Pedro Pereira
Ele é poeta. É artista plástico.
Foi apelidado de Peralta nos incendiários tempos em que transformava em uma
usina de performances os palcos onde a banda Cabeças Errantes se apresentava.
Lançou livro. Expôs arte em tela e em camiseta. Sobretudo, nosso entrevistado
do mês, se expôs. Nunca se furtou de mostrar a que veio. Inovador, construiu
trilhas diferentes do tradicional. Pedro Pereira da Silva nasceu em Passa e
Fica, em 1963. Mas ficou por lá apenas seis anos. Natal foi a cidade onde
realmente ele passou e ficou. Aqui, construiu sua história e tornou-se
reconhecido como ícone de diversas artes. Entrevistar Pedro Pereira, mesmo que
via Internet (por meio do Skype), foi um prazer e uma honra. Melhor ainda
porque tive ao lado, caprichando nas indagações, o amigo jornalista Roberto
Fontes. Diante de dois Robertos, Pedro Pereira não fugiu de nenhuma pergunta. O
que ele não lembrava – algumas passagens do período no qual esteve em coma,
devido a um acidente vascular cerebral – sua esposa e companheira Alda Pereira
gentilmente ofereceu as respostas. O resultado você confere a seguir. As fotos
foram cedidas pelo próprio entrevistado, através do seu Facebook.
(robertohomem@gmail.com)
A ARTE, AS IDEIAS E AS PERALTICES DE PEDRO
ZONA SUL – Vamos
beber alguma coisa enquanto conversamos, Pedro? Eu e o Roberto Fontes estamos
abrindo uma garrafa de vinho...
PEDRO – Ô coisa
boa! Só que eu não bebo mais. Desde o AVC (acidente vascular cerebral) eu não
bebo mais, não. Só tomo água e suco.
ZONA SUL – Um
suquinho de caju também é uma delícia!
PEDRO – Eu gosto de
qualquer tipo de suco: de caju, manga, mangaba, graviola...
ZONA SUL – Bebidas
à parte, vamos, então, à entrevista? Você morou muito tempo em Passa e Fica?
PEDRO – Somente
seis anos.
ZONA SUL – O que
você recorda desse tempo?
PEDRO – Recordo
pouca coisa. Uma delas é que no quintal da minha casa tinha um pé de imbu muito
grande. Eu comia muito imbu. Não lembro de mais muita coisa. Sequer lembro de
algum amigo daquela época.
ZONA SUL – De Passa
e Fica você mudou-se para onde? Qual foi o motivo?
PEDRO – Para Natal.
A mudança foi devido ao famoso êxodo rural. Quando o meu avô morreu, meus pais
resolveram fixar residência em Natal. Minha família é de agricultores. Meu avô
se chamava Antônio Pereira da Silva. O nome do meu pai era José Pereira da
Silva, e o da minha mãe, Damiana Francisca da Conceição. Viemos para Natal
morar no bairro de Tirol, na Praça Augusto Leite. Na época, anos 1970, meu pai
arrumou um emprego de pedreiro e, a minha mãe, de lavadeira. Eu fui estudar na
Escola Estadual Manoel Dantas.
ZONA SUL – Quais
suas primeiras lembranças de Natal?
PEDRO – Cheguei
aqui criança. Lembro que me impressionou bastante ver o grande número de
carros, nas ruas. Eu também nunca tinha visto aqueles prédios altos. Sofri o
impacto natural de quem sai do interior, do mato, e chega na cidade. A
diferença é radical, apesar de nem sempre a gente perceber de imediato. A
mudança vai se dando devagarzinho, vai se lapidando na mente. Em resumo: o
progresso foi o grande impacto que senti. Também me surpreendi com a quantidade
de pessoas nas ruas e a diferente forma de comportamento, dos cortes dos
cabelos e do vestuário.
ZONA SUL – Nessa
época você já sentia alguma curiosidade com relação à arte?
PEDRO – Desde o meu
primeiro ano no colégio eu já me destacava por gostar de declamar poemas e
pintar quadros com os amigos... Arte já era comigo, desde aquela época. Apear
de eu não ter, naquela época, nenhum conhecimento de nada, já se percebia meu
interesse pela poesia e pela pintura.
ZONA SUL – Algum
antepassado seu enveredou pelo caminho da arte?
