19 de fevereiro de 2015

Uma associação com sotaque castelhano


Paulo Jorge Dumaresq
Atire a primeira pedra quem nunca admirou uma obra de arte de artista plástico potiguar. A julgar pelo (bom) nível dos trabalhos pictóricos, os artistas da cidade jamais morrerão por apedrejamento. Reconhecendo o talento dos nossos magos dos pincéis e, ao mesmo tempo, preocupado com a situação financeira de alguns, é que o artista plástico Victor Hugo Zamora Broadwait teve a ideia de arregimentá-los numa entidade. Desta iluminação, nasceu a Associação dos Artistas Plásticos Potiguares (APPA), em 2007. A sede da entidade é na própria casa de Victor Hugo, localizada na rua Santo Antônio, 657.
Convicto de que a arte estabelece valores humanos, Zamora deu tratos à bola para tentar minimizar o rosário de problemas socioeconômicos que os artistas atravessavam/atravessam. “Concluí que algo devia ser feito para tirar os artistas daquela situação precária. A associação nasceu para destacar o artista, valorizar suas obras, estimular sua capacidade criativa e oferecer melhores condições econômicas para que ele possa produzir mais e melhor”, ressalta o peruano naturalizado brasileiro.
Passando as páginas da edição de novembro do “Nós, do RN...” de forma compulsiva, Zamora lembra que elaborou um plano de trabalho baseado na valorização do artista dos pontos de vista econômico, social e artístico. Projeto concluído, convocou os interessados para uma reunião com o fito de apresentar os artigos e cláusulas do futuro estatuto. A partir do encontro, a associação começou a ser esboçada e fundamentada. Para isso, foi constituída uma diretoria, tendo Victor Hugo na cadeira de presidente, e elaborado o estatuto. Ele conta que uns concordaram com o regulamento e outros foram vozes desarmônicas. Não teve jeito: cedeu em alguns pontos para todos ficarem satisfeitos. Se é que isso foi possível.
O estatuto determina que a cada dois anos o presidente convoque novas eleições, contudo nos cinco anos de existência da associação não houve interessados em assumir a presidência da entidade. Com a falta de apetite dos associados para o poder, Zamora já está no seu terceiro mandato nos destinos da “asociación”. “Eu sugeri a diversos artistas em várias circunstâncias que não cabia a mim o direito de continuar presidente. Mas como ninguém apresentou candidatura nem plano de trabalho nenhum continuo com a cruz em cima de mim”, brinca. Ainda de acordo com o estatuto, o artista associado devia colaborar mensalmente com a quantia de R$ 10,00. Na prática, isso nunca ocorreu. Para Victor Hugo, a associação virou mais filantrópica que comercial. O caráter da entidade está mais em servir ao associado que ser escritório de arrecadação.
Histórico  
A entidade que começou com 27 artistas em 2007, chegou a ter 120 associados. Com o passar do tempo, esse número caiu pela metade. Por causa da pouca vendagem das obras nas exposições promovidas pela associação, os artistas foram se ausentando. Zamora tributa o problema da não venda de obras de arte à situação socioeconômica do estado.
Para se tornar sócio da entidade, o artista precisa ser cem por cento potiguar. No caso de brasileiros de outros estados e estrangeiros, eles têm que provar que moram há 10 anos em solo norte-rio-grandense. Além disso, o artista tem que apresentar um portfólio com catálogos, folderes e reportagens para aprovação da diretoria. Indagado se a associação sobreviveria sem a sua presença, o presidente afirma que ajudou muito os artistas e a associação, visto que a entidade divulga os pintores de diversas formas, independentemente de exposições de associados.   
Antes de destacar as principais ações à frente da associação, Zamora chama a atenção para o alto valor artístico de determinados artistas que nunca tinham tido a oportunidade de apresentar suas obras em instituições e locais requintados, como um hotel cinco estrelas e a Pinacoteca do Estado, por exemplo, que eram apenas privilégio de poucos.
Com o sinete da associação, os artistas tiveram a oportunidade de expor seus trabalhos no hotel Blue Tree Pirâmide Natal, localizado na via Costeira, no ano da graça de 2009. Foram expostas 240 obras de associados. Em seguida, a entidade promoveu outra mostra no Midway Mall, com 180 trabalhos aproximadamente.
Galeria
Em seus três primeiros anos, a associação abrigou sua própria galeria de arte. Isto implicava numa série de gastos, tais como secretária, telefone e energia. A galeria foi fechada porque a venda de quadros não cobria os custos com a manutenção do espaço.
