A Barca
num dia de comer filhós*
Por
João Bosco de Araújo
▶ boscoaraujo@assessorn.com
Recebo e-mail carregado de bolero,
com a canção “La Barca”. Dicen que la distancia es el olvido / Pero yo no
concibo esta razón, estão nos primeiros versos da música mais executada de
todos os tempos, até hoje, informa o texto na abertura da mensagem auditiva.
Nem consigo imaginar o tempo que não ouvia um bolero. Acabaram com o
romantismo, em tudo. Se bem, me lembro bem, bolero já não fazia a cabeça da
minha geração pós Bossa Nova.
Mas,
me lembro, tão bem, daquela radiola de balcão dos meus tios, na sala de visita
da casa dos meus avós maternos. Criança, nem imaginar chegar perto. Tocava
outras canções, mas nunca me esqueci dos boleros que meu tio os acompanhava
batendo as pontas dos dedos de uma mão na outra fechada. Com a toalha sobre o
ombro, ele esperava a hora do banho para o jantar. Eu, sentado na cadeira da
sala, calado. Era a senha de estar ali.
Uma
parede separava a casa da rua dos meus pais, da outra de meus avós, contudo, a
sensação de ver e ouvir aquele disco bolachão a rodar segurado por uma agulha,
me fascinava. Em outra ocasião, era o meu outro tio que ensaiava passos,
sozinho pela sala, naquela sessão auditiva. Tempos depois, final dos anos 1970,
nas férias da faculdade, me deparo com um LP de Trini Lopez. Todas as faixas de
clássicos boleros do célebre intérprete americano, filho de pais mexicanos. A
música latina voltava a me contagiar com aquele álbum latino.
Na verdade, a música latina embalou a
juventude de meus tios e de sua geração daqueles anos românticos da metade do
século 20 da vida caicoense. Tanto assim, que décadas depois, Antenor e Chico
Tavares ainda mantinham a alma latina.
Os
discos e a radiola não faziam mais parte de suas vidas, embora carregassem
consigo a paixão pela música e o ritmo calientes. Bastava ver na alegria de
Antenor Tavares dançando bolero, rumba, salsa, girando, elegantemente, com sua
esposa nos salões da Festa e Baile dos Coroas, em Caicó.
Cuandola luz del sol se esté apagando
/ Y te sientas cansada de vagar / Piensa que yo por ti estaré esperando / Hasta
que tú decidas regresar.
Navegamos,
se preciso foi, pois que a distância separa o tempo e ninguém há de imaginar de
nunca se acabar a esperança, até que o sol possa um dia sua luz se apagar.
Embarquemos, pois, mesmo que seja carnaval e domingo é dia de comer filhós.
*Texto
publicado, originalmente, no Carnaval de 2010. Comer filhós é uma tradição
herdada de nossos colonizadores portugueses e, ainda, muito comum entre os
seridoenses, com a família reunida neste Domingo de Entrudo, sinalizando o
Carnaval e a Quaresma que se aproxima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário