12 de novembro de 2019

OBRAS-PRIMAS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA



Manoel Onofre Jr.


              Ninguém desconhece que o Samba é a nossa música popular urbana mais identificada com o caráter nacional. Depois dele, a marchinha e o baião. Em terceiro plano|: frevo (frevo de rua e frevo-canção), choro, chorinho, maxixe, toada, etc.
Sinal de vitalidade e afirmação, o samba tem vários subgêneros:
- Samba-canção – Lento, sentimental, romântico. (Dentro deste o tipo “fossa” ou “deroedeira”, cujo precursor foi Lupicínio Rodrigues, sambista curiosamente gaúcho. Grande intérprete e, também, criadora: Dolores Duran).
Muitos vêem neste sub-gênero influências do bolero e do fox-blue.
Samba de partido alto – Tradicionalíssimo, parece-nos o de maior pureza, mais próximo às raízes. Clementina de Jesus, uma grande intérprete.
- Samba de carnaval – Feito em função mais da dança: muita percussão e alegria.
-Samba-choro – Uma miscigenação musical, como o nome está dizendo.
- Samba de breque – Resulta de um modo especial de cantar, com o qual notabilizou-se Moreira da Silva.
Não devemos esquecer o samba-exaltação, cujo exemplo mais famoso é “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso. (Não menos belo, “A Bahia Te Espera”, de Herivelto Martins e Chianca de Garcia). Este sub-gênero corresponde a determinada época histórica, de ufanismo verde-amarelo, artificialmente provocado. Tempos de Getúlio.
Contemporaneamente, o samba-exaltação se faz sentir, de certa forma, no samba-enredo das Escolas de Samba.
Outra modalidade digna de nota, o afro-samba de Baden Powell e Vinícius de Morais.
Para conhecer os caminhos deste fascinante mundo musical, a pessoa precisa de guia, a fim de que não se perca em veredas de abomináveis sambas comerciais, do tipo Benito di Paula.
Organizamos e apresentamos a seguir uma lista de obras-primas, com referência às respectivas gravações.
Em tempo: Para maiores estudos da Música Popular Brasileira deve-se ler Oneyda Alvarenga, Mário de Andrade, José Ramos Tinhorão, Edgar de Alencar, Ary de Vasconcelos, Sérgio Cabral, Vasco Mariz e outros cobras.
A seleção:
O Orvalho Vem Caindo
Parceria de Noel Rosa com Kid Pepe. Interpretação de Almirante (3.11.1933), na voz bonachona, característica.
Pelo Telefone
Tido e havido como o primeiro samba gravado. Autoria de Ernesto Santos (Donga) e Mauro de Almeida (Peru dos Pés Frios). Gravação inicial feita na Casa Édison, pela Banda Odeon, em 1917. Na coleção “Música Popular Brasileira”, da abril Cultural, reedita-se a gravação de Baiano, surgida naquele mesmo ano.
Se Você Jurar
De Ismael Silva, aparecendo como parceiros Francisco Alves e Nilton Bastos. Interpretação magistral de Mário Reis e Francisco Alves (1931) fazendo dupla.
Último Desejo
Noel Rosa. Interpretação de Araci de Almeida dos bons tempos (1.1.1937). A gravação mais recente (1967) da mesma Araci deixa a desejar. Outra boa interpretação, a de Nelson Gonçalves (1955). Aceitável. Isaura Garcia (1945).
Palpita Infeliz
Noel Rosa (Motivado pela polêmica com Wilson Batista). Interpretações de Araci de Almeida (1936) e Nelson Gonçalves (1955).
Se Acaso Você Chegasse
Lupicínio Rodrigues. Interpretação original de Ciro Monteiro (1938). Boa, mas a de Elza Soares (1959) é melhor.
Feitiço da Vila
Parceria Noel Rosa/Vadico. Cantam Nelson Gonçalves (1955) e Araci de Almeida (1967).
Aquarela do Brasil
Ary Barroso. Interpretação de Sìlvio Caldas (1942). Há dezenas e dezenas de outras.
Espécie de segundo hino nacional, esta música talvez seja, das nossas, a mais conhecida no exterior.
Maria
Música de Ary Barroso, versos de Luís Peixoto. Valoriza-a muito a interpretação de Sílvio Caldas (1939), verdadeiramente genial.
Ai, que Saudades da Amélia.
Parceria Ataulfo Alves/Mário Lago. Na voz do próprio Ataulfo. Destaque para a gravação de 1968.
No Rancho Fundo
Parceria Ary Barroso/Lamartine Babo. Outra interpretação marcante de Silvio Caldas (1939).
Jura
Sinhô. Com jeito amaxixado, pode não ser classificado samba. Culminância. Mário Reis é o intérprete clássico.
Vida de Minha Vida
Ataulfo Alves. Melhor exemplo do exarcebado romantismo (mulher-deusa, etc.) que tão bem define o compositor e intérprete. Gravação de 1968, com as famosas pastoras.
Fez Bobagem
Assis Valente. Intérpretes: Nara Leão e Araci de Almeida; aquela um tanto apagada, esta esplêndida, definitiva (1942).
Segredo
Herivelto Martins em parceria com Marino Pinto. Bela amostra da música passional do primeiro. Tem uma gravação com Nelson Gonçalves, mas a clássica é com Dalva de Oliveira (1947).
Favela
Roberto Martins/Waldemar Silva. Chico Alves revela a profunda melancolia da música, bem melhor do que Helena de Lima e Ataulfo Alves.
Tenha Pena de Mim
Cyro de Souza/Babahu. Araci de Almeida canta como ninguém, no tempo em que era a tal (1937).
Na Virada da Montanha