PEDRO – Que eu
saiba, não. Nem repente, nem viola, nem nada. Pode ter havido algum, mas eu não
fiquei sabendo. Minha mãe nasceu em Araruna, na Paraíba. Meu pai é natural de Passa
e Fica. O meu interesse pela arte se deu em virtude da escola e pela influência
que recebi de um artista: Dorian Gray Caldas.
ZONA SUL – Como
você o conheceu? Qual idade tinha?
PEDRO – Quando
tinha onze anos, fui adotado por uma família que morava vizinho a Dorian Gray.
Minha mãe lavava roupas na casa dessa família com quem fui morar. Eles pediram
que eu fosse morar com eles e a minha mãe me doou. Morei 15 anos nesse novo
lar.
ZONA SUL – O que
você achou disso? Ficou triste?
PEDRO – Que nada,
eu curti muito: passei a ter tudo o que eu não tinha em casa.
ZONA SUL – Pelo
visto você continuou tendo a sua família original e ganhou mais uma.
PEDRO – Exatamente.
Passei a ter duas famílias. Eu sempre voltava em casa para ver a minha mãe.
Vera Montenegro Pires e Afrânio Pires foram as pessoas que me adotaram. Ele era
comerciante, tinha uma distribuidora de livros lá na Ribeira. Também vendia
caneta, papel...
ZONA SUL – Após ser
adotado você continuou estudando na mesma escola?
PEDRO – Estudei até
a quarta série na escola Manoel Dantas, depois fui para a Escola Estadual
Alberto Torres, perto da Praça das Flores.
ZONA SUL – O que
mudou na sua vida, após a troca de família?
PEDRO – Mudou para
melhor: passei a ter maior facilidade e condições para sair de casa e visitar
outros lugares que eu não conhecia. Deixei de me limitar a um só reduto. Passei
a frequentar lugares como uma granja, em Extremoz, e a praia de Muriú, no
veraneio.
ZONA SUL – Talvez,
para sua futura carreira, o decisivo mesmo nessa época tenha sido você conhecer
o vizinho, Dorian Gray. Como foi esse encontro?
PEDRO – Perfeito!
Sou da idade da filha de Dorian, a Dione Caldas. Minha mãe de criação, Vera,
era amiga da mulher de Dorian, Vanda. Eu ia lá dar recado de Vera para Vanda.
Quando eu entrava, via as tapeçarias de Dorian e também observava ele
trabalhar. Um dia ele me percebeu e disse que eu podia entrar, podia olhar ele
trabalhando. A partir daí passei a ter acesso livre à casa dele. Eu nem sabia
ainda que Dorian era o artista famoso que é até hoje. Mesmo assim, eu achava
aquele trabalho muito bonito e inspirador. O ambiente era bastante agradável.
Dorian é uma pessoa muito educada, doce, amável e gentil. Ele sempre me tratou
muito bem.
ZONA SUL – Dorian
chegou a lhe ensinar as primeiras lições das artes plásticas?
PEDRO – Não
formalmente, mas, em compensação, ele abriu as portas para eu observá-lo
trabalhar. Depois de algum tempo comecei a trabalhar na Construtora Serra
Negra. Certamente influenciado pelos trabalhos que vi na casa de Dorian Gray,
passei a investir parte do meu salário em arte.
ZONA SUL – O que
você fazia nessa construtora?
PEDRO – Eu era
apontador. Sabe o que é isso?
ZONA SUL – Você
anotava, enquanto os outros trabalhavam...
PEDRO – (risos) É
isso mesmo! Eu media a produção dos operários, passava essa informação para as
planilhas e enviava relatórios para o escritório. Minha carteira era assinada.
Eu investia o salário em mim: comprava livros, discos e objetos de arte, para o
meu deleite. Também ajudava em casa.
ZONA SUL – O que
você gostava de ler, nessa época?
PEDRO – Não apenas
livros relacionados às artes plásticas, mas também biografias de poetas e
escritores como Castro Alves, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. Com
relação a música, eu costumava ouvir os discos de Tim Maia, Beatles, Fagner,
Ednardo e toda aquela turma do final dos anos 1970, início dos anos 1980.
ZONA SUL – Você
também gostava de ouvir rádio?
PEDRO – Sim. Por
incrível que pareça, eu gostava de escutar “A Voz do Brasil”. Falando sério! Lá
tinha muita informação. Era curioso ouvir. No rádio eu ouvia muito, aos
domingos, um programa só de MPB que tocava artistas como Luiz Airão, João
Nogueira, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano... Escutava também algumas
coisas em ondas curtas.
ZONA SUL – Voltando
ao trabalho como apontador: você aproveitou esse emprego para se qualificar
intelectualmente e culturalmente, não é mesmo?
PEDRO – Perfeito.
Na verdade, nunca tive – nem na época de criança – brinquedos ou bicicletas.
Sempre me interessei mais por outros horizontes.
ZONA SUL – Você não
brincava com as outras crianças? Não jogava futebol, por exemplo?
PEDRO – Jogava sim,
fui goleiro. Só levava pancada. Eu era perna de pau demais.
ZONA SUL – Era tão
ruim que escalaram você para o gol...
PEDRO – (risos) É isso
aí mesmo!
ZONA SUL – Nessa
época em que você passou a gastar seu salário com arte, teve contato também com
os artistas locais?
PEDRO – De 1980 em
diante, passei a ter contato com vários poetas. Em 1981, lancei um livrinho:
“Lutar pela paz”. Era um livro de poesias bem livres, sem preocupação... Não
tinha preocupação teórica com nada. O objetivo foi mais de me manter vivo na
história, com o pessoal. Foi editado em mimeógrafo. Fiz parte daquela geração
com Dorian Lima, Carlos Gurgel, Aloísio Matias, Sofia Gosson, Venâncio Pinheiro
e muitos outros que publicavam poemas em cópias mimeografadas ou xerografadas.
Era só a nata.
ZONA SUL – Como
Natal recebeu o trabalho dessa “geração mimeógrafo”?
PEDRO – Éramos os
únicos a fazer arte independente. Nosso trabalho era anarquista. Somente nós
fazíamos aquela arte não tradicional. Éramos os loucos.
ZONA SUL – E na
música?
PEDRO – O grande
guru da música, na época, era Raul Andrade, da Alcateia Maldita. Era o papa, o
guru de todos. Ele puxava o bonde. Me inspirei bastante, e até hoje me inspiro
nele. Raul não tinha papas na língua, nem era cópia de ninguém: era único,
singular, autêntico e muito criativo. Os outros não apresentavam aquela força
performática que ele tinha. Paralelo a Raul, tinha também o Gato Lúdico, de
Vicente Vitoriano. Nessa mesma época foi que surgiu o Cabeças Errantes.
ZONA SUL – Como
apareceu a ideia de criar o Cabeças Errantes?
PEDRO – De uma só
vez surgiram várias bandas: Fluidos, Modus Vivendi, Cabeças Errantes...
ZONA SUL – Cabeças
Errantes foi a primeira banda da qual você participou?
PEDRO – Foi. Eu
fazia as performances e tocava um parangolé lá, uma percussão. Mas eu dizia que
o Cabeças Errantes surgiu a partir de uma proposta de Vlamir Cruz, meu grande
amigo. Ele tinha retornado para Natal, depois de passar um tempo trabalhando na
Petrobras, no Rio. Vlamir juntou os amigos – eu, Ricardo Menezes e Piragibe – e
formou a banda.
ZONA SUL – Qual era
a proposta inicial da banda?
PEDRO – Fazer
música sem se preocupar se iria fazer sucesso ou não. Queríamos mostrar a cara
através da participação em shows, festivais e eventos. Não era para gravar
disco.
ZONA SUL – Desde o
início vocês já definiram que, além do som, a banda teria um lado performático?
PEDRO – Esse lado
das performances surgiu comigo, no Festival do Forte, em 1984. Para não ficar
aquela coisa de só blem-blem-blem-blem, eu desci do palco e fiz uma performance
poética. Montamos uma performance com várias poesias minhas, para eu falar
durante uma música instrumental. Eles tocavam e eu interagia com o público.
ZONA SUL – Qual a
reação da plateia?
PEDRO – Delírio
total! Enquanto eu andava de um lado para o outro, no palco, ou então circulava
pela plateia, ia falando aqueles poemas que tinha escolhido para o festival.
ZONA SUL – Quem
também gosta muito de misturar texto com música, nos shows, é Jorge Mautner.
PEDRO – É. Mautner
é outro guru. Foi nesse Festival do Forte que a performance foi incorporada à
banda Cabeças Errantes.
ZONA SUL – O
repertório de vocês era autoral?
PEDRO – Total. No
começo, quase todas as músicas eram de André Júnior. Depois, Vlamir passou a
compor com ele também. Após o sucesso que foi a apresentação no Festival do
Forte, agendamos um show para o Teatro Jesiel Figueiredo. Foi outro sucesso
fantástico. Lá lançamos um livro chamado “Artimanha”. Grande parte dos poemas
eram as letras das músicas que a banda tocava. A intenção era que a plateia
cantasse junto. A aceitação foi maravilhosa. Muitos artistas foram assistir,
como Manoca, Carito e Erick. No palco, fiz algumas poesias performáticas.
Depois desse show vieram muitos outros. Alguns antológicos.
ZONA SUL – Quais as
principais apresentações dos Cabeças Errantes? Lembro de uma no I Festival de
Música da ETFRN.
PEDRO – Ali foi
fantástico, genial. Durante uma música, eu pintei um quadro. Pintei e depois
destruí a pintura. O nome da poesia era “Amor Selvagem”. Eu não destruí o
quadro brutalmente, mas pintei por cima do que eu tinha criado. Em outro show,
cheguei montado em uma bicicleta. Foi no Festival da Poesia realizado em
Candelária. Tiramos o primeiro lugar com meu poema “Pós-Lennon”. O texto é
grande, mas o início é assim: “Pós ler / Pós lendo / Pós pós / Pós-Lennon”.
ZONA SUL – Vocês
usavam algum tipo de aditivo químico - drogas ou bebida - para encarar a
plateia e protagonizar essas performances?
PEDRO – Usava
melhoral infantil. (risos). Era só água mesmo. Nem Vlamir, nem eu e nem Ricardo
usávamos drogas. A gente já era doido de nascença mesmo. Nem maconha a gente
tinha experimentado. Nessa época, por volta de 1986, era só o amor pela arte.
Lembro de um show em um festival realizado na Cidade da Criança. O maior
sucesso foi a apresentação do Cabeças Errantes. Conseguimos, com a Marinha,
quatro sinalizadores de navio. Acendemos no palco. No vídeo “Amor Selvagem”, postado
no Youtube, tem algumas cenas desse show e de outras performances.
ZONA SUL – Como
surgiu o artista plástico Pedro Pereira?
PEDRO – Em 1988 fui
demitido da Construtora Serra Negra, devido a uma redução de pessoal. Peguei o
dinheiro da rescisão, tudo o que tinha direito, e viajei para Brasília. Passei
primeiro por Salvador. Peguei um ônibus para Salvador. Passei 15 dias por lá e
depois fui para Brasília. Amei Brasília. Gastei quase tudo.
ZONA SUL – Também
gostou de Salvador?
PEDRO – Achei muito
parecida com Natal. A diferença foram as mulatas. Minha intenção era conhecer
museus, artistas, gente, ir a shows, andar por novos lugares. Enfim, eu queria
sair da toca, de Natal, e crescer culturalmente. Em Salvador, por exemplo,
fiquei amigo do músico Jorge Papapá. Conheci também Raimundo Sodré. Ele vivia
biritando lá na Barra.
ZONA SUL – Você
ainda tem contato com esse pessoal?
PEDRO – Com Jorge,
falo vez por, via Internet. Em Brasília conheci todos aqueles monumentos
históricos e estive em bares como o Beirute. Também fui nas boates do Gilberto
Salomão. Lembro da Água Mineral e do Shopping Venâncio 2000. Em Brasília
comprei muitos discos, livros e um violão.
ZONA SUL – No
retorno a Natal você produziu – ou na área da literatura ou das artes plásticas
- alguma coisa com relação a essa viagem?
PEDRO – Quando
voltei para Natal vendi os discos, vendi o violão e só guardei os livros. O
violão vendi a Abimael Silva, do Sebo Vermelho. Ele comprou para revender.
ZONA SUL –
Enveredamos pelo assunto da viagem, mas você ia falar sobre o seu começo nas
artes plásticas.
PEDRO – Juntei o
dinheiro que sobrou da viagem com o da venda do violão e dos discos e comprei
tinta, camisetas, pincéis e papéis.
ZONA SUL – Como
surgiu a ideia de transformar camisetas em tela?