Atualmente, a entidade busca apoio institucional para criar a primeira galeria pública de obras de arte do estado. Zamora diz que entregou um projeto à Prefeitura reivindicando um espaço no Centro Histórico para agasalhar a associação, mas não teve sequer resposta. O projeto previa que após seis meses – tempo suficiente para se estruturar - a entidade ressarciria o município pelo “aluguel” do imóvel. A proposta era firmar parceria com a Secretaria Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico e outros órgãos interessados na galeria também como escola de artes e ponto turístico. “Assim que conseguirmos esse espaço, todos os artistas vão ganhar, porque não vão precisar de intermediários (marchands) para vender os trabalhos. Lutamos pela galeria pública onde o artista possa vender as obras dele pelo preço que achar que vale. Em galerias privadas chegam a colocar até 400% em cima do valor de uma obra”, garante.
Outro projeto elaborado por Victor Hugo foi o desenvolvimento de um site para divulgar e comercializar as obras dos associados. Para isso, cada artista deixaria três trabalhos na associação para serem fotografados e expostos no site pelo período máximo de seis meses. Ocorre que em virtude da situação econômica dos associados, que produzem e logo comercializam seus trabalhos, o plano fracassou.
Entusiasta das artes plásticas potiguares, Zamora afiança que os nossos artistas empregam técnicas que poucos no país utilizam. Disse mais: “Nós estamos muito bem estruturados em termos de artes plásticas”. Mas na hora em que a reportagem pediu para citar nomes, o presidente da associação saiu pela tangente: “Para mim fica um pouco difícil, porque como todos eles são associados têm o direito de se expressarem artisticamente como bem entendem. Mas de forma geral, temos artistas muito bons”. A reportagem concorda com o presidente e cita artistas associados da excelência de Eduardo Alexandre, Eric Tibau, Franklin Serrão, Luciano Rock (secretário), Marcelus Bob, Marcelo Fernandes, Thiago Vicente e Valderedo Nunes, entre outros.
Em termo de comparação – sem comparação não há grandeza - a Associação dos Artistas Plásticos Potiguares tem se sobressaído às outras entidades do mesmo caráter. Victor Hugo enfatiza a atuação da potiguar na cobrança aos agentes públicos do cumprimento de leis já mencionadas acima. E o resultado tem sido satisfatório.
O homem por trás da “asociación”
Nascido em Lima, Peru, em 1940, aos três meses de vida Victor Hugo vai com a família para o Equador – o pai era cônsul equatoriano -, onde passa a infância e a adolescência. Depois segue para a Argentina. Em Buenos Aires, cursa jornalismo e artes plásticas. Volta para o Peru para trabalhar durante sete meses no Diário do Comércio de Lima. Acusado de comunista, parte para a Colômbia e, em seguida, para a Venezuela.
No país caribenho, Zamora conhece o ex-ministro da Educação do Brasil, Jarbas Passarinho, que estava em Caracas em missão oficial. Por ocasião da abertura de exposição patrocinada pelo Exército Venezuelano, Victor recebe convite do ministro para decorar o Clube da Tuna Luso Brasileira de Belém do Pará, em 1972, no âmbito das comemorações da Abertura dos Portos do Brasil. “Tive 17 funcionários da Funai para me auxiliar na exposição de caráter folclórico e etnográfico”, expõe.  
O sucesso da festa faz Victor Hugo fincar raízes em Belém. Lá, ele passa a pintar retratos de autoridades políticas, religiosas e também do high society. Como a grana era farta, foi ficando. Quando se enche de Belém, vai para Brasília. Mora, ainda, em Salvador, Fortaleza e Recife. Com a Venezuela na memória, Zamora se manda para Cuiabá, pois a intenção era voltar para o país de Simón Bolívar, via Mato Grosso. Ocorre que em Cuiabá conhece o diretor do Incra que o convida para pintar o retrato dos membros da família. No dia da entrega das obras há uma festa e Victor novamente conhece figurões da sociedade local. Resultado: fica 25 anos em Cuiabá. “Meus três filhos são cuiabanos”, enfatiza.
O casamento com Natal ocorre de modo fortuito. O objetivo da visita à “noiva do sol” era trazer livros e discos para uma cunhada, pois a capital do RN serviria de trampolim para a Espanha, onde tinha um contrato para restaurar quadros, atividade paralela a de pintor. Quando a Polícia Federal finalmente libera a documentação para Victor Hugo viajar, o dinheiro acabara. “E fiquei até hoje”, sorri alegre como o céu de dezembro.
Zamora não segue nenhuma escola pictórica. Sua forma de expressão artística é irônica com o comportamento humano. Os temas são concretos, voltados muitas vezes para questionamentos de ordem política, religiosa, moral e social. Conta que fez exposições individuais em todos os países da América Latina nos quais morou. Em Natal, só realizou coletivas.
Na sua avaliação, tanto as artes plásticas quanto as visuais estão em decadência, porque nos últimos tempos não surgiram novos movimentos artísticos; hoje em dia apenas o artista se destaca, mas não seu estilo. Ele também chama a atenção para o aspecto tecnológico das artes gráficas, pelo qual uma obra de arte é reproduzida à perfeição em larga escala, a um custo baixíssimo. Ao cabo da entrevista, ousa declarar: “Hoje o artista plástico tem que ter outra atividade para poder sobreviver”.
 Associação dos Artistas Plásticos Potiguares

Destacar o artista, valorizar suas obras, estimular sua capacidade criativa e dar melhores condições econômicas para que ele possa produzir mais e melhor. Esse é o objetivo da Associação dos Artistas Plásticos Potiguares (AAPP), entidade fundada recentemente pelo artista plástico Vitor Hugo.
A sede será inaugurada no sábado (30), durante programação que será iniciada a partir das 11h. O local de Funcionamento ficará na rua Santo Antônio, 657 (Cidade Alta), em frente ao Memorial Câmara Cascudo.
A entidade contará com uma galeria para exposição permanente dos trabalhos dos associados. O espaço também servirá para vendas e aluguel de obras de arte (vários artistas e diferentes estilos), conferências e aulas sobre artes, além de restaurações de pintura em tela.
A AAPP, que já conta com a participação de vários artistas plásticos de Natal, também tem como proposta visitar as embaixadas e consulados, visando a possibilidade de um intercâmbio cultural com outros países.
O intuito é divulgar tanto a arte potiguar, como os vários estilos dos associados. Para se filiar, basta fazer contato pelo telefone (84) 3222-4396 ou pelo e-mail associacaoapp@yahoo.com.br.
Serviço:
Inauguração de sede da AAPP
Sábado (30), às 11h
Rua Santo Antônio, 657 (Cidade Alta), em frente ao Memorial Câmara Cascudo.
A tal idéia de que “a união faz a força” pode até ser uma dessas frases feitas que de tão batidas ninguém agüenta mais ouvir. Há, no entanto, quem acredite que a coisa anda mesmo é na base do conjunto. Radicado há oito anos em Natal, o peruano Vitor Hugo, 68, decidiu fundar a Associação dos Artistas Plásticos Potiguares (AAPP). A entidade, instalada numa casa da rua Santo Antônio, 657, Centro (ao lado do Memorial Câmara Cascudo), será inaugurada dia 17 de julho, a partir das 17h. Além de oficinas e cursos voltados para os artistas locais, a sede vai funcionar como galeria de arte para exposições dos trabalhos potiguares. Por enquanto, o aluguel e todos os custos de manutenção da casa estão saindo do bolso de Vitor Hugo. A idéia, segundo ele, é que num futuro próximo os associados arquem com as despesas do espaço doando parte do valor das obras vendidas na galeria. O acesso será gratuito ao público. Os detalhes e as regras serão definido nos próximos dias quando Vitor Hugo e os associados se reúnem para discutir o estatuto da entidade. 