Lamartine Babo/Ari Barroso. Belíssima melodia. Chico Alves, intérprete (1953).
João Valentão
Dorival Caymmi. Gravação de 1953, com o próprio autor.
A Felicidade
Tom Jobim/Vinicius de Morais. Interpretações várias: Agostinho dos Santos, Maysa, etc. Nenhuma, porém, definitiva.
Desafinado
Tom Jobim em parceria com Newton Mendonça. Composição das mais representativas do movimento bossa-nova. Intérprete: João Gilberto, claro.
Olê, olá
Chico Buarque de Holanda. Admiravelmente bem casadas letra e música. Canta o próprio compositor (Seu 1º LP).
Pressentimento
Elton Medeiros/Hermínio Bello de Carvalho. Elza \Soares, com a sua voz quente e selvagem, salienta a beleza da composição.
Sei lá, Mangueira.
Paulinho da Viola/Hermínio Bello de Carvalho. Interpretação magistral de Elizeth Cardoso.
As melhores marchas
Continuando este roteiro da MPB, selecionamos as melhores marchinhas e marchas- rancho. Vamos a elas, animação de todos os carnavais:
O Teu Cabelo não Nega
Irmãos Valença/Lamartine Babo. Esta é o clássico por excelência. Gravação original em 21.12.1931, com Castro Barbosa e o Grupo da ‘Guarda Velha’. No LP “Os Carnavais de Lamartine Babo” (1968), o próprio autor a interpreta com sua voz fina e engraçada.
Taí (Pra Você Gostar de Mim)
Joubert de Carvalho. Gravação original em 21.01.1930, por Carmem Miranda, que começava, então, a sua carreira. Ela canta quase gritando, por conta das deficiências do sistema de gravação à época. Mas, ninguém a superou. No filme “Quando o Carnaval Chegar”, de Carlos Diegues, Nara Leão dá uma interpretação toda diferente, infelizmente não incluída no LP homônimo.
Cidade Maravilhosa
André Filho. Espécie de hino do Rio de Janeiro. Aurora Miranda a interpreta, numa empolgação ufanista, beirando o ridículo, em dueto com o autor. Foi um dos maiores sucessos do carnaval de 1935.
Grau Dez
Lamartine Babo/Ary Barroso. Interpretação de Chico Alves (10.10.1934), do próprio Lamartine (LP citado), além de outras.
Ala-lá-ô
Haroldo Lobo/Milton de Oliveira. Uns longes de orientalismo na música e na letra. Carlos Galhardo canta, definitivo (gravação de 21.11.1940).
Touradas em Madri
João de Barro/Alberto Ribeiro. Inscrita em concurso famoso de músicas carnavalescas, foi desclassificada, sob alegativa de ser mais um “paso doble” que uma marcha. Gravação original com Almirante em 28.11.1937.
Boas Festas
Assis Valente. Marcha natalina, verdadeiro clássico. Ao contrário da esfusiante alegria, que caracteriza músicas do gênero, esta marcha é repassada de amarga e suave ironia. Carlos Galhardo é intérprete insuperável.
Sonhos de Papel
Marcha junina de Alberto Ribeiro. Outro clássico. Gravação original de Carmem Miranda (10.05.1935).
Rasguei a Minha Fantasia
Lamartine babo. Boas interpretações: do Quarteto em Cy e do próprio “rei da marchinha” (1963)
Pastorinhas
Noel Rosa/João de Barro, Sílvio Caldas é quem canta melhor (Gravação de 13.12.1937).
Anda Luzia
João de Barro. Em seu primeiro LP, Maria Bethânia valoriza a composição.
Marcha da Quarta Feira de Cinzas
Carlos Lira/Vinicius de Morais. Interpretação famosa: Nara Leão. Um hino ao espírito otimista.
Porta Estandarte
Geraldo Vandré/Fernando Lona. Canta Vandré (gravação de novembro de 1966). Outra mensagem de esperança.
Noite dos Mascarados
Chico Buarque de Holanda. Feita para ser cantada em dueto. Melhor gravação: Chico e Odete Lara, com participação do MPB-4 (05.12.1966).
Não devemos encerrar estas notas sem falar no baião e no frevo.
Mestre no primeiro é Luiz Gonzaga, realmente um compositor da maior importância. Ele, sozinho ou em parceria com Humberto Teixeira e, depois, com Zé Dantas, além de outros, criou pequenas obras-primas, inspiradas no sertão do Nordeste. Destacamos “Asa Branca”, “Juazeiro”, “Baião”, “Que Nem Jiló”, “Algodão”, “A Volta da Asa Branca”, todas interpretadas pelo próprio Gonzaga, sanfoneiro e cantor.
De primeiro subestimadas, apesar de grande sucesso popular, essa música vem sendo, hoje, muito bem recebida em círculos intelectualizados e sofisticados. Sensível a sua influência sobre Gilberto Gil, que a fundiu com o rock, Outros músicos e compositores, como os integrantes do Quinteto Violado, limitam-se a repeti-la em novos arranjos.
O frevo – essencialmente uma dança – é cultivado no Recife (em cujos carnavais nasceu), por –entre outros – dois compositores ainda não suficientemente louvados: Capiba e Nelson Ferreira.
Há duas modalidades principais: o frevo de rua – orquestrado, num esbanjamento de metais, e o frevo-canção, de que é exemplo notável o “Evocação nº. 1”.
Música regional, não vingou bem no Rio de Janeiro – principal ponto de irradiação cultural do país, já dominado pelo samba e pela marchinha -, porque o frevo, talvez a mais engenhosa manifestação musical brasileira, ficou meio enjeitado.
 Transcrito do Jornal “A REPÚBLICA” de 29/06/1979

Nenhum comentário:

Postar um comentário