PEDRO – Foi porque
eu não conseguia vender as minhas telas, era pior que Van Gogh. Nem o meu irmão
comprava. Até porque ele era liso. (risos). Descobri por conta própria que a
camiseta poderia se transformar em um veículo para produzir arte original - sem
perder meu brilho e minha característica - e vender mais rápido. Fui lá para a
Rua João Pessoa, na época em que existia a Casa Lux. Na porta da loja, botei um
cordão e estendi as camisetas. Com o dono da Casa Lux eu não tinha problema,
quem implicava eram os guardas do município. Às vezes sim, às vezes não. Foi
uma grande novidade para Natal. As pessoas gostaram muito, recebi elogios e
vendi bastante. Foi um “boom”. A camiseta é um veículo ótimo para criar novas
ideias. Minha intenção, a princípio, era usar a camiseta para me aperfeiçoar
nas artes plásticas. Ao invés de treinar com papel, eu treinei com camiseta.
Fiquei lá, naquele ponto, até 1990, quando mudei de rota. Em 1991 resolvi sair
da rua. Fui para a galeria. Fiz uma exposição grandiosa com cem camisetas.
Expus em um só dia, na AABB. Os jornais – Diário de Natal e Tribuna do Norte –
noticiaram. As emissoras de TV também foram lá. No outro dia saiu o noticiário
completo. Vendi todas em um dia só. Daí em diante não mais fui à rua. Levei
minha exposição de arte camiseta também para Mossoró. Depois fui para Recife e
Fortaleza.
ZONA SUL – Fora do
Rio Grande do Norte as pessoas também receberam bem o seu trabalho?
PEDRO – Foi tudo
maravilhoso. O Diário do Nordeste, em Fortaleza, me entrevistou. Lá a exposição
foi em um teatro. Vendi um pouco menos, mas mesmo assim foi legal. Em Recife
foi melhor ainda.
ZONA SUL – Qual a
temática que você usava, na época, nesse seu trabalho de arte-camiseta?
PEDRO – Não tinha
temática. Gosto de pintar jardins, temas abstratos... Sou muito eclético.
ZONA SUL – Depois
do emprego de apontador você passou a se dedicar integralmente à arte ou teve
outra profissão?
PEDRO – Passei a me
dedicar à arte de corpo e alma, total. Desde lá sobrevivo apenas da arte. Tudo
veio de supetão: resolvi não ser mais empregado de ninguém. Decidi que
trabalharia para mim. Como eu tinha aptidão para a arte, foi por esse caminho
que optei. Foi assim que me descobri artista: eu posso, eu quero e eu sou.
ZONA SUL – As
apresentações da banda Cabeças Errantes rendiam alguma grana para vocês?
PEDRO – Eu pagava
por aquilo, eu gastava dinheiro no material das performances. Nenhum de nós
lucrou com a música. Era totalmente por prazer. Recebíamos cachês simbólicos.
ZONA SUL – Não dava
nem para pagar a cerveja e o melhoral infantil...
PEDRO – (risos). No
máximo dava para isso, no máximo! Da mesma forma, a poesia só rendeu
inteligência à minha mente e serviu como um poderoso anti-stress. A poesia
também funcionou para o meu deleite. Desenvolvi essas atividades devido ao meu
amor pela arte.
ZONA SUL – Por que
os Cabeças Errantes acabaram?
PEDRO – Não é nem
que acabou. O tempo lapida as pessoas. As coisas mudam. Um casou, outro foi
trabalhar com outras coisas... Um foi ter filhos, outro mudou de cidade... Isso
fez com que nos distanciássemos. Esse é o rumo natural da vida.
ZONA SUL – Você
sente falta daquela época?
PEDRO – Foi uma
época muito boa, mas não sinto falta. Outras ocupações e interesses já
preencheram essa lacuna.
ZONA SUL – A
arte-camiseta cumpriu seu objetivo de servir de laboratório para você passar a
trabalhar com telas?
PEDRO – A
arte-camiseta ainda é o meu laboratório, até hoje. Sempre foi. Com o passar do
tempo, descobri que a arte em tela ou em camiseta tem o mesmo valor. Hoje pinto
em camiseta e em tela. Minha sobrevivência vem dessas duas vertentes das artes
plásticas. Talvez a minha missão seja desmistificar a arte convencional.
ZONA SUL – Alguém
já lhe copia na arte-camiseta?
PEDRO – Hoje tem
algumas pessoas trabalhando com arte-camiseta. Quando comecei a pintar dessa
forma, não tinha conhecimento de nenhuma experiência parecida. Depois de algum
tempo, já trabalhando com arte-camiseta, descobri que Pink Wainer (artista
plástica filha do jornalista Samuel Wainer e da ex-modelo e escritora Danuza Leão),
pintava em tecidos. Ela tornou-se, então, uma fonte de onde eu pude beber.
