25 de novembro de 2019

A santa do Natal





Anchieta Fernandes
            
          Embora uma santa nascida no Equador tenha Jesus no seu nome, Santa Mariana de Jesus Paredes y Flores, no entanto a santa mais ligada simbolicamente ao Natal, é Santa Terezinha. Que ao nascer a 02 de janeiro de 1873, em Alençon, na França, recebeu o nome Maria Francisca Teresa Martin, mas que, ao pronunciar os Santos Votos no Carmelo de Lisieux, a 8 de setembro de 1890, assumiu seu nome religioso: Terezinha do Menino Jesus da Santa Face.
            Voltava-se assim, primeiro para o Jesus criança, nascido segundo a tradição em um 24 de dezembro. Em toda a vida e obra (foi escritora abundante, escrevendo um famoso livro auto-biográfico – “História de Uma Alma” -, além de poesias, peças dramáticas, orações, muitas cartas; e também foi pintora)Jesus Menino é personagem sempre presente. Aliás, ela desenvolveu uma tese que chamou “infância espiritual”, para explicar sua tendência à ascese.
            Escreveu: “Eu me havia oferecido a Jesus Menino como um brinquedo, e lhe havia dito que não se servisse de mim como uma coisa de luxo, que as crianças se contentam em guardar, mas como uma pequena bola sem valor, que ele pudesse jogar na terra, empurrar com os pés, deixar em um canto, ou também apertar contra o coração, quando isso lhe agradasse. Numa palavra, queria divertir o Menino Jesus, abandonar-me aos seus caprichos infantis.”
            A decisão de tomar o hábito de carmelita lhe adveio não somente de uma “santa” inveja de algumas suas irmãs que já o haviam feito, mas também porque o que ela chamou de “conversão” aconteceu numa missa de Natal, em 1886: “Nesta noite de luz, começou o terceiro período de minha vida, o mais belo de todos, o mais cheio das graças do céu. (...) senti o grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores, desejo que jamais tinha sentido tão vivamente.”
            O incrível é que este trabalho pela conversão dos pecadores acontecia no recolhimento da cela do convento, ela orando, meditando, e não indo às práticas sociais, de ajuda aos necessitados na rua. Mas eram orações de tal intensidade, que, por caminhos não observados materialmente, convertiam criminosos e davam consolo aos doentes. Em 1927, dois anos após sua canonização pelo papa Pio XI, diante de 60 mil peregrinos, ela foi declarada padroeira principal das Missões.
              A pedido de sua irmã Paulina, que como religiosa adotou o nome Madre Inês de Jesus, Terezinha redigiu em 1895 o Manuscrito A, primeira parte de sua auto-biografia “História de Uma Alma” (a primeira edição desta obra sairia por uma editora paulina, em Bar-le-duc, França, em 1898). Mas a 2 de fevereiro de 1893, já havia escrito seu primeiro poema, “O orvalho divino”, onde emprega expressões de grande ternura sobre o Menino Jesus: “Meu doce Jesus, no regaço de tua mãe.”
              Em 2002, a editora católica paulista Paulus publicou uma antologia com as “Obras completas” de Santa Terezinha. Em cada uma das partes da antologia, representando cada uma um gênero literário em que a flor do Carmelo se exercitou, não faltam estas referências ternas ao Menino Jesus, talvez mais do que as referências a Jesus Cristo adulto. Que, é claro, se fazem presentes também, pois não seria o caso de a “esposa” Terezinha menosprezá-lo preconceituosamente.
             A antologia é constituída pelos manuscritos auto-biográficos, desde o Manuscrito A (primeira parte da “História de uma Alma”), onde em dado momento ela escreve: “Nesta noite luminosa, que iluminou as delícias da Trindade Santa, Jesus, a doce criancinha de uma hora, mudou a noite de minha alma em torrentes de luz.” Tem também a parte das cartas, das poesias, das Recreações Piedosas, das orações, dos “Últimos Colóquios”, dos escritos vários, além das Notas.
               As Recreações Piedosas são as peças de teatro que Santa Terezinha escreveu, das quais 3 são com temas natalinos: “Os Anjos no Presépio de Jesus”, “O Divino Pequeno Mendigo do Natal” e “A Fuga para o Egito”. Santa Terezinha faleceu no Carmelo de Lisieux a 30 de setembro de 1897, com apenas 24 anos de idade. A sua irmã, Irmã Maria do Sagrado Coração, recolheu desde 8 de julho as palavras da santa em seu leito de doente (acometida pela tuberculose), nas conversas com as outras freiras.
                Pelas 19:20hs, ela olhou para o crucifixo, e pronunciou suas últimas palavras: “Oh! Eu o amo...Meu Deus...Eu vos amo!” A partir da publicação da “História de Uma Alma”, um ano após a morte da autora, começou uma inesperada popularidade da carmelita. O livro se tornou um best-seller. Vem a necessidade de republicá-lo logo, várias edições em diversas línguas, inclusive em japonês. Milhares de cartas chegam a Lisieux, relatando as curas obtidas por intermédio de Terezinha.
                Vem a beatificação (1923), a canonização (1925). E o culto a Santa Terezinha se multiplica pelo mundo, construindo-se igrejas e basílicas dedicadas a ela. Biografias dela em vários meios de comunicação e gêneros artísticos (livros, filmes, quadrinizações). Aqui no Rio Grande do Norte ela é homenageada de diversas maneiras. De 24 de dezembro (justamente numa Noite de Natal) de 1930 a 1 de janeiro de 1931, ocorrem as festas de inauguração do seu templo, no Tirol.
