Mais uma crônica porretex do Xico Sá!
XICO
SÁ, cronista
e escritor
Folha
de São Paulo
O dia em que Maria fez Lampião tremer de amor
Por Xico
Sá
Dia Internacional da Mulher, dia de
aniversário de Maria Bonita.
Essa
menina que enjoou da boneca mais cedo do que as outras.
Essa
baixinha invocada. Tipo que a gente gama pela brabeza e pelo destemor de se
jogar lindamente sob o solzão estralado da existência.
Pense
em uma mulher bem-resolvida, meu caro Sigmund. Melhor: uma mulher que sabia o
que queria no calor da hora. Repare a enquadrada que ela dá em Virgulino:
–
Como é, quer me levar ou quer que eu lhe acompanhe? –sapecou a baiana, idos de
1929, dos 18 para 19 anos, deixando Lampião, acossado, risinho amarelo fora dos
beiços.
Foi
a primeira cantada de uma mulher em um homem no Nordeste brasileiro. Reza a
lenda e quem tiver sua realidade que não me venha botar gosto ruim na história.
O
temido bandoleiro, que já havia deixado um rastro de sangue pelos sertões,
estava diante de uma mulher que o fazia tremer como vara verde de canafístola:
–
Como você quiser, Maria; eu também quero. Se estiver disposta a me acompanhar,
vambora” –respondeu, assombrado com a danação da pequena.
E
lá estava formado, com esse diálogo fumegante, o casal mais lendário do
Nordwestern -Bonnie & Clyde é muito pouco quase nada diante das aventuras
desta parelha.
A
moreninha mignon, olhos enfeitiçadores –charmosamente estrábicos, como amo
isso!–, era a primeira fêmea a participar de um bando de cangaceiros, uma história
dominada pelos homens desde que o século 18, quando o pernambucano José Gomes
(1751-1776), o Cabeleira, deu início a este ramo.
O
pioneirismo de Maria Gomes de Oliveira enfrentou resistência. A suspeita dos
cabras de Lampião era que a presença feminina enfraqueceria o cangaço,
facilitando a captura dos fora-da-lei por parte das forças policiais ou
“volantes”, como eram conhecidas.
“Homem
de batalha não pode andar com mulher. Se ele tem uma relação, perde a oração, e
seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa”, declarou o
cangaceiro Balão.
O
sociólogo e psicanalista cearense Daniel Lins, no seu livro “Lampião, o Homem
que Amava as Mulheres” (ed. Annablume) mostra o contrário. A tropa ganhou mais
força com a presença delas.
Um
depoimento do bandoleiro Volta Seca -um excelente compositor, aliás -sustenta o
argumento: “Elas se mostravam sempre corajosas, era raro que criassem
problemas”.
Há
quem entenda a participação de Maria Bonita e suas amigas, companheiras de
outros integrantes do bando, como um marco precursor do feminismo no Brasil.
Faz todo sentido.
“Pela
primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens
igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para acima do joelho”, diz um
dos principais especialista do ciclo do cangaço, o historiador Frederico
Pernambucano de Melo, autor do clássico e imperdível (mesmo!) “Guerreiros do
Sol” (ed. Girafa). Leia, Lola, leia.
Quando
conheceu Virgulino Ferreira, na fazenda Malhada do Caiçara, hoje município de
Paulo Afonso (BA), onde Lampião se refugiava, Maria era casada, desde os 15,
com o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé de Neném, contra quem pesava,
coitado, naquele cenário machista, a suspeita de ser estéril.
A
convicção que estava diante do amor da sua vida foi fatal para o fim do
primeiro relacionamento de Maria Bonita.
Dai
por diante o rei e a rainha do cangaço se grudaram, entre batalhas, dengos e
cafunés –um capricho de Virgulino–, durante nove anos, até que a morte os
separou, em 28 de julho de 1938, quando Lampião foi assassinado pela PM e
Maria, degolada, na mesma ocasião, na gruta de Angicos, em Poço Redondo,
Sergipe. Fim do romance, jamais do amor e da lenda.
§§§
De
profundis: Se você quer saber mais sobre todas estas danações, leia, além do
Frederico e do Daniel, acima citados, “A dona de Lampião”, livraço, narrativa
com boniteza e arrojo, da escritora Vanessa Campos, de Tirunfo (PE) para o
mundo.
Querem
mais dois bons, para instigar o juízo e o conhecimento sobre esse tema mais do
que fascinante? Lá vai: “Lampião –as mulheres e o cangaço” (ed. Traço), de
Antonio Amaury; “Os Homens que Mataram o Facínora – A História dos Grandes
Inimigos de Lampião” (Record), de Moacir Assunção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário