18 de dezembro de 2017

O exílio voluntário do artista nas dunas de Santa Rita






Moura Neto


As dunas das praias de Santa Rita e Genipabu, em Extremoz, a 20 quilômetros do centro de Natal, não revelam apenas uma vasta beleza natural do litoral Norte do Rio Grande do Norte, visitadas por turistas de todas as partes do Brasil e do mundo. Lá de cima é possível descortinar um verdadeiro oásis: lagoa e mar que se confundem com o céu azul, entrecortados de coqueiros que se alvoroçam ao sabor da brisa, compondo um cenário que se insurge como um dos mais belos cartões-postais das terras de Poti. É lá que reside e trabalha um artista talentoso, que deixou o alvoroço da cidade grande para viver no anonimato.
Percival Rorato, paulista, 60 anos, tapeceiro, artista plástico, diretor de arte e cenógrafo, trocou São Paulo por Natal depois que a mãe morreu. Queria fugir das turbulências da metrópole e seguiu os passos de uma de suas irmãs, que aqui chegou. Escolheu Santa Rita como refúgio, construindo sua casa nas dunas, em 1998, onde também instalou ateliê e bar. Em volta de muitas pinturas e gravuras, num ambiente mobiliado com peças antigas e rústicas, verdadeiras obras de arte, ele fala sem saudades, mas com certo entusiasmo, de uma fase da vida em que esteve no palco de alguns dos principais eventos culturais do país. Perci, como é mais conhecido em Santa Rita, trabalhou nos primórdios da televisão, no teatro e no cinema, onde atuou, em 1977, como cenógrafo, figurinista e maquiador no premiado filme Sargento Getúlio, de Hermano Penna, baseado na obra de João Ubaldo Ribeiro.
Arredio e tímido, nunca procurou expor seus trabalhos em Natal. Descoberto pelo escultor Guaraci Gabriel, no entanto, acabou participando em 1999 de uma mostra coletiva organizada pelo amigo, na praia onde mora, intitulada Portas para o céu. “Me despojei e me desfiz de um passado quando vim para estas dunas”, diz o artista, que, apesar da reclusão voluntária, ainda recebe encomendas pelas referências que deixou em São Paulo - suas tapeçarias e pinturas também já foram expostas na Itália e Alemanha. Fez incursões por várias escolas, como o cubismo e impressionismo, tendo recebido influências de Picasso e Van Gogh, mas seu espírito rebelde, inquieto e contestador o leva a experimentar e inovar sempre. “Sou plenamente identificado com o momento, por isso classifico minha arte como onírica”, avalia.
O artista que chocou o público numa exposição coletiva realizada em 1973 num estacionamento da Alameda Santos, nas proximidades da Avenida Paulista, em São Paulo, quando tocou fogo em várias peças suas por duvidar da qualidade, numa época em que as performances no meio artístico ainda eram incipientes e geralmente mal compreendidas, afirma que continua usando a arte para “combater os preconceitos e quebrar tabus”. Suas armas, nesta guerra, são agora telas nas quais dispara rajadas de óleo, cera, aguarela, lápis de cor e, sobretudo, acrílico. “Pinto como se estivesse construindo um cenário; o quadro precisa ter alegria, expressão e ser musical”, revela.
Perci saiu de São Paulo por se achar incapaz de participar das grandes transformações que a cidade experimentava, como a exacerbação da violência e da poluição, e pela dificuldade de conviver com a estrutura radical do capitalismo, apesar de ter família influente. Ele é irmão da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, ex-ministra do Planejamento do governo Itamar Franco, e concunhado de Boni, o José Bonifácio Sobrinho, ex-todo-poderoso diretor da Rede Globo, com quem já trabalhou mas garante nunca ter tirado vantagens. “Sempre vivi da arte, fui muito considerado pelo que fiz mas nunca compactuei com o sistema”, frisa.
Exilado no oásis que edificou no deserto de Santa Rita, recebe com freqüência os artistas da redondeza e da cidade, com quem compartilha uma visão privilegiada da Natal dos Reis Magos. “A beleza das dunas é a amplidão que ela reflete”, filosofa, retirando deste cenário os elementos oníricos que retrata em suas telas.

 Texto publicado no Suplemento Cultural "Nós, do RN"  agosto de 2008

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