No livro “Solo e Água no polígono das secas”, o escritor botânico José Guimarães Duque explica o xerofilismo como a ótima adequação ambiental à vegetação nordestina
Quando, em 1928, visitou Natal, Mário de Andrade, um
dos criadores do modernismo na literatura brasileira, guardou boas impressões
sobre a arborização da cidade, dizendo depois, em seu livro “O Turista
Aprendiz”, a seguinte constatação entusiasmada: “Gosto de Natal demais. Com os
seus 35 mil habitantes, é um encanto de cidadinha clara, moderna, cheia de ruas
conhecidas encostadas na sombra de árvores formidáveis”.
Citando a frase de Mário em seu livro “Breviário da
Cidade do Natal” (Edições Clima, 1979), o escritor Manoel Onofre Júnior lamenta
que, “os ´espigões`começam a emparedar a paisagem”, e que das “árvores
formidáveis” a que se referiu Mário de Andrade “restam apenas algumas na rua
Jundiaí e na praça André de Albuquerque.” Teve contudo épocas, mesmo depois da
visita de Mário, em que Natal foi bastante arborizada, inclusive contando com o
maior cajueiro do mundo.
Os cronistas
mais antigos lembram de como era agradável sentar-se nos bancos de madeira da
Praça Padre João Maria, onde à gostosa sombra da gameleira e dos pés de
fícus-benjamin chegava-se até a armar redes nos galhos, dormindo-se uma boa
sesta após o almoço. Alguns tipos de árvores caracterizavam algumas ruas e
avenidas, como as mungubeiras da Avenida Rio Branco, as carnaubeiras da Rua
Potengi etc. Ou caracterizavam os quintais das casas dos ricos (fruteiras).
Hoje, os canteiros de algumas avenidas são
arborizados (jambeiros, acácias, castanholas etc.). Mas, se atualmente existe o
perigo dos “espigões” emparedarem a paisagem – como alertou o escritor Manoel
Onofre Júnior -, tirando o oxigênio tão necessário aos nossos pulmões hoje tão
encharcados de etanol e hidrocarbonetos, existe contudo uma vocação arbórea a
denominar ruas, avenidas, praças, travessas e alamedas de Natal com nomes de
árvores. Exemplos:
Rua das
Tílias (no Alecrim), Rua Babaçulândia e Rua Buriti (no Conjunto Amarante), Rua
Cajarana (Conjunto Boa Vista), Rua das Laranjeiras (no centro da cidade), Rua
Bananeira, Rua Cajazeira e Rua Timbaúba (na Cidade da Esperança), Rua Algaroba,
Rua das Carnaúbas, Rua Ciprestes, Rua Rio Curuá, Rua do Loureiro e Rua do Marmeleiro
(na Cidade Satélite), Rua da Tamarineira (no bairro Felipe Camarão), Alameda
das Acácias e Alameda dos Eucaliptos (Neópolis).
De outros conjuntos natalenses, os campeões em nomes
de árvores denominando seus espaços públicos são o Panorama e o Potengi, ambos
com dez árvores homenageadas, respectivamente: Rua do Sapotizeiro, Rua
Umbuzeiro, Rua Castanhola, Rua Jaboticabeira, Rua Casuarina, Rua Cerejeira,
Avenida das Oliveiras, Rua Mangabeira, Rua Maracujazeiro (que são as dez do
Conjunto Panorama). Do Conjunto Potengi são as seguintes:
Rua do Cajueiro, Rua Jurema, Rua das Pitombeiras,
Rua do Limoeiro, Rua do Coqueiro, Rua do Abacateiro, Rua Pau Brasil, Rua
Oiticica, Rua da Jaqueira e Rua da Goiabeira. De todas as árvores mencionadas,
algumas são mais vulgares e outras são árvores nobres, ricas de tradição na
vida urbana e econômica de determinado país.
Compare-se,
por exemplo, a casuarina com o pau brasil. A primeira é apenas ornamental, a
segunda é presença marcante, dando nome ao nosso país. Mas cada árvore, até
mesmo a mais aparentemente desimportante, tem a sua importância para a vida
como representante do reino vegetal. As árvores entrelaçam dois objetivos: o de
nos levar à comunhão com as raízes da vida, e o de nos deliciar com o sabor dos
seus frutos juntamente com as magias da beleza ao exporem suas flores
perfumadas, nos jardins, nos vasos caseiros, nas mesas de reuniões e
seminários, e no nosso coração a cada primavera.
Por isso que elas motivam tantos artistas. Da mesma
maneira que as tensões psicológicas de Van Gogh levaram-no a pincelar
nervosamente os ciprestes, como chamas expressivas de sua febre interior, o
natalense Vatenor pinta seus cajueiros, ou apenas detalhes dos seus frutos e
folhas. Contudo, ao contrário do pintor holandês, que apresenta nas suas telas
imagens angustiadas, Vatenor traz aos nossos olhos uma memória de infância
vivida na Redinha. Aliás, os artistas plásticos têm amor pelas árvores desde o
próprio material com que trabalham, que usam para produzirem suas imagens e
formas recriadas.
