínhamos interesse em sair, ir
para fora. Eu disse que era difícil, já que todos, com exceção de mim, ainda
estavam estudando. Herbert Viana comentou que tínhamos tudo para crescer e que
o caminho era aquele mesmo. Barone e o naipe de metais do Paralamas também
elogiaram muito. Depois disso trouxemos Derico, da banda do Sexteto do Jô, para
dois shows com o Inácio. A banda era muito bem ensaiada. Certa vez a gente estava
tocando a música Tintura Íntima, do Kid Abelha. O show era na Praça das Flores.
No meio da música tem uma parada, mas, como pensei que a música tinha terminado,
parei. Karol começou a cantar a capela, junto com o público. Devia ter umas
duas mil pessoas cantando com ela. A banda voltou num peso grande. Esse erro se
incorporou ao arranjo. A partir daí passamos a tocar a música dessa forma, em
todos os shows.
ZONA SUL
– Que outra boa história daquele tempo você recorda?
CASTILHO
– Nós acompanhamos o primeiro show que Tuca Fernandes, da banda Jammil e Uma
Noites, fez em Natal. Wellington Paim disse que estava precisando de uma banda
para acompanhar Tuca Fernandes em seis músicas. Ensaiamos as músicas que Tuca
iria tocar, sem a presença dele, que estava em Salvador. O previsto era ele
tocar essas seis conosco e outras quatro sozinho. Começou o show, tudo
funcionou perfeitamente. Terminada a sexta música, ele parou para nos elogiar.
Disse ao público que não tínhamos ensaiado nenhuma vez com ele e que estávamos
tocando extremamente bem e de forma correta. Avisou que a partir dali faria só
voz e violão. Começou a tocar uma canção de Tim Maia. Essa música fazia parte
do nosso repertório. Nosso arranjo era parecido com o dele. Quando Tuca
começou, a banda se olhou entre si e combinou entrar junto. Quando ele
percebeu, fez um gesto de positivo, para a gente continuar. Fizemos com ele
aquele show até o final. Meu irmão chorava e eu tocava emocionado por estar ali
fazendo algo que não era fácil de fazer. Em outros shows, artistas da Globo que
estavam em Natal para se apresentar no teatro, subiram no palco para tocar e
cantar com a gente. Foi o caso de Matheus Nachtergaele e Luana Piovani.
ZONA SUL
– E o disco? Concreto é o nome.
CASTILHO
– O disco foi um filho projetado, planejado, mas que não saiu como eu queria. O
problema é que gravamos um repertório diferente do show. A gente nem divulgou
muito, porque não era a cara da banda. São coisas distintas o palco ao vivo e
você produzir música. Para gravar é necessário todo um conhecimento de
composição, de arranjo, e no Brasil tem pouco produtor de pop rock. Ou você faz
rock, MPB ou samba. Quando você vai gravar uma coisa como a gente fazia - um
pop americano ou um pop irlandês - aí não encontra. Se no Brasil existe essa
dificuldade, imagine em Natal. De qualquer forma, eu queria apenas gravar o
disco para deixar um registro e funcionar como nosso cartão de visitas. Mas o
disco ficou bem feito, bem elaborado, bem gravado e bem arranjado. Foi gravado
em Natal, mas mixado e masterizado em Fortaleza. No mesmo estúdio onde foi
feita gravação, a mixagem e a produção do disco de Jota Quest. Foi dirigido por
Jubileu Filho, um excelente músico e produtor. A gente até vendeu músicas para
propaganda de algumas lojas. Até hoje o disco toca na FM Universitária e tem
gente que pede pela Internet. Minha intenção é que o Inácio volte, pelo menos
para fazer um último show. Fizemos dois shows agora em dezembro de 2011 e
janeiro de 2012.
ZONA SUL
– Por que o Inácio parou?
CASTILHO
– Depois da morte de Paulo Ubarana, que era dono do Blackout, a Ribeira acabou.
O fechamento do Chaplin também contribuiu. Natal ficou sem opção de espaços
para sediar shows de pop-rock. Até porque as bandas não podem depender de um
empresário, de um bar, restaurante ou casa noturna. Quando o artista se
qualifica, seu trabalho por si se valoriza e tem um preço. Não adianta tocar em
uma casa noturna e receber um cachê que não dá nem para pagar os músicos e o
local de ensaio. A gente parou também porque a moda era o forró. Proliferaram
em Natal as casas de show de forró. Diante desse quadro, ao invés de tocar
regularmente, prefiro organizar um show único para grande público do que
simplesmente tocar todo final de semana só para dizer que está tocando. Melhor
se preservar, gravar as boas lembranças e tentar fazer um ou dois shows por
ano. Mas fazer uma coisa qualificada, bem produzida e bem elaborada.
ZONA SUL
– Como foi o retorno para shows no final de 2011 e início de 2012?
CASTILHO
– Muito bom, tocamos na festa do colunista social Jota Oliveira, no Espaço Ecomax,
em janeiro, no aniversário dele. Devia ter mais de duas mil pessoas. Dividimos
o palco com a Banda Pura Tentação. Foi uma grande festa. Dia 16 de dezembro tínhamos
tocado no Blackout, na Ribeira, em uma produção independente. Foi a volta de Karol
e Eugênio no palco, à formação inicial. As festas produzidas pelo Inácio sempre
deram mais público do que as apresentações das bandas nacionais aqui em Natal.
No lançamento do CD, tivemos 1.600 pessoas. Kid Abelha, Rappa ou qualquer outra
banda na Ribeira dá 1.100, 800 ou 900 pessoas.
ZONA SUL
- Conte alguma história interessante dos tempos do Inácio.
CASTILHO
- Fomos contratados para tocar em uma boate em João Pessoa. Antes do início,
chegou um ônibus lotado com um pessoal da terceira idade. Tive a percepção de
entender que aquele pessoal estava vindo para o show de um trompetista, não de
uma banda de rock. Fui lá e comuniquei que não era um trompetista. Mesmo assim
eles disseram que ia ficar. Então eu disse que, em homenagem a eles, a gente ia
fazer um repertório com muito Beatles. Fizemos um show de 40 minutos, uma hora
de Beatles. Esse povo dançou e não queria que a gente parasse. Outra vez, na
festa de segundo anviersário do Inácio, lá na Ribeira, fui avisado de que o
então governador Garibaldi Alves Filho estava na fila. Acho que ele foi lá
também induzido pelo nome. Acomodei o governador em uma mesa no mezanino. Ele,
gentil como sempre, assistiu o show com sua esposa, Denise. Inácio foi a única
banda de pop-rock que teve o privilégio de ter o governador do estado
assistindo a seu show.
ZONA SUL –
Se despeça do leitor.
CASTILHO
- Quero deixar um abraço grande e aproveito para alimentar uma expectativa. A
banda Inácio Toca Trumpete vai voltar. Nem que seja para um show de despedida e
a gravação de um CD e DVD ao vivo. Esse disco terá a cara do Inácio. Vamos
voltar e botar a cara para porrada novamente. Esse show pode até nem ser o último,
mas o início de vários outros.
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