ZONA SUL – Incomoda
falar sobre o acidente vascular cerebral que você sofreu?
PEDRO – Podemos
falar sobre isso, sim, numa boa. Já é passado. Aconteceu quando eu estava no velório
da minha mãe. De repente, bateu uma tonturazinha. Eu amoleci, caí e já entrei
em coma. Foi em 2002. Só recordo até o momento em que senti a tontura e caí.
Daí em diante, não lembro de mais nada. Passei três meses em coma.
ZONA SUL – Você
lembra do momento em que acordou?
PEDRO – Saí do coma
aos pouquinhos. Recordo de Geraldo Carvalho indo lá tocar para mim.
ALDA – Geraldo
pediu para ir cantar uma música para Pedro, quando ele ainda estava no coma.
Até então, às vezes eu falava e Pedro abria o olho, mas não conseguia se
expressar. No dia em que Geraldinho foi, Pedro começou a chorar. A gente via
que ele estava emocionado, que estava consciente. Ele escutou. Pedro até lembra
da música que Geraldinho cantou.
PEDRO - Foi Pétala,
de Djavan.
ALDA - Geraldinho
também tocou duas músicas dele mesmo. Na UTI do Walfredo, só podia entrar uma
pessoa de cada vez. Geraldinho entrou com o violão e eu fiquei esperando lá
fora. De repente, a médica veio me chamar. Nessa hora, quase morri. Pensei que
tinha acontecido alguma coisa. Mas ela apenas pediu para eu entrar, dizendo que
Pedro estava bastante emocionado. Na UTI, segurei a mão dele, enquanto
Geraldinho cantava. Desde o começo, quando Pedro tinha entrado no coma, eu
conversava muito com ele. Sempre falava o que estava acontecendo na cidade e
contava como as pessoas estavam solidárias. Tudo que acontecia, eu falava.
ZONA SUL – Então
ele nunca deixou de estar atualizado...
ALDA - Ele estava
sempre atualizado, apesar de fora do ar. Na hora, eu me enchia de força para
falar sem chorar. Procurava agir como se ele estivesse bem. Porém, quando eu
saía da UTI, desmontava. Felizmente Pedro não ficou com aparência de uma pessoa
que passou três meses na UTI. As pessoas que o visitavam sempre diziam que ele
estava muito bem. Realmente, apesar desse tempo todo, ele não ficou com
aparência ruim. Ficou magrinho e tudo, mas só isso. As pessoas comentavam que
ele estava corado e eu achava que estavam querendo me enganar, porque todo dia
que eu chegava, o quadro era o mesmo: Pedro não tinha reagido a nada.
ZONA SUL – Qual foi
a primeira reação, a primeira mostra de que ele estava recobrando a
consciência?
ALDA - Um dia,
quando uma bandeja caiu, Pedro esboçou uma reação ao ouvir o barulho. Esqueci
de dizer que, no início, ele também ficou sem ver. Não enxergava nada quando
começou a abrir o olho. Pedro saiu da UTI ainda em coma. O médico dizia que ele
ia ficar vegetativo, por isso teve que sair da UTI, para ceder o lugar para
pacientes em pior situação que ele. Graças a Deus, depois disso ele foi
reagindo e se recuperou. Pedro lembra de coisas que aconteceram quando ele
ainda estava no hospital. Depois que saiu da UTI, consegui uma vaga no Hospital
Onofre Lopes, que tinha uma enfermaria melhor do que a do Walfredo Gurgel.
Pedro mistura fatos que ocorreram na enfermaria do Onofre Lopes com outros da
UTI do Walfredo. Pedro voltou para casa com traqueostomia, sem se comunicar de
forma alguma, a não ser com os olhos. Como ele estava muito frágil, a médica
achou melhor ele ir para casa, para não correr o risco de pegar uma infecção.
ZONA SUL – A
recuperação, após chegar em casa, demorou muito?
ALDA – Foi lenta.
Ele chegou, em casa, em março. Passamos abril e, em maio, conseguimos uma vaga
no Hospital Sarah Kubitschek. Primeiro ele foi para o Sarah em Fortaleza.