O pincel com
que Maria do Santíssimo desenhava seus galos e flores e folhas era feito de
palito de coqueiro. Quanto aos artesãos, utilizam bastante madeiras,
principalmente a umburana, para criarem seus objetos, seus carros de bois, seus
cangaceiros, seus santos, seus vaqueiros, suas bandinhas de música.
Os cronistas desenham com as palavras, para
expressarem seus sentimentos em relação às árvores. O saudoso Berilo Wanderley
fixou assim um momento inesquecível visto da janela do seu quarto: “Às vezes,
quando não acordo tarde, ainda descubro lágrimas de orvalho escorrendo pelas
folhas espalmadas das bananeiras que, vistas da janela, parecem diamantes,
cintilando no sol” (trecho de uma das crônicas de Berilo Wanderley no livro
“B.W. Revista da Cidade”, organizado por Maria Emília Wanderley, e publicado em
1994 pela Editora da UFRN).
O conjunto de todas as árvores inclusas na toponímia
de espaços públicos de Natal pode ser dividido em várias espécies, conforme sua
serventia prática ou apenas simbólica pelos seres humanos. Por exemplo:
fruteiras (Rua do Abacateiro, Rua Bananeira, Rua do Coqueiro, Rua da Goiabeira,
Rua Jaboticabeira, Rua das Laranjeiras, Rua Lagoa da Mangueira – no conjunto
Soledade II; Rua do Sapotizeiro, Rua da Tamarineira, Rua Umbuzeiro). Outras
espécies são ornamentais, medicinais etc.
Dentro do conjunto de todas as árvores com presença,
pelo nome, nos espaços urbanos de Natal, existe a lacuna de algumas importantes
em sua origem ou adaptação a solos nordestinos. Eu lembraria a canafístula, a
cuitezeira, o licurizeiro, o pequizeiro, a quixabeira e o trapiazeiro. Veja-se
a descrição científica delas: a canafístula é uma espécie do gênero Cássia,
ornamental, apresentando-se com belas flores, ora vermelhas ora amarelas,
nascendo em grandes cachos.
Também é chamada tapira-caiena. A cuitezeira, que
tem também o nome cabaceiro amargoso, é uma árvore da família das cucurbitáceas
(Lagenaria vulgaris), apresentando flores brancas e um fruto cuja polpa é
amarga, prestando-se a tratamentos purgativos. O licurizeiro, ou aricuri, é da
família das palmáceas (cocos coronata), com frutos comestíveis, dos coquilhos
extraindo-se óleo, e das folhas cera (como a gloriosa carnaubeira, ambas
resistentes às secas). Falarei agora do forte pequizeiro:
É da família das cariocaráceas (caryoca
brasiliense), vem do cerrado mas muitas mudas foram plantadas no Nordeste, onde
se adaptou bem. Com folhas trifoliáceas e grandes flores com muitos estames. Os
frutos, aromáticos, podem servir de tempero e para se fabricar licor. A
quixabeira – não vi este nome em qualquer espaço urbano de Natal. É uma árvore
de cor leitosa, da família das sapotáceas (Brumelia sartorum), proliferando
bastante na caatinga.
Por fim, o trapiazeiro, também chamado catauari,
vindo da Amazônia, mas também adaptado ao Nordeste. É da família das
caparidáceas (cratalia benthami), com flores de pétalas lanceoladas e com
frutos de bagas globosas. Tem propriedades medicinais. Esta árvore e as outras
já mencionadas como vindas de outras regiões (originais do Nordeste é o
juazeiro, a mangabeira e plantas cactáceas como o xique-xique ou a macambira),
são adaptadas ou elas próprias sobrevivem através do xerofilismo.
O mestre José Guimarães Duque (o mesmo que deu nome
à fundação mossoroense que, durante algum tempo se tornou responsável pela
publicação da enciclopédia “Coleção Mossoroense”) explicou, em seu livro “Solo
e Água no Polígono das Secas” (1949), que “no Nordeste seco, o clima de
estabilização é o xerofilismo, é a caatinga, ou cerrado ou sertão, vegetação
xerófila, baixa, retorcida, unida, espinhenta e agressiva, em solo raso,
pedregoso, seco, quase sem húmus.” Esta vegetação natural possibilita restaurar
o solo.
Outro
botânico, F. von Luetzelburg, explicou sobre a resistência da vegetação
xerófila às secas, principalmente quando a flora arbórea apresenta raízes
tuberculadas, “verdadeiro sistema xilêmico ou tecido lignoso com os
característicos particulares de zonas geratrizes ou de câmbio, gerando novas
camadas de madeira ou lenho.” Ter estas árvores fornecedoras de madeira é de
grande utilidade ao habitante da região, que assim pode ter com que construir o
madeiramento de suas casas e saber porque uma árvore dá nome a uma rua.
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