28 de março de 2018

Secas e cheias sob as lentes da imprensa




Anchieta Fernandes
                          
                          As secas e as cheias que, como uma espécie de fenômeno cíclico, ameaçam de terror e morte tantos sertanejos nordestinos, desde anos bem recuados no calendário da História do Brasil, passaram a ser vistas, sob os ângulos de notícia e de opiniões por jornais norte-riograndenses. Isso desde quando a nossa imprensa se afirmou como um dos meios de comunicação do nosso povo. Veja-se alguns dos flashes desse testemunho impresso ante os fenômenos climáticos que afetam os habitantes do Nordeste.
                             Inicialmente, nos primeiros meses de cada ano, alguns jornais, diante da ainda indefinida situação climática, apelavam para um tom agourento: de que o ano não prenunciava ser de bom inverno. Foi o que fez o jornal “O Povo”, de Caicó, que a 16 de março de 1889, publicou: “As notícias que temos do Ceará não são satisfatórias. Do Ipu a 15 de fevereiro, de Pedra Branca a 12, e do Icó a 15 temos notícias de chuvas poucas, em algumas partes só havendo rama. Entre nós o desânimo já vai grande.” A 23 de março, o jornal já retratava o pleno quadro da seca:
                             “De quinze dias a esta data têm passado nesta cidade muitas famílias de retirantes de Catolé e Imperatriz (quase todas), procurando os brejos e o litoral, para escaparem da horrorosa seca que nos anda a esmorecer.” Na mesma data, o jornal publicou um ofício, datado de 15 de março, de Olegário Gonçalves de Medeiros, fundador do jornal e então Presidente da Câmara Municipal da Vila do Príncipe (Caicó), expondo ao Presidente da Província, que era o Dr. José Marcelino Rosa e Silva, a situação, e sugerindo medidas para a solução do problema.
                              No século seguinte, a partir da primeira década, o jornal “O Mossoroense”, de Mossoró, se fez a testemunha fiel, noticiando a chegada da seca, descrevendo cenas dolorosas do que atingia a população faminta, fazendo apelos de medidas urgentes às autoridades. Através de editoriais de capa (“As vítimas da seca dos sertões”, a 24/04/1904; “Seca nos sertões do Rio Grande do Norte”, a 24/05/1904), de alguns artigos de título alarmista (“Leva de retirantes”, “Sobre a seca”) e de colunas (“Seca e socorros”, o jornal fundado por Jeremias da Rocha Nogueira foi História.
                              O jornal oficial, “A República”, sempre publicou matérias dedicadas a divulgar e a debater solução quanto aos problemas da seca. Inclusive, a partir de 26 de junho de 1915, através da coluna “Serviço do interior”, manteve o leitor informado quanto ao que o jornal denominava “auxílio aos flagelados”. Por essa época, já existindo um órgão federal de combate aos efeitos das secas, que inicialmente teve o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas, o jornal fundado por Pedro Velho divulgava a sua ação.
                             Em dezembro de 1945, a Inspetoria foi transformada em departamento (DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), que continuou o trabalho anterior, sempre procurando agir visando encontrar um meio de, se não acabar pelo menos minorar os efeitos das secas. Mas trabalhos assim, às vezes por falta de uma melhor estruturação, se apresentam com falhas. Em 08 de abril de 1953, o jornal “A Ordem” chegou a definir como “atitude criminosa” o DNOCS ter retardado o aproveitamento de flagelados.
                           Muitas soluções foram pensadas pelas comissões do DNOCS, para se resolver este problema das secas: construção de poços e açudes, aproveitamento do leito natural dos rios como canais, irrigação técnica etc. Inclusive, uma investida quase na ficção científica: já em 22 de setembro de 1900, uma matéria no jornal “A República” falava em “chuva artificial”; coisa que seria concretizada mais de 50 anos depois, como o jornal “A Ordem”, de 12 de junho de 1951, noticiou: “Chuvas artificiais no sertão; experiências dos cientistas, primeiros resultados”.
                           Mas, chover sobre a região nem sempre é a melhor solução. Os arquivos dos jornais estão aí para reviverem notícias de tragédias provocadas por chuvas excessivas, que se derramam inundando cidades e campos, trazendo então prejuízos ao bioma. O mesmo jornal “O Povo”, de Caicó, noticia, a 08 de junho de 1889, chuvas caídas na cidade “...em condições de fazer transbordar os rios, e encher alguns açudes”, sem trazer benefícios, “porque destruíram todas as vazantes, agravando ainda mais os sofrimentos da população”.
                        A isoieta das chuvas no Nordeste, por vezes assusta tanto quanto as tragédias do brilho inclemente do sol no Polígono das Secas. Como disse certa vez Manoel Rodrigues de Melo, a cheia é a sucessora do dilúvio, destruindo povoações como fez à povoação de Oficinas, na Várzea do Açu, em 1924, e à de Rosário, em 1947, também na Várzea do Açu, a 15 de abril. A 15 de abril de 1964, o “Diário de Natal” informava: “Na cidade de Ipanguaçu ruíram nada menos que 39 casas. O leito do Rio Açu faltou apenas vinte centímetros para atingir o nível da cheia de 1924, que foi a maior”.
                       Relendo-se (e também revendo-se, pois o material produzido pelos repórteres fotográficos, que acompanham os repórteres redatores, étão importante quanto os textos, do ponto de vista da informação noticiosa) as páginas de jornais do passado, pode-se constatar quanto alguns municípios sofreram o castigo climático. A 07 de abril de 1937, o jornal “A Ordem” reportava-se ainda às inundações de Ceará-Mirim, detalhando as “conseqüências danosas”. Precisamente 10 anos depois, a situação se repete. É o Rio Açu deixando um rastro de tristezas.
                      Segundo o jornal “A Ordem”, de 07 de abril de 1947, foi de quatro mil o número de vítimas da referida cheia do Rio Açu. Mossoró também não escapou deste fenômeno destrutivo das enchentes. Em 1950, sofreu o “flagelo das inundações”, com “danos consideráveis”, conforme a reportagem no jornal “O Mossoroense”, de 30 de abril de 1950. Por sua vez, o jornal “A República”, de 10 de julho de 1974, dizia que Macaíba havia sofrido a maior cheia de sua história. 1980 e 1981 também foram anos de enchentes, de grandes prejuízos.
                Em 1981, as cidades de Afonso Bezerra e Pedro Avelino ficaram ilhadas (v. “Tribuna do Norte”, de 28 de março de 1981). E as enchentes levaram pânico à cidade de São Gonçalo do Amarante (v. “Tribuna do Norte”, de 02 de abril de 1981). No século 21, os jornais registraram coisas como a prefeitura de Governador Dix-Sept Rosado providenciando canoas e coletes salva-vidas, para as pessoas poderem enfrentar a fúria das águas inundando as comunidades ribeirinhas do Rio Apodi/Mossoró (v. “Correio da Tarde”, de 29 de abril de 2009).
                     O que não deve faltar ao nordestino é a consciência de que o fenômeno climático da seca é uma constante regional, não se devendo confiar em que algumas chuvas caídas durante alguns dias signifiquem sucesso assegurado à lavoura e à sobrevivência econômica. As chuvas podem vir, se avolumarem em enchentes, e depois irem embora deixando destruição. Em uma série de artigos publicados no “Diário do Natal” a partir de 22 de agosto de 1907, Felipe Guerra fala sobre chuvas de enchente no Brejo do Apodi, em 1901; faltaram, porém, no tempo necessário para segurar as plantações.

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