Por João Antônio Bezerra
Neto
Há pouco mais de três
décadas morria em Natal a poetisa Myriam Coeli [1926-1982]. Nascida em Manaus,
norte do país; infância em São José de Mipibu, já no Rio Grande do Norte;
adolescência e grande parte de sua vida na capital potiguar.
Estudou no Recife onde se
formou em Letras. Jornalista, formada por uma universidade de Madri, na
Espanha, – onde conheceria uma das suas maiores paixões, a poesia de Lorca –
sua figura notabilizou-se na imprensa (jornais A República e Diário de Natal)
principalmente pela qualidade de seus textos, crônicas e poemas, ao longo dos
anos de 1950 e 1960, desde sempre voltados para a percepção existencial do Ser,
para o singelo ou para a natureza contemplativa.
“O mar, sacudido pela
viração, desata seu canto. As rochas parecem mover-se palpitantes – pássaros de
pedras – na solidão. Agita-lhes os braços esverdeados das ondas inquietas.
Braços de ondas que se enroscam nas pedras e oferecem flores de espumas. O mar
se movimenta em seu volume verde vivo. Canta e vive”. Como não reconhecer nesse
trecho da crônica “Marinha” a profundidade e a leveza dessa voz cheia de
angústia de Myriam Coeli? Voz que reconhece o mar em sua eterna transitoriedade
enquanto locus das transfigurações.
Em sua poesia, outras imagens como a do
pássaro, a da rosa, a do ar, a do fogo farão parte do seu imaginário lírico.
Mas isso é só uma faceta da sua escrita consciente do fazer poético, típico da
Geração pós 45, – que influenciou uma plêiade, em Natal, de excelentes poetas,
Antônio Pinto de Medeiros, Augusto Severo Neto, Zila Mamede, Luís Carlos
Guimarães, Deífillo Gurgel, Dorian Gray e Sanderson Negreiros – com nítida
habilidade no manuseio das formas clássicas, pois sempre se dedicou ao estudo
delas, Myriam Coeli, escreveu o que podemos chamar de uma poesia da consolação,
de timbre agônico e resignado, marcado pelo equilibro estético-formal e pela
capacidade de sondar a inquietação do espírito. O seu lirismo é o das linhas
harmônicas estruturalmente falando, porque tudo nela é conduzido de forma muito
serena, animado pelo jogo lexical, preso em geral à rima e à musicalidade.
Nesse sentido, a poetisa
encarou os temas universais da lírica expressando uma visão metafísica ao mesmo
tempo em que abordou os aspectos do cotidiano, traçando as suas tensões
existenciais como podemos perceber em muitas elegias e odes. Suas cantigas de amigo,
por exemplo, são um retorno belíssimo à tradição trovadoresca, à poética
medieval galego-portuguesa.
Poetisa que busca a perfeição de ritmos e formas, porém sem deixar de transmitir o sentimento, a sua amargura é desatada da emoção indireta, ou seja, advinda da experiência emoldurada pela palavra. Extraídos do poema “Elegia da vida breve”, ouçamos esses versos: “Essa dor de saber-me existe e subsiste / absurda, mas real / na lúcida calma que me compõe”.
Poetisa que busca a perfeição de ritmos e formas, porém sem deixar de transmitir o sentimento, a sua amargura é desatada da emoção indireta, ou seja, advinda da experiência emoldurada pela palavra. Extraídos do poema “Elegia da vida breve”, ouçamos esses versos: “Essa dor de saber-me existe e subsiste / absurda, mas real / na lúcida calma que me compõe”.
Essa mulher, de
religiosidade forte, e que lutou contra um câncer até as últimas horas de vida
– não nos esquecemos disso – tinha uma visão muita humana sobre o mundo e
deixou transparecer em diversos poemas a preocupação social frente à miséria e
à pobreza que assola os desfavorecidos e os excluídos.
Os quatro livros de poesia,
Imagem virtual (1961), Vivência sobre vivência (1980), Cantigas de amigo (1981)
e Inventário (1981) publicados em vida permaneciam esgotados há bastante tempo,
guardados à sombra silenciosa das prateleiras de bibliotecas ou talvez de
alguns sebos, até que os seus filhos – Cristiana Coeli e Elí de Araujo –
decidiram tomar a inciativa de editá-los com recursos próprios, de maneira
independente, numa espécie de “Poesia reunida”, acrescentando alguns poemas
inéditos e esparsos.
A sua obra poética deve
ressurgir nesse ano de 2016, numa edição que pode ser pensada como comemorativa
do nascimento da poetisa, que, em novembro, se viva fosse, faria 90 anos.
Tudo indica também que a
edição será extremamente cuidadosa do ponto de vista gráfico, com capa dura,
encadernada, folha especial, tendo sido contratado para supervisionar e
preparar o projeto de reedição das obras de Myriam Coeli o selo editorial Sol
Negro, de Márcio Simões, que faz livros artesanais, costurados, numerados e que
tem se destacado no cenário alternativo de Natal pela beleza das edições.
O volume se completa com
uma fortuna crítica que inclui textos assinados por nomes como os de Franklin
Jorge, que conheceu e foi um dos seus poucos amigos em vida, Dorian Jorge
Freire, Humberto Hermenegildo e José Wilson Pereira de Macedo.
A poesia reunida pela
primeira vez de Myriam Coeli será muito bem-vinda para a literatura do Rio
Grande do Norte, tendo em mente as novas gerações de leitores e as pesquisas
que isso pode gerar no futuro. Embora a sua poesia já tenha sido estudada nos
meios acadêmicos e o seu nome conste em várias antologias, a chegada da sua
obra poética deve promover novos interesses e debates, pois assim esperamos.
Em
nossa visão, a poetisa extrapola com facilidade a noção de regionalismo tal
qual outras escritoras potiguares, a exemplo de Auta de Souza, Palmira
Wanderley, Zila Mamede, merecendo sim, por brilho próprio, estar no panteão da
literatura brasileira.
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