Hoje, por sinal, tem a primeira assembléia na sede, pela manhã. “Estamos definindo o regimento e o estatuto da associação para regularizar e inaugurar dia 17 de julho. A idéia da entidade nasceu quando fiz uma programação de trabalho onde contava os deveres e as obrigações dos associados. Mostrei ao pessoal e gostaram. Por enquanto, estou bancando os custos. Mas a idéia é que os artistas exponham suas obras na casa, o público compre e um percentual dessas vendas fique na associação para mantê-la”, explica.  

Vitor Hugo conta que a atual situação dos artistas plásticos da cidade foi o que o motivou a criar a associação. Numa análise dura e realista da cena potiguar, ele afirma que parte dos artistas locais vivem hoje como mendigos. “Decidi cuidar disso porque tenho um pouco de tempo. Estou com 68 anos de idade e trago na bagagem uma certa experiência.  Tenho uma visão bastante ampla das coisas e percebi situações negativas por parte dos artistas. Tem gente que vive como mendigo em algumas circunstâncias. E isso me deu uma certa raiva, ver artistas bons em situação precária. Existem leis nacionais e estaduais que poderiam ajudar e incentivar os artistas, mas eles não conhecem esses mecanismos, não tem dinheiro.  Acho que essa associação é um meio de chamá-los para essa discussão e atrair compradores”, analisa.
Informação
Para  Vitor Hugo, que também é artista plástico, uma forma de diminuir a distância entre a informação e os artistas potiguares é através de campanhas. “Iremos a escolas, empresas e indústrias para mostrar o que significa a arte, o retorno econômico que ela traz. Precisamos estimular as pessoas, lamentavelmente é um mercado (de arte) inexplorado”, disse.  
O peruano Vitor Hugo chegou ao Brasil no início da década de 70, a convite do ministro da Educação na época, Jarbas Passarinho, trazendo uma exposição. Contratado em seguida por uma galeria de arte da Espanha como restaurador de obras, teve o visto negado pela Polícia Federal. “A Polícia Federal de lá não me liberou aí vim para Natal. Quando regularizei a papelada, meu dinheiro acabou. E aqui estou há oito anos”, contou.  
Artistas aprovam
Procurado pela reportagem, o artista plástico Marcelus Bob disse que a idéia é muito boa, mas faz uma ressalva. Ele lembrou que nos anos 80, os artistas potiguares também se organizaram numa associação, presidida na época por Eduardo Alexandre, o Dunga. Para a nova AAPP funcionar, ele defende que o processo seja democrático. “Se for bom para a arte, é claro que é bem-vindo. Dunga foi presidente de uma associação também na década de 80. Só acho que tem que ser um processo coletivo e democrático, não pode haver autoritarismo”, disse. Outro que está vendo com bons olhos a associação é o artista plástico e jornalista Léo Sodré. “É um projeto interessantíssimo, o Vitor Hugo está fazendo com recursos dele, criando uma galeria, os artistas vão poder expor os trabalhos. Acho que vai ser uma associação para ajudar os artistas. Vejo ele bem intencionado. Estou só esperando ele abrir a casa para participar também”, afirmou.
Matéria publicada no Suplemento cultural "Nós do RN" Dezembro de 2012



Nenhum comentário:

Postar um comentário