               Em 1937, é fundado em Mossoró o Seminário Santa Terezinha, onde os futuros sacerdotes obtém a primeira etapa de sua formação. As associações religiosas organizadas sob o patrocínio do seu nome existem em várias paróquias do Estado. Aliás, além da paróquia de Santa Terezinha e Nossa Senhora das Graças, criada na capital, por Dom Marcolino Dantas, pelo Decreto nº 25, de 01 de agosto de 1950, ela é também padroeira das paróquias de Janduis e Tangará, no interior.
            Um indicativo do seu prestígio no contexto da cultura popular, é que o poeta e professor natalense Thomas Heidegger Saldanha escreveu um folheto de cordel com o título “A Vida de Santa Terezinha”, em 12 páginas, apresentado pelo Cônego José Mário de Medeiros. Na capa, foi reproduzido o retrato em um quadro, pintado em 1925 pela irmã dela Celina, que foi também carmelita em Lisieux desde 14 de setembro de 1894, com o nome Irmã Genoveva da Santa Face.
            Os recursos de criatividade nordestina voltaram-se também para a captação da vida da santa através da câmera cinematográfica.. Em 1925, a Companhia Vera Cruz realizou a adaptação fílmica do livro “História de uma Alma”, com direção, adaptação e roteiro por Eustórgio Wanderley. A atriz pernambucana Noemi Gomes de Matos interpretou Terezinha. O filme foi mais um a ser incluído no acervo do chamado Ciclo do Recife.
           Em termos nacionais, mencionável foi a quadrinização da vida da florzinha de Lisieux, publicada nos anos 60 pela editora carioca Editora Brasil-América, como volume 14 da coleção Série Sagrada. Os belos desenhos de Mário José de Lima estiveram à altura do inteligente texto de Augusto de Andrade. Foram 34 páginas de uma agradável leitura visual da vida de uma pessoa que esteve sempre no centro das tecnologias visuais, pois foi bastante fotografada.
         Quanto à fertilidade imaginativa (que se concretizou, por exemplo, nas peças de teatro que ela escreveu a partir dos 20 anos de idade, começando com “A Missão de Joana D’Arc”), Terezinha demonstrou desde a infância, quando no colégio do Carmelo inventou uma nova brincadeira: “Gostava, também, de contar histórias que inventava à medida que me vinham ao espírito.” Terezinha era uma menina especial,uma leitora que gostava de ler, e não de ler por obrigação escolar.
            Como quase todas as crianças, teve um animalzinho de estimação, o cachorro Tom.Também gostava de dar presentes de animaizinhos, principalmente pássaros. Era alegre, inteligente, vivaz; brincava de pular de corda. Mas também de fazer orações, de beijar o crucifixo, e sempre, desde pequena tendo a vontade de ser carmelita. Gostava dos campos, das flores (*), e de olhar as estampas piedosas que suas irmãs lhe mostravam. Seu pai, o relojoeiro Luis Martin a chamava de “rainhazinha” e ela o chamava de rei.
          No Natal, o rei é um menino nascido em uma manjedoura, e a rainha é a mãe desse menino. Por sua nobreza a partir da pobreza. Em sua homenagem, é errado levar crianças à escolha de presentes caros nas lojas, tirar fotos de privilégio nos colos dos papais noéis. Toda menina deveria, na Noite de Natal, rezar a oração composta por Terezinha em 1896, endereçada ao Menino Jesus, após ter também composta uma outra oração, dedicada ao “Pai Eterno”:
         “Eu sou o Jesus de Teresa. Oh, pequeno menino, meu único Tesouro! Abandono-me aos teus divinos caprichos. Não quero outra alegria, senão a de te fazer sorrir. Imprime em mim tuas graças e virtudes infantis, a fim de que, no dia de meu nascimento para o Céu, os Anjos e os Santos reconheçam em tua pequena esposa Teresa do Menino Jesus.” A menina que rezar poderá substituir o nome Teresa do Menino Jesus pelo próprio, acrescentando o “de Jesus”.
                                                    
*A 09 de junho de 1897, já bem doente Terezinha, uma de suas irmãs, a chamada religiosamente Irmã Maria do Sagrado Coração, disse-lhe o quanto iriam ficar tristes se ela, Terezinha, morresse. A futura santa replicou: “Oh, não! Vereis: será como uma chuva de rosas”.
Trecho da peça “Os Anjos no Presépio de Jesus”, escrita por Santa           Terezinha na primeira quinzena de outubro de 1894, e representada no Carmelo de Lisieux a 25 de dezembro:
“O Anjo do Menino Jesus
Divino Jesus, como é doce e encantador o som de tua voz infantil. Toda melodia dos céus não pode ser comparada a uma só de tuas palavras! Oh, formoso menino! Escuta minha oração! Tira da terra de exílio um grande número de almas inocentes que se assemelham a ti. Digna-te colher, antes que desabrochem, as flores que murchariam se permanecessem aqui na terra. Assim que o orvalho do Batismo tiver depositado em seus corações um germe de imortalidade, Jesus, que tua mãozinha se apresse a transplantá-las para os jardins dos Céus.”

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