Depois foi encaminhado para Brasília, porque estava com um problema no braço
direito, o que ele tem movimento. Foi detectado um problema no nervo. Teve que
fazer uma cirurgia. Voltamos de Fortaleza para Natal, até para eu conseguir uma
licença do meu trabalho, e fomos para Brasília. Depois do Sarah foi que ele
passou a reagir mais e começou a se alimentar normalmente. No período em que
saiu do hospital, Pedro ficou ainda um mês com a traqueostomia, em casa. Depois
que foi voltando a respirar, a médica tirou. Voltar a falar mesmo, foi lá pro
final do ano. Ele falava uma linguagem que só ele entendia.
PEDRO – Era russo.
(risos)
ALDA - A voz ficou esquisita e ele não conseguia
articular as palavras. Até hoje está um pouco assim. Você está entendendo o que
ele está falando?
ZONA SUL – Estamos
entendendo, sim.
ALDA – Às vezes ele
não respira para falar.
ZONA SUL – Vocês
tem filhos?
ALDA – Não. Tivemos
uma filha, mas ela não sobreviveu. Chegou a nascer, mas faleceu no dia em que
nasceu. Mas isso foi bem antes.
ZONA SUL –
Obrigado, Alda. Pedro, você é um expoente da arte potiguar. É uma figura que
cabe em qualquer enciclopédia que for escrita sobre o Rio Grande do Norte. Não
importa se o tema seja poesia, música, artes plásticas... Certamente você
figuraria em qualquer coletânea de arte contemporânea feita no estado.
Precisaríamos de muito mais tempo para entrevistar alguém do seu porte. Por
isso, muita coisa deixou de lhe ser perguntada. Para suprir, pelo menos
parcialmente, essa lacuna, pedimos a sua ajuda: o que de mais significativo
faltou ser perguntado?
PEDRO – Acho que o
básico foi colocado. Mas, talvez tenha faltado eu falar sobre o meu lado de
artista autodidata. Muitos menosprezam o autodidata. Mas isso não tem nada a
ver. Busquei meus conhecimentos por conta própria, mas sempre procurei absorver
o lado mais amplo da criação pictórica. Procurei conhecer os mestres da arte
plástica mundial e me colocar em um contexto. Hoje eu sei onde estou, o que eu
faço, como eu faço e por que faço. O cara que mais me deixou claro isso foi
Salvador Dali, que nunca foi adepto da academia. A academia, para ele, era uma
grande merda. Dali foi meu grande mestre na parte teórica, na parte prática,
Claude Monet foi meu grande guru.
ZONA SUL – Como
você classificaria as artes plásticas do Rio Grande do Norte? O que vale a pena
apreciar?
PEDRO – Nós temos
pessoas célebres em vários estilos. Por exemplo: Thomé Filgueira – falecido há
poucos anos - foi o maior expoente do expressionismo que tivemos. Dorian Gray é
um grande astro da arte contemporânea. Newton Navarro foi um baluarte. Tem
muitos - como Assis Marinho e outros - que se enquadram no mundo da arte
plástica universal. Na verdade, não existe diferença se a pessoa é potiguar ou
de outro planeta. O que vale é a arte conceitual, é o valor artístico cultural.
Não é apenas melecar uma tela: o trabalho tem que ter contexto e conteúdo.
ZONA SUL – O que
você recomendaria a um jovem que desenha bem e aparentemente tem talento para
as artes plásticas?
PEDRO – Eu diria que
não se limite ao desenho. O desenho limita a pessoa. Desenhar é importante, mas
não se limite a ele. Desenho é só uma parcela da arte, um fragmento. O desenho
cria uma redoma e você se fecha. Procure horizontes abertos, criação aberta. Vá
também para o abstrato, experimente outras escolas da pintura. Só assim você
vai achar a sua.
ZONA SUL – Como o
leitor pode ter acesso ao seu trabalho? Como adquirir uma obra em tela ou em
camiseta de Pedro Pereira?
PEDRO – Atualmente
tenho utilizado o Facebook como minha galeria. Na minha página estão
disponíveis fotografias de quadros e também de camisetas que estão à venda.
Basta me procurar através do Facebook ou enviar um e-mail para que possamos
manter contato: pedropereiranatal@gmail.com
Quem quiser ter uma noção da minha arte, também pode me visitar através do
Facebook.
ZONA SUL –
Despeça-se do leitor do jornal.
PEDRO – A todos os
amantes e amados pela arte sintam-se convidados a ter, em vida, a arte em suas
casas. Deem vida a arte. Ter arte em vida é viver com a arte dentro de casa.
ZONA SUL – Salve,
Pedro Pereira